O tempo destrói tudo, mas ao mesmo tempo revitaliza aquilo que foi criado a frente da sua época. Filmes, por exemplo, quando são bem-feitos e cuja proposta nos faz pensar como um todo, sobrevivem ao teste do tempo mesmo quando o longa já existe há uns cem anos. Quando uma obra dialoga com os dilemas perante as adversidades, pensamentos e acontecimentos do mundo real, a obra tende a não falar somente sobre o período em que foi criado, como também dialogar com o tempo em que vivemos. Em tempos atuais em que cada vez mais a discussão política está inflamada, gerando divisão entre classes e misturando a religião como um todo, se abre uma janela desoladora com relação ao nosso próprio futuro.
A ficção cientifica é um terreno que não fala sobre um possível futuro, mas sim fala sobre o nosso presente e sabendo se alinhar com que nos espera futuramente. Os erros do passado são colocados em pauta em nosso tempo e fazendo assim se abrir um leque de diversas possibilidades e das quais geram diversos debates. "O Planeta dos Macacos" (1968) é um desses casos em que os anos passam, mas se mantém mais atual do que nunca graças ao seu teor político, reflexivo e de como ainda não evoluímos para continuarmos existindo.
Baseado no romance de Pierre Boulle (autor da Ponte do Rio Kwai) que julgava a história infilmável para a época. Acabou se tornando um triunfo dos roteiristas Michael Wilson e Rod Serling (criador do seriado Além da Imaginação) e de Schaffner. Rendeu quatro continuações e duas series de TV, uma delas como desenho animado. Ganhou um Oscar especial de melhor maquiagem para John Chambers. Com personagens cativantes, o grande destaque fica para o casal de macacos Cornelius (Roddy McDowell) e Zira (Kim Hnter) que seriam peças importantes de toda a saga. O filme em si, era um retrato do medo daquela época perante as mudanças que poderiam surgir futuramente e ao mesmo tempo uma espécie de critica a hostilidade, crenças e a guerra uns contra os outros. Tudo moldado num único filme e que se encerra com chave de ouro devido à inesperada cena final que entrou para história do cinema.
Isso ainda é pouco perante o peso que o filme carrega, principalmente quando ele é revistado em cada revisão. Nota-se, por exemplo, o lado descrente de Taylor, interpretado pelo ator Charlton Heston, que embarcou em uma missão para descobrir vida fora da terra, pois nada nela o prendia devido ao caminho que a humanidade estava vivendo. Eram tempos em que o mundo ainda estava se cicatrizando devido as feridas da Segunda Guerra, os tempos de Guerra Fria já assombravam e a Guerra do Vietnã se tornaria um duro golpe do mundo real contra o os americanos. Revendo a obra atualmente nota-se que nada mudou, a humanidade não evoluiu, retrocedendo cada vez mais, discursos políticos inflamando ainda mais a situação ao invés de ajudar, guerras acontecendo a todo momento e nos colocando sempre à beira da extinção.
Claro que o estúdio Fox da época sempre tinha ambição de atrair um grande público devido a curiosidade em vermos macacos sendo os verdadeiros protagonistas da trama. Contudo, acho que nem eles esperavam tamanho teor político, religioso e o temor que muitos tinham naqueles tempos sendo levados as telas. Franklin J. Schaffner, por outro lado, fez o que pode em termos de ação para época, já que os estúdios sofriam certa crise naqueles tempos, mas isso não o impediu de criar momentos até mesmo frenéticos para os padrões da época. A cena de ação em que surgem os primeiros macacos montados em cavalos e caçando seres humanos com certeza pegou todos na época desprevenidos.
Esse momento, aliás, se torna ainda mais impactante graças a sua trilha sonora composta pelo maestro Jerry Goldsmith, que soube criar uma atmosfera mórbida principalmente quando surge os primeiros macacos. Quando a câmera foca pela primeira vez os rostos deles há um ensurdecedor som vindo de uma corneta e sintetizando o teor absurdo da cena. O peso dela se torna ainda maior graças a expressão de Taylor que não consegue acreditar no que está havendo em meio ao caos.
Não são meramente atores que vestem uma máscara, mas sim a mais pura maquiagem que levava horas para serem feitas nos seus rostos. Um ano antes, John Chambers havia criado uma cena teste com os atores para ver como ficaria e sendo o que foi visto era o mais próximo do clássico episódio The Eye of The Beholder da série "Além da Imaginação", mas cuja trama era algo completamente diferente. O simples teste serviu de exemplo de como a maquiagem poderia ainda evoluir e o resultado foi visto nas telas de cinema.
Mas, acima de tudo, o filme sempre será lembrado ao possuir um dos finais mais impactantes da história do cinema. Quando a Dra. Zira pergunta ao Dr. Zaius o que Taylor acharia além da zona proibida imediatamente ele responderia "o seu destino". Destino esse não somente do protagonista, como também da própria humanidade e sendo representada pela famosa cena em que o protagonista encara a terrível verdade ao ver a Estátua da Liberdade encravada na praia. O grito de revolta de Taylor não somente horrorizou as plateias dos anos sessenta, como ele ainda hoje ecoa nos dias de hoje ao nos darmos conta que não melhoramos em nada e o temor pela extinção se torna ainda forte a cada dia.
"O Planeta dos Macacos" é uma obra prima atemporal e que se fortalece ainda mais a cada revisão.
"Cuidado com a besta homem, pois ele é o peão do diabo. Sozinho entre os primatas de Deus, ele mata por esporte, prazer ou cobiça. Ele matará o seu irmão para ficar com a sua terra. Não o deixe procriar em grandes números pois ele transformará em deserto a sua terra. Enxote-o, faça-o voltar ao seu lugar na selva... pois ele é o mensageiro da morte."
29ª escritura, 6º verso da Lei do Planeta dos Macacos
(Planeta dos Macacos: O Homem que veio do futuro - 1968)
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