Sinopse: Um policial tenta deter as atitudes violentas de William Foster, um homem de meia-idade estressado, que está desempregado e em processo de divórcio.
No último dia 22 de junho faleceu o diretor de cinema norte americano Joel Schumacher. Embora não tenha se destacado por uma visão autoral da qual o cinéfilo poderia identificar, por outro lado, foi um diretor empenhado em fazer o melhor que podia em sua profissão em uma Hollywood que sempre teve o interesse de arrecadar dinheiro nas bilheterias ao invés de criar alguma dose de reflexão. Por essa observação, constato que Schumacher atuou neste ramo em meio aos dois planos.
Quando queria nos dizer algo o cineasta lançava obras interessantes como "O Cliente" (1994) e "Tempo de Matar" (1996), sendo que esse último é corajoso ao colocar o dedo na ferida com relação ao racismo ainda incrustado nos dias de hoje em solo norte-americano. Ao mesmo tempo, lançou filmes divertidos, como o ótimo exemplo que foi "Garotos Perdidos" (1987), filme protagonizados por vampiros, que sintetizava a geração rebelde e sem causa dos anos oitenta. Infelizmente Schumacher ficou por muito tempo sendo lembrado pelos dois infelizes capítulos da franquia Batman que ele dirigiu, intitulados "Batman Eternamente" (1995) e "Batman e Robin" (1997), sendo que se último é apontado por alguns como um dos piores filmes da história do cinema.
Mesmo fazendo obras que limpassem essa imagem, como no caso do genial "Por Um Fio" (2002) e "Tigerland - A Caminho da Guerra" (2000), isso acabou não sendo o suficiente para que o público cinéfilo apagasse em sua memória essa má fase. Anos mais tarde, para surpresa de todos, o próprio Joel Schumacher pediu desculpas para todos os fãs do homem morcego e dizendo que, na época quando realizou as duas obras, eram somente produtos para vender brinquedos, bebidas e camisetas. Uma forma corajosa de nos dizer o quanto o capitalismo continua incrustado hollywood e da qual somente pensa na melhor, ou na pior forma de se ganhar dinheiro.
Fazendo essa análise resumida de sua carreira no cinema, podemos concluir que, sem dúvida alguma, sua maior obra prima seja "Um Dia De Fúria" (1993), filme que mostra o cidadão comum se revoltando contra o sistema cheio de regras em sua volta e que decide criar as suas próprias regras em sua jornada. Em sua melhor atuação de sua carreira, Michael Douglas interpreta William Foster, trabalhador a serviço dos EUA, mas que enfrenta um péssimo dia no trânsito e começa a ficar com raiva por conta disso. Atenção para esse prólogo em que ocorre na na hora do rush, em uma Los Angeles tomada por movimentos agitados, calor terrível e pessoas se destacando em seus limites de tolerância.
É nesse cenário que Foster desisti de seguir as regras, ao sair do carro e ir a pé até sua casa para rever a sua família. De imediato não sabemos quem realmente ele é, mas aos poucos a gente vai conhecendo a sua pessoa, na medida em que ele vai cruzando com as pessoas daquela cidade e revelando a sua real face. É nessa jornada que constatamos que Foster é o típico cidadão Branco norte-americano, moldado pelo governo que vende o país como a terra das oportunidades, mas que é largado as traças uma vez que o próprio cidadão se torna inviável em seus interesses.
O filme se passa no início dos anos noventa, época em que a propaganda da utopia e cheia de luz da vida norte americana da era Ronald Reagan havia passado e sintetizando tempos de transformação em que o cidadão conservador norte-americano não estava preparado. Foster seria esse conservador despreparado perante a essas mudanças, das quais ocorrem em sua frente na medida em que ele avança em direção a sua casa, mas da qual ele reage com certa violência. Porém, Foster não é um fascista, mas sim um cidadão em que acreditava nos princípios em que haviam lhe ensinado e reagindo com violência contra aquilo que ele acha injusto.
Ao mesmo tempo, há o outro lado da moeda, que é o Detective Martin Prendergast, interpretado pelo sempre competente Robert Duvall. Prendergast é a representação da ordem na trama, mas que está prestes a se aposentar e que vive com a ferida ainda aberta devido à perda precoce de sua filha. Ao ver o caso de um homem (Foster) causando desordem na cidade de Los Angeles, ele enxerga ali a oportunidade de seguir atuando em sua profissão, pois no fundo não se vê fazendo mais nada do que isso.
Seguimos então duas linhas narrativas, ordem e caos, das quais reagem em uma cidade que mais parece uma panela de pressão. Porém, ambos reagem de formas distintas, mesmo compartilhando com pontos de personalidades parecidas. Por conta disso, o filme jamais cai em soluções fáceis, pois não estamos diante da típica luta entre o bem contra o mal, mas sim sobre a história de pessoas comuns que se veem em situações comuns, mas cuja a realidade é crua e muito distante da realidade em que se acreditava.
Não é toa, portanto, que o filme viria a se tornar um dos grandes títulos da década de noventa e se tornando uma forte fonte de inspiração para realização de outros títulos que viriam a surgir nos anos seguintes. Qualquer semelhança de "Um Dia de Fúria" com o argentino "Relatos Selvagens" (2014) não é mera coincidência, pois ambos destacam a reação do cidadão comum perante uma situação que sempre quis reagir, mas que teve sempre medo de praticar. Em ambos os casos, são filmes em que nos identificamos com os protagonistas, pois lá no fundo do nosso íntimo sempre temos um demônio prestes aflorar, mas que tentamos jamais libertar.
Joel Schumacher poderá até ser lembrado por alguns dos seus erros cinematográficos, mas "Um Dia de Fúria" será sempre lembrado como o seu maior triunfo.
Onde Assistir: Em DVD, Youtube e Google Play Filmes.
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