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Sócio e divulgador do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte. Me acompanhem no meu: Twitter: @cinemaanosluz Facebook: Marcelo Castro Moraes ou me escrevam para marcelojs1@outlook.com ou beniciodeltoroster@gmail.com

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sexta-feira, 24 de janeiro de 2025

Cine Especial: 'David Lynch - O Mestre do Surreal'

É engraçado a maneira como conheço determinados cineastas e que, por vezes, foi de forma tardia, mas muito bem-vinda. Conheci David Lynch mais precisamente nos tempos em que eu comprava a revista de cinema Set, onde a edição tinha o saudoso ET na capa. Na edição, havia uma retrospectiva sobre a carreira do realizador, sobre a forma como ele conduzia as suas obras e uma crítica sobre o seu último filme daquela época que viria a ser um dos meus favoritos, "Cidade dos Sonhos" (2001). 

“Os filmes não precisam ter sentido, pois a própria vida não tem" 

David Lynch 


Essa frase era uma de muitas em que o realizador usava como justificativa para explicar os seus longas, sendo na maioria das vezes são tramas em que há uma transição para o verossímil para situações surrealistas e que nos fazem criar um nó em nossas cabeças. Em sua juventude ele sempre pulava de uma Universidade para outra, pois quase nenhuma lhe agradava na questão do ensino das artes plásticas. Porém, foi na universidade da Belas-Artes da Pensilvânia em que ele finalmente se formou e das artes teve o seu primeiro contato na realização de curtas metragens.

"Six Men Getting Sick" (1966), "The Alphabet" (1968), "The Grandmother" (1970) e "The Amputee"(1974) foram curtas que já colocavam o cinéfilo fora de sua zona de conforto e faziam com que os mesmos ficassem pensando sobre o que realmente haviam testemunhado. Essa estranheza fez com que os seus futuros projetos demorassem para ganhar sinal verde para serem realizadores, ao ponto que o seu primeiro longa "Eraserhead" (1977) levasse anos para ser concluído. Porém, o filme ganhou status de cult rapidamente, pois a obra acabou sendo revisitada diversas vezes em sessões da meia noite, além de ganhar grande prestígio nas cinematecas e posteriormente sendo preservado pela National Film Registry na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos como "cultural, histórico ou esteticamente significativo".

Em 1980, David Lynch realizou o seu primeiro longa em que obteve sucesso de público e de crítica de forma imediata que foi "O Homem Elefante", longa que reconstitui a história real de John Merrick (John Hurt) que nasceu desfigurado e parecia estar condenado a uma triste existência como atração de um show de aberrações. Com oito indicações ao Oscar, incluindo Melhor Diretor e Melhor Filme, o realizador acabou sendo convidado a dirigir os mais diferentes tipos de ideias que poderia imaginar, mas ao mesmo tempo conhecendo o inferno quando os produtores não estavam de acordo com a sua visão autoral e interferiam em suas obras. A sua versão sobre "Duna" (1984), por exemplo, se tornou um fracasso para época mesmo tendo sido cultuada no decorrer dos anos, mas sendo o suficiente para que Lynch fugisse cada vez mais dos produtores que quase sempre metiam o dedo nos seus projetos.

Isso não o abalou, pois já em 1986 ele lançaria "Veludo Azul", longa que conta a enigmática história do jovem Jeffrey Beaumont (Kyle MacLachlan) que certo dia encontra na grama uma orelha decepada. Essa descoberta lhe faz adentrar em uma trama surpreendente, em que envolve máfia, drogas sexo e momentos absurdos. O filme marcou um dos primeiros grandes sucessos da carreira das atrizes Isabella Rossellini e principalmente de Laura Dern. 



“Eu não estava desiludido com o cinema, eu estava sem paciência para os processos e a estrutura que tinha se criado em torno do cinema” 

David Lynch


Novamente indicado a diversos prêmios, Lynch novamente foi convidado por outros grandes estúdios, mas sempre procurava se distanciar dos mesmos, pois não queria conviver novamente com uma experiência desagradável que teve como "Duna". Por conta disso, ele sempre procurou novos meios de expandir o seu trabalho, mesmo não sendo no formato do cinema como um todo. Só isso para explicar o seu envolvimento com a série "Twin Peaks" (1990), programa criado pelo canal ABC em que o realizador foi o diretor e roteirista de boa parte da primeira temporada.

