A imagem do herói perfeito perdurou até os anos setenta, mas devido aos eventos que ocorriam no mundo real, foi preciso os super seres vindo das páginas coloridas se tornarem mais humanos e fizessem com que os leitores se identificassem com eles como um todo. Mas foi nos anos oitenta em que realmente ocorreu a virada de mesa, onde escritores como Frank Miller e Alan Moore deram uma nova roupagem aos heróis, transformando os mesmos em personagens mais humanos, violentos e até mesmo falhos. Se Frank Miller criou a versão definitiva de Batman em "Cavaleiro das Trevas", por outro lado, Alan Moore criou em "Watchmen" uma realidade mais próxima da nossa, onde os heróis existem desde a Segunda Guerra e participando dos principais eventos da história.
Para Alan Moore, a ideia de existir super heróis no mundo real seria tenebrosa, já que os seres humanos são falhos em suas ações e uma pessoa comum usando poderes com certeza ficaria dividida em praticar o bem ou fazer as piores coisas das quais se poderia imaginar. Foi também pela obra do escritor que se previu que as grandes corporações do sistema capitalista começaria a se alimentar com a imagem do herói e assim obter o lucro através da massa de fãs em todo o globo. No nosso mundo real, por exemplo, a toda poderosa Disney é distribuidora da Marvel, responsável pelas maiores bilheterias do momento e enchendo os seus cofres a cada ano que vai passando.
Portanto, a visão de Alan Moore sobre esse assunto é complexa, contagiante e ao ponto de outros realizadores começarem a se alimentar da ideia. Um desses, por exemplo, é Garth Ennis ao criar a HQ "The Boys" onde contava a história onde os super-heróis existem, mas em sua grande parte tiveram seus valores morais corrompidos pela fama e celebridade que alcançaram, e não raro se comportam de forma irresponsável. Por isso um esquadrão de agentes da CIA, conhecidos informalmente como "The Boys", é responsável por monitorar as atividades da comunidade de seres super-poderosos.
A história se foca em Hugh "Wee Hughie" Campbell, que após sua namorada ter sido morta durante um conflito entre heróis e vilões, passa a odiar os heróis. Hugh é convidado por Billy Butcher, líder dos "The Boys" a se juntar ao grupo e monitorar os heróis. Ennis declarou antecipadamente que pretendia superar a quantidade de imoralidades, cenas violentas e perversões que havia incluído em sua série Preacher, e manteria esse nível por toda a duração de "The Boys".
Não demorou muito para a HQ ganhar uma adaptação que fizesse jus ao seu conteúdo e coube Amazon Prime em obter esse feito. Porém, diferente de sua fonte, os realizadores se preocuparam mais em construir personagens mais humanos ao invés de apresentar somente violência explícita a todo momento. A violência, aliás, está sempre presente na história, mas tendo consequências e jamais de forma gratuita.
Em duas temporadas, o diretor Eric Kripke e os demais realizadores incrementaram na trama de tudo um pouco, desde uma crítica feroz as mega corporações que obtém rios de dinheiro com as imagens dos heróis, como também sobre a política fascista da era Trump e cutucando até mesmo o papel das religiões se infiltrando no cenário político. Em meio a isso temos super seres falhos, pois eles não deixaram de serem humanos e o que vemos são pessoas comuns que, por vezes, nem conseguem lidar com os poderes que obtiveram.
Dentre eles, o destaque sempre vai ser para o Capitão Pátria, uma espécie de versão maligna de Superman, mas mantendo a imagem de bom moço para os holofotes. O personagem é sem dúvida o mais complexo de toda a trama, já que estamos diante de um homem complexo internamente, cuja a maioria dos seus desejos peculiares ele mantem internamente e se transformando, portanto, uma verdadeira bomba relógio. Antony Starr dá um verdadeiro show de atuação e fazendo do seu personagem um ser imprevisível e fazendo a gente até temer sobre o seu próximo passo.
Por ser uma série de poucos episódios (oito cada temporada), a trama principal jamais se prejudica com as suas subtramas, já que elas são poucas e todas interligadas com a principal questão da história. Com um final de uma segunda temporada surpreendente, é obvio que "The Boys" irá perdurar por mais tempo, mas correndo o sério risco de se estender por demais, pois afinal ela também não deixa de ser um produto de uma mega corporação para atrair a massa. Uma situação irônica, porém, realista com relação ao futuro do programa.
"The Boys" é prato cheio para se discutir e polemizar a questão do papel do herói dentro de nossa sociedade atual e sobre até que ponto ele começa a prejudicar ao invés de ajudar.
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