Às vezes é difícil descrever sobre determinadas situações através de nossas lembranças, pois as vezes nós não sabemos ao certo por onde elas começam. Com relação aos filmes que passavam na tv, cada exibição era um verdadeiro acontecimento, mesmo quando eu pegava pela metade da obra como um todo. "O Império do Sol" (1987) é um desses casos que não peguei a exibição desde o início, mas bastou eu começar assisti-lo que me marcou profundamente em todos os sentidos.
Dirigido pelo mestre Steven Spielberg, e baseado na obra de J G. Ballard, o filme conta a história de Jim Graham (Christian Bale), um garoto de 11 anos de uma família inglesa que vive no Oriente. Jim tem um padrão de vida alto, mas de repente é separado de seus pais em virtude da China ser invadida pelo Japão. Isto o força a se defender e o obriga a crescer, tornando-se então um sobrevivente em um campo de concentração com rígidas regras.
A tentativa de filmar na China consumiu vários meses de negociações por parte de Steven Spielberg, que só recebeu a autorização após as autoridades locais assistirem a vários filmes do diretor, que eram desconhecidos na China até aquela época. O esforço valeu muito a pena, já que o filme é um daqueles tipos de superprodução que não se fazem mais hoje em dia, onde os realizadores procuravam realmente colocar a mão na massa e não dependendo do CGI como se faz hoje em dia. Ao lado de "Gandhi" (1982), o filme de Steven Spielberg pode ser apontado facilmente como uma das últimas produções épicas de proporções monumentais em que se realmente usavam inúmeros figurantes de verdade e dando maior verossimilhança em cenas que até hoje nos impressiona.
Como sempre, o diretor usa e abusa de diversos planos-sequências, sendo que um deles começa já na abertura, onde vemos coroas de flores boiando na água de forma enigmática, para logo depois nos revelar uma situação mais mórbida. Não demora muito para conhecermos Jim, um garoto de família rica Inglesa e da qual sempre lhe davam o que ele queria. Porém, é curioso observar como ele tem uma curiosidade com relação as pessoas que passam por necessidades, principalmente em tempos em que a guerra entre Japão e China a recém estava começando.
A partir do momento em que o conflito realmente explode isso faz com que o nosso pequeno protagonista se separe de sua família e é então que testemunhamos um Jim que foi obrigado a despertar, pois se não fosse isso iria logo perecer. Da casa abandonada até os campos de concentração, vemos um Jim se transformar psicologicamente e fisicamente, ao ponto que ele acaba se tornando uma mera sombra do que já tinha sido um dia. Competindo com mais de cinco mil crianças pelo papel, o até então desconhecido Christian Bale estreia com o pé direito no cinema através dessa obra e arrisco dizer que ainda hoje é uma de suas melhores atuações da carreira.
A gente se assusta da forma como ele começa a enxergar aquela realidade da guerra, onde ele usa toda a sua criatividade para sobreviver e ajudar o seu próximo, mas não escondendo através do seu olhar o quanto esse mundo está lhe afetando. Curiosamente, Jim pertence ao lado da elite, mais precisamente dos colonizadores Ingleses e que nunca se imaginava na possibilidade de passar por necessidades. Porém, ao mesmo tempo, já demonstrava certo interesse em assuntos que não faziam parte de sua idade, desde a questão da existência ou não de Deus, como também na possibilidade de um dia estar do outro lado daqueles que lutavam pelo seu próprio pão.
Nesta cruzada ele acaba conhecendo personagens curiosos, desde o trambiqueiro Basie, interpretado magistralmente por John Malkovich, como também a figura de um jovem soldado japonês que possui a mesma paixão de Jim, mais precisamente com relação aos aviões kamikaze. Ambos, aliás, são dois lados da mesma moeda, onde no princípio enxergam a grandiosidade da guerra através desses incríveis veículos aéreos, mas logo conhecendo o outro lado sujo e grotesco. Embora tenha sido lançado em tempos em que hollywood ainda retratava outros povos de forma incoerente, é curioso observar que aqui há um respeito de ambos os lados do conflito, pois chega um ponto neste cenário que nada mais faz sentido, a não ser sobreviver com o que tem e proteger o seu próximo.
Voltando a minha infância, eu assisti a esse filme em uma época que o meu pai trabalhava de noite e minha mãe estava assistindo ao filme sozinha na sala. Acordei e decidi acompanhar a obra mais precisamente no momento em que ocorre o ataque aéreo no campo de concentração. Antes disso há uma maravilhosa cena em que Jim canta a mesma canção na abertura do filme diante de pilotos kamikaze que se preparam em voar para a morte. Após isso há um verdadeiro êxodo de diversos ingleses indo em direção ao deserto e onde o nosso protagonista começa a cada vez mais perder o controle de tudo.
Porém, a cena final é para mim um dos momentos mais inesquecíveis da minha infância quando testemunhei esse filme. Jim reencontra os seus pais em um abrigo onde se tinha diversas crianças perdidas durante a guerra e é então que ele abraça a sua mãe e testemunhamos o seu olhar cheio de cicatrizes emocionais e das quais fecham para finalmente descansar. Curiosamente, ao menos na minha lembrança, a cena parecia muito mais longa, mas talvez pelo fato que para uma criança inocente como eu testemunhar aquilo era algo muito emocional e do qual levei comigo até poder revisitar a obra recentemente e fazendo me dar conta o quanto ela ainda é impactante.
Embora não tenha sido um grande sucesso na época, "Império do Sol" é um dos filmes mais emocionais da carreira de Steven Spielberg, onde horror de um conflito tira a inocência de uma criança e fazendo dela alguém muito maior do que ela imaginava.
Onde assistir: Pelo HBO MAX e lançado recentemente em mídia física em DVD e Blu-Ray .
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