Até aquela época existia uma grande diferença em se fazer cinema e TV, sendo que neste último caso servia mais como refúgio de realizadores que não obtinham mais prestígio na tela grande. Porém, a história sobre Laura Palmer (Sheryl Lee) que é assassinada e cujo caso é investigado pelo agente do FBI Cooper (Kyle MacLachlan), se tornou um verdadeiro fenômeno de audiência, além de revolucionar a linguagem televisiva e se tornando ainda mais próxima do que se faz no cinema. Pode-se dizer que o programa foi algo à frente do seu tempo e servindo até mesmo de influência para outras séries como "Arquivo X" e "LOST".

Embora com todo o sucesso, Lynch também sofreu nas mãos dos produtores da época, fazendo com que a série fosse mais além da premissa principal da trama e fazendo com que o realizador somente retornasse no episódio final da segunda temporada. Após isso, o realizador conquistaria novamente outro grande sucesso através de "Coração Selvagem" (1990), um roadie movie estrelado por Nicolas Cage e Laura Dern e que presta uma bela homenagem a outros clássicos como "O Mágico de Oz" (1939). O resultado foi a Palma de Ouro em Cannes dada merecidamente para o realizador.

Porém, não satisfeito com a conclusão da segunda temporada de "Twin Peaks", o realizador decidiu na criação de um longa-metragem em 1992 e que ficasse nos últimos dias de Laura Palmer. O filme explorou o grande talento da atriz Sheryl Lee, além do fato do diretor ter tido o direito de fazer tudo o que ele queria e que não havia sido feito para a série. O resultado foi um filme em que adentrava ainda mais o surrealismo do cineasta e cujos sonhos e pesadelos seriam o seu cartão de visita.

Vale mencionar os cenários que o realizador construía para os seus filmes, sendo que uma de suas principais características era as cortinas, sejam elas vermelhas ou azuis, que moldavam o local como um todo. Ao meu ver os cenários serviam como um simbolismo em que se escondia os verdadeiros fatos da trama principal. Portanto, a homenagem que o realizador fez ao "Mágico de Oz" em "Coração Selvagem" não é mera coincidência, pois na fantasia sempre há um fundo de verdade.  


"Ideias são como peixes. Se quiser pescar peixes pequenos, pode ficar na água rasa. Mas se quiser pescar peixe grande, precisará ir mais fundo. No fundo, os peixes são mais poderosos e mais puros. São enormes e abstratos. E eles são muito bonitos". 

David Lynch 

Embora seja apreciado por muitos daqueles que vivem da Hollywood, David Lynch nunca escondeu o seu desapontamento com relação a cidade, sendo rotulada como a terra das oportunidades para aqueles que buscam pelo sucesso, mas que por vezes se tornam somente meros sonhos. Diante desse pensamento ele criou uma espécie de trilogia não oficial sobre o lado mais sombrio desta cidade, sendo que o primeiro longa "Estrada Perdida" (1997) é uma jornada complexa sobre Fred Madison (Bill Pullman), um saxofonista que é casado com Renee (Patricia Arquette) e da qual ele suspeita que ela esteja sendo infiel a ele. Ao mesmo tempo, eles recebem uma fita VHS com imagens do lado de fora da sua casa.

Esse é o ponto pé inicial de uma trama que foge completamente das regras de um cinema convencional, onde os personagens fogem para se esconderem através de outras identidades e sendo uma verdadeira crítica ácida à própria Hollywood. Curiosamente, o realizador fez uma pausa do seu surrealismo para algo mais verossímil que foi "História Real" (1999), onde vemos um aposentado (Richard Farnsworth) que atravessa os EUA com um pequeno trator para reencontrar o seu irmão (Harry Dean Stanton) que está doente. Embora com uma trama simples, David Lynch nos passa ideia através desse longa que as situações cotidianas da vida podem sim serem mais estranhas do que a sua própria visão na criação de suas obras.  


“Toda coisa no mundo feita por alguém começou com uma ideia. Então apanhar uma poderosa o suficiente para te apaixonar, é uma das experiências mais belas. É como ser atingido por eletricidade e conhecimento ao mesmo tempo.” 

