Sinopse: Amelia, viúva e ainda atormentada pela violenta morte do marido, tenta lidar com o medo de monstros que aterroriza seu único filho.
Clássicos do cinema de horror como "O Bebê de Rosemary" (1968) e "O Exorcista (1973) sobrevivem ao teste do tempo graças ao fato deles possuírem diversas camadas de interpretação com relação as suas tramas. O filme de William Friedkin, por exemplo, pode simplesmente ser tachado como um filme de possessão demoníaca, como também uma história em que se explora os poderes ocultos da mente humana. "O Babadook" (2014) segue com perfeição essa minha teoria e podendo ser lembrado facilmente nos próximos anos como um dos melhores filmes de horror do nosso tempo.
Dirigido pela cineasta Jennifer Kent, o filme conta a história de Amelia (Essie Davis), que no passado ela havia perdido o seu marido em um acidente de carro quando ambos estavam indo no hospital para ela dar à luz. Mesmo tendo o seu filho Samuel (Noah Wiseman) ela ainda não superou a trágica perda e o garoto começa a sonhar diariamente que um monstro que se encontra em um livro está assombrando ambos. Mas até onde isso é sonho e realidade?
Por ser de origem Australiana se percebe que é uma produção que se difere das americanas, tanto pelo seu visual, como também pelo seu ritmo e que dá espaço para uma construção melhor na apresentação dos seus personagens principais. Isso logicamente afasta aquele cinéfilo que está acostumado com o gênero de horror convencional norte americano, do qual possui diversos sustos a cada momento, mas quase não nos dá tempo para nos simpatizarmos com os personagens principais ou exigir um roteiro mais complexo. Em ambos os casos eles se encontram e "O Babadook", de uma forma bem dirigida e cujo o roteiro pode ser interpretado de diversas formas.
Se formos simplifica-lo, ele pode ser interpretado como mais um filme sobre uma casa mal assombrada, mas a trama não se limita essa ideia tantas vezes usada. Ao invés disso, testemunhamos uma protagonista transitando entre a lucides e a dor que ainda não cicatrizou pela perda do seu marido. Além disso, ela precisa enfrentar o dia a dia de ter um filho super ativo e fazendo com que o seu lado lúcido transite para a beirada do precipício.
Essie Davis, estrela de filmes como "Casamento às Avessas" (2010), nos brinda aqui com a melhor atuação da sua carreira. Se no princípio sentimos pena de sua personagem por sofrer de um trauma do passado, além de não conseguir conter o seu filho super ativo, por outro lado, logo começamos a temer pela vida desse último a partir do momento em que ele começa a ser assombrado por uma possível entidade fantasmagórica e pela própria mãe que começa a dar sinais de descontrole sem precedentes.
Podemos supor que ela esteja também sendo afetada pelas manifestações que ocorrem na casa, mas o problema, talvez, se encontre muito mais embaixo do que a gente imagina. Ao nunca colocar para fora a sua dor devido ao passado trágico, a protagonista começa despeja-lo em momentos de grande conflito e fazendo ela se tornar um perigo para si e para o seu próprio filho. Não me surpreenderia, por exemplo, se atuação da atriz serviu de inspiração para o trabalho de Toni Collette em "Hereditário" (2018) e para quem viu o filme de Ari Aster sabe muito bem o que eu estou dizendo.
Já a figura de Babadook em si é um deleite para os amantes do gênero fantástico, pois ele parece um cruzamento de Sr. Hyde do clássico "O Médico e o Monstro" e Nosferatu. Neste último caso, tanto a figura do ser, como também da própria casa, parecem extraídos dos melhores momentos do expressionismo alemão, do qual os filmes em si daquela época exploravam os significados dos sonhos e da imaginação de um povo alemão esmagado após a 1ª Guerra Mundial. Seria, portanto, a figura de Babadook uma manifestação dos sentimentos reprimidos da protagonista devido ao seu passado trágico pela perda do seu marido?
Aliás, a figura do marido é bastante usada no decorrer da trama e fazendo com que esse meu pensamento se fortifique cada vez mais quando revisitei o filme pela segunda vez. Mas em termos técnicos o filme também nos conquista, principalmente por ele não ser sufocado pela pirotecnia dos efeitos visuais hoje em dia, mas sim sendo ele moldado de uma maneira mais simples de como se fazia cinema de horror de antigamente e tendo um efeito mais verossímil possível. Além disso, o filme presta uma bela homenagem aos grandes clássicos do gênero fantástico, que vai desde curtas de Méliès, como também "O Fantasma da Ópera" (1925), "O Parque Macabro" (1962), "As Três Máscaras do Terror" (1963).
Com um final que nos deixa mais perguntas do que resposta, mas sendo algo proposital para pensarmos na obra por um longo tempo, "O Babadook" é um ótimo filme de horror ao obter a proeza e nos assustar e questionar sobre qual é a verdadeira origem sombria que se manifesta ao longo de sua trama.
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