Sinopse: Moradores de Porto Alegre tentam levar suas vidas, enquanto o Brasil passa por uma virada histórica - o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Nas janelas de um apartamento no centro da cidade, o lado de fora e o de dentro se sobrepõem.
Se formos rever hoje em dia o clássico "Janela Indiscreta" (1954) do mestre Alfred Hitchcock podemos interpretá-lo como uma espécie de prelúdio do que o voyeurismo se tornaria hoje. Em tempos de realty shows e redes sociais em que todos se encontram conectados um com outro e gerando assim uma obsessão em observar o seu próximo, constatamos quase sempre uma pequena história a ser contada, mesmo com a perda cada vez mais forte da privacidade hoje em dia. O documentário "Mirante" (2018) revela um olhar pessoal do dia a dia do centro da capital gaúcha e que nos conta conhecidas histórias por outra perspectiva.
Dirigido por Rodrigo John, o documentário nos mostra o mesmo desenvolvendo o costume de admirar as pessoas desconhecidas que passam pelas ruas do centro de Porto Alegre, através da janela de sua casa. No entanto, transformações na política brasileira fazem com que antigas feridas sejam reabertas e os moradores de Porto Alegre tentam levar suas vidas, enquanto o Brasil passa por diversas histórias.
O filme não possui uma trama linear, sendo que a única coisa que serve de linha narrativa é constatarmos que há alguém na janela, por vezes com a sua namorada, e que fica observando os acontecimentos nas ruas da cidade, além de situações vistas em outras janelas ao redor. Curiosamente, há algo bastante interessante a ser constatado, pelo fato de vermos a divisão de classes no decorrer do documentário, onde testemunhamos tanto uma pessoa de boa fortuna cruzar a rua, como também um morador de rua cruzar o mesmo local e usando o que tem em mãos para sobreviver em seu dia a dia. O resultado é um mosaico de informações, que vai desde os costumes de cada um, como também sintetizar a enorme divisão invisível que separa as pessoas no tempo atual.
Tecnicamente o filme é simples, porém, bastante eficaz com relação ao tempo, pois o documentário avança entre horas, dias, mês e anos, onde presenciamos na maioria das vezes o mesmo local, mas do qual o mesmo vai mudando gradualmente. Ao utilizar o efeito stop motion e do time lapse, o filme rapidamente me lembrou do clássico "A Máquina do Tempo" (1960), onde vemos o protagonista usando a sua tecnologia enquanto testemunha determinado cenário mudar gradualmente na medida em que o tempo avança. Aqui a situação não é diferente, pois o próprio cinema é uma máquina do tempo em que voltamos ao passado e presente através da imagem e o documentário se torna ainda mais rico quando pensamos nesta linha de raciocínio.
Pelo fato de os eventos vistos na tela acontecerem a partir de 2013, é curioso observamos o início dos protestos estudantis que começaram naquela época, da qual se tornou uma imensa bola de neve, gerando assim o golpe e impeachment da presidenta Dilma Rousseff e desencadeando o início de um fascismo que perdura até nos dias de hoje com a imagem de Jair Bolsonaro. Por conta disso, as imagens onde vemos a divisão de classes se torna ainda mais acentuada e fazendo desencadear ainda novas mudanças naquelas ruas e prédios na medida em que a trama avança. Ao final, ao constatarmos uma parte de que um determinado prédio que desmoronou, concluímos que o documentário nos passa a ideia de recomeçar tudo de novo, não somente com aquele ponto significativo da cidade, como também dos próprios rumos do país como um todo.
"Mirante" é marcante ao nos levar em eventos e situações através de uma perspectiva pessoal e cujo tempo constrói e destrói tudo a todo o instante.
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