David Lynch 

Voltando a sua trilogia particular sobre Hollywood, Lynch realizou em 2001 o que talvez seja a sua maior obra prima e um dos meus filmes favoritos. "Cidade dos Sonhos" marcou o primeiro grande sucesso da atriz Naomi Watts, cuja a sua personagem busca pelo seu sucesso na cidade do cinema, mas se vê em um mistério a partir do momento que ajuda Rita ( Laura Harring) que se encontra sem memória. Se o filme possui certa compreensão em seu primeiro ato, logo ele dá um verdadeiro giro de 360º graus e fazendo com que tudo o que a gente estava assistindo seja questionado e analisado.

Inicialmente pensado para ser uma série de tv, o projeto foi recusado pelo canal por ser confuso demais para os engravatados e fazendo com que Lynch fizesse alterações para que fosse levado ao cinema como um longa-metragem. O filme foi um dos primeiros longas da história a ser diversas vezes citado em redes sociais no início do século, onde os fãs levantaram diversas teorias sobre a trama e sendo uma mais criativa do que a outra. Prêmio de direção no Festival de Cannes de 2001, além de uma indicação ao Oscar de Melhor Direção, "Cidade dos Sonhos" é o único filme do século XXI presente na atual lista dos melhores filmes de todos os tempos, da tradicional revista Sight & Sound, ocupando a 8ª posição e considerado o melhor filme do século também segundo a lista dos 100 melhores, da BBC.

Fechando a sua trilogia temos então "Império dos Sonhos" (2006), filme estrelado por novamente por Laura Dern, onde ela interpreta uma atriz que recebe a proposta de atuar em um novo projeto, mas cuja a sua identidade se perde no decorrer do caminho. Isso o que eu falei é somente uma implicação desse filme complexo, já que inicialmente David Lynch queria somente realizar um experimento com câmeras digitais, sendo uma novidade para época e cuja cenas rodadas poderiam se interligar, ou não, com as demais que ele ia rodando ao longo do projeto. Reavaliando agora, percebo que o longa não somente encerra a sua jornada com relação a essa trilogia, como também pode ser rotulado como espécie de carta de Adeus para o próprio cinema. 

"Nem sempre sou bom com as palavras. Algumas pessoas são poetas e têm uma linda forma de se expressar com palavras. Mas o cinema é sua própria linguagem. E, com ele, você pode dizer tantas coisas, porque você tem tempo e sequências. Tem diálogo. Tem música. Tem efeitos sonoros. Tem tantas ferramentas. E então você pode expressar um sentimento e um pensamento que não poderiam ser transmitidos de nenhuma outra forma. É um meio mágico". 

David Lynch 


Após "Império dos Sonhos" o realizador se dedicou à meditação e pintura no decorrer dos anos, sendo que em 2007 ele somente dirigiu um curta de apenas três minutos para longa "Cada um com seu Cinema" (2007). Porém, o realizador voltaria para direção de um grande projeto, mas novamente para tv e surpreendendo os seus fãs ao retornar para o universo de Twin Peaks. Tendo total controle criativo no decorrer de dezoito episódios, o realizador cria uma belíssima experiência sensorial fazendo com que o programa se tornasse puramente cinema da sua maneira.

Nos seus últimos anos de vida, o diretor foi visto atuando em longas como "Os Fabelmans" (2022), de Steven Spielberg, onde interpretou ninguém mesmo que o próprio John Ford. Diagnosticado anos atrás com enfisema pulmonar, David Lynch sabia que isso poderia provocar a sua morte, porém, ele jamais largou o seu vício pelo cigarro, pois sempre estava consigo durante os seus pensamentos para a realização dos seus projetos. Por fim, o realizador repousaria para o seu sono eterno no último dia 16 de janeiro e deixando um legado único para os fãs do cinema como um todo.

Para mim foi com uma enorme tristeza quando recebi a notícia, pois ele ser o criador de um dos meus filmes preferidos, que é "Cidade dos Sonhos", é como se eu tivesse perdido aquele parente próximo, do qual é rotulado o menos sociável da família, mas que eu sempre o via com outros olhos. Claro que há e haverá outros diretores que tentarão sair da zona de conforto para ter a chance de criar algo no mínimo diferente, mas que dificilmente obterão o mesmo patamar que o cineasta havia obtido. Ele foi um estranho no ninho em uma Hollywood viciada na realização do óbvio, mas que será lembrado como um dos poucos que elaboraram algo reflexivo em um sistema cinematográfico movido apenas pelo dinheiro.

Descanse em paz senhor David Lynch e que continue servindo de inspiração para aqueles que apreciam a verdadeira arte de se fazer cinema para os próximos anos que virão.  

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