No final do século 20 o diretor Darren Aronofsky começou a chamar atenção através de filmes em que se explora a obsessão, vícios e o lado complexo da mente do ser humano. Foi precisamente a partir de "Réquiem Para Um Sonho" (2000), um filme perturbador sobre o mundo das drogas, que o realizador ganhou holofotes e ganhando cada vez mais carta branca para a criação de suas obras autorais. Mesmo com poucos títulos em sua filmografia Darren Aronofsky é aquele típico realizador que basta fazer um longa que poderá facilmente entrar para a história ao levantar diversas discussões na medida em que o tempo passa.
Em 2006 o realizador arriscou em uma ficção intitulada "A Fonte de Vida" (2006), onde o passado e o presente se alinham em uma única vertente. Já em "O Lutador" (2008) vemos a luta de um protagonista em busca de uma redenção pessoal, mesmo quando ela é praticamente nula em ser obtida. É então que logo viria "Cisne Negro" (2010) talvez a sua obra mais bem equilibrada sobre o significado da palavra obsessão e até que ponto a nossas mentes podem nos persuadir.
Desde que assistiu ao lago dos Cisnes, um balé dramático em quatro atos de 1876 do compositor russo Piotr Ilitch Tchaikovski e, libreto de Vladimir Begitchev e Vasily Geltzer, o diretor viu ali uma forma de inserir uma trama que remetesse até mesmo clássicos que vai desde " Malvada" (1950) como "Repulsa do Sexo" (1965). Uma trama em que se explora a luta pela perfeição no mundo artístico, mas tendo um alto preço a ser pago durante o percurso. O filme, por si só, culmina na realização em que a protagonista ansiava, mas deixando em aberto o destino sobre ela.
O filme pode facilmente ser classificado como um filme de horror, porém não havendo o lado sobrenatural que tradicionalmente é visto dentro deste gênero, mas sim algo mais psicológico e cujo verdadeiro mal pode se encontrar no lado mais obscuro da mente humana. Interpretada com grande intensidade por Natalie Portman, Nina deseja protagonizar como dançarina principal do Lago dos Cisnes, mas não conseguindo em um primeiro momento ser os dois lados da personagem, ou seja, o cisne branco e o sombrio. No decorrer do filme, por exemplo, ela parece ser assombrada no que parece ser a sua própria sombra e da qual anseia em sair do seu casulo para então se tornar perfeita.
O realizador explora a questão da tentação, da qual figuras como o professor de dança Thomas Leroy (Vincent Cassel) e a sua colega Lilly (Mila Kunis) seriam figuras das quais provocam o interior da protagonista. Enquanto ela procura convencer o professor de todas as formas que pode ser perfeita, por outro lado, Lilly é a perfeição que Nina anseia, mas ao mesmo tempo tendo medo de que ela roube o seu grande ato que anseia. Curiosamente, o desejo da protagonista em querer ser como Lilly nos brinda com intrigante cena de sexo, mas da qual sintetiza os dois lados da mesma moeda incrustados dentro da mente da protagonista.
A gente nunca sabe ao certo onde começa e onde termina as alucinações da protagonista, sendo que a sua mãe poderia ser uma espécie de manifestação para conter o que Nina está enjaulando dentro de si. Neste último caso, por exemplo, o outro lado dela surge através de manifestações vista em espelhos, sendo que eles são usados diversas vezes no decorrer da história, seja para vermos tais manifestações, como também as próprias reações dos personagens a partir de uma outra perspectiva. É interessante observar também como o uso dos espelhos se entrelaça com perfeição com a montagem do filme como um todo e que por vezes sintetiza a mente fragmentada de Nina.
Curiosamente, existe a questão sobre exclusão do velho e dando destaque ao novo sangue em voga. Se isso foi destacado recentemente em "Substância" (2024) isso já era explorado a partir de "Cisne Negro", principalmente em tempos em que todos anseiam pelo sucesso, mas não conseguindo vencer os seus próprios obstáculos. Embora com pouco tempo de cena, a personagem de Winona Ryder simboliza uma geração aos poucos sendo descartada, mesmo tendo dado tudo de si para obter o equilíbrio da perfeição que tanto deseja.
Exibido pela primeira vez em 1º de setembro de 2010 na abertura do Festival de Veneza, o filme acabou sendo um verdadeiro sucesso de crítica e de público, arrecadando mais de trezentos milhões de dólares contra um orçamento de apenas treze. Indicado há vários prêmios, sendo que Natalie Portman praticamente ganhou em todos, incluindo de melhor atriz no Oscar daquela época. Porém, é preciso reconhecer a forte presença de Mila Kunis quando surge em cena e fazendo de sua personagem mais enigmática do que deveria.
Outro fator que merece ser destacado é o fato de Darren Aronofsky sempre usar o CGI em prol de contar uma boa história e não a poluir. No caso de "Cisne Negro" isso não foi diferente, ao acrescentar o recurso nas manifestações em que a protagonista enxerga, ou até mesmo inserido nos momentos em que os espelhos a deixam cada vez mais confusa. Porém, tecnicamente, o ápice deste recurso se encontra quando a protagonista se transforma em um verdadeiro cisne na frente da plateia e concluindo, enfim, a perfeição que tanto desejava, mas ao mesmo tempo fazendo com que caísse em ruína.
Apontado nas listas dos melhores filmes do século vinte um "Cisne Negro" é um belíssimo horror psicológico e cujo verdadeiro monstro pode estar escondido no lado mais puro do ser humano.
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