Sinopse: Vicky, uma garota solitária, possui um dom mágico e vive com seus pais na província francesa. Quando a irmã de seu pai entra na vida deles após ser libertada da prisão, sua presença traz de volta o passado de forma violenta.
A viagem no tempo, ou o multiverso, são assuntos que vão sendo explorados com cada vez mais frequência dentro do cinema. Enquanto os grandes estúdios como a Marvel usam e abusam da fórmula, o recente e premiado "Tudo, Em Todo Lugar Ao Mesmo Tempo" (2022) prova que o clichê de uma ideia alinhado com criatividade pode render sim algo que vai muito além de sua proposta. Algo parecido acontece com "Os Cinco Diabos" (2022), filme com uma pegada realista, mas que transita dentro do gênero fantástico com certa elegância.
Dirigido por Léa Mysius, o filme conta a história de Vicky, uma menina mestiça de oito anos que tenta se refugiar dos abusos que sofre na escola, desenvolvendo grande poder sobrenatural: Vicky tem um olfato incrível que não só lhe permite identificar qualquer tipo de cheiro, mas também permite que ela viaje no tempo. Sua rotina relativamente calma é interrompida pelo aparecimento de sua tia, uma mulher rejeitada não apenas por toda a comunidade da pequena cidade dos Alpes franceses onde ele mora, mas também por sua própria mãe. Para descobrir o que está acontecendo, Vicky usa seu poder de viajar perigosamente no tempo, para a adolescência de seus pais e de sua tia, a fim de entender o que está acontecendo no presente.
Com uma abertura enigmática, nós somos levados para uma trama cuja explicações sobre o dia a dia dos personagens são reveladas aos poucos, ao ponto que fotografias e objetos falam muito mais sobre essas pessoas do que elas em si. Em diversos momentos, por exemplo, testemunhamos aquela realidade através do olhar da pequena Vicky, da qual não somente possui um sentido do olfato aguçado, como também obtém a possiblidade de viajar no tempo para compreender quem são realmente os seus pais. É aí que mora a verdadeira beleza da obra como um todo.
Diferente do cinema norte americano, aqui as transições entre o passado e o presente acontecem de forma fluida, como se a quebra das leis da natureza fosse colocada em prática de uma maneira fácil e pelas mãos de uma criança. Porém, de inocente Vicky não tem nada, ao ponto de ela possuir um olhar crítico com relação ao que ela testemunha no passado de seus pais e ao mesmo tempo provocando até mesmo medo para uma das personagens centrais. Curiosamente, a mesma Vicky é alguém que sofre preconceito na escola, mas cuja mesma nem percebe que está pondo em prática um outro tipo de preconceito, mas do qual ainda precisa compreendê-lo e de como isso é errado.
É bem da verdade que o filme oscila até mesmo para momentos de suspense e terror, ao ponto que algumas passagens fizeram me lembrar de "Corra!" (2017) e "Nós" (2019), ambos do diretor Jordan Peele. Se alguém dúvida do que eu estou falando aguarde para as cenas que uma determinada personagem vive se assustando com algo que ela enxerga e que simplesmente não consegue explicar sobre o que exatamente vê, mas que lhe atormenta até a alma. Tudo culmina para uma pequena tragédia e que pode mudar a vida daquelas pessoas.
Como sempre, Adèle Exarchopoulos interpreta uma personagem não muito diferente de outras de sua carreira, onde os seus desejos de ser como ela realmente é são interrompidos pelo preconceito, mas ao mesmo tempo por uma situação inesperada. Já a novata Swala Emati surpreende com sua personagem Julia, da qual surge de uma forma enigmática, mas que aos poucos se revela uma verdadeira personagem trágica da trama. Mas o filme pertence mesmo a pequena Sally Dramé, que faz de sua personagem Vicky alguém que tememos pelas suas ações e provocando em nós conflitos internos sobre a sua pessoa.
Em sua reta final, o quebra cabeça começa ser todo alinhado e tudo começa a fazer sentido. Porém, quando achamos que todas as pontas soltas haviam sido amarradas, eis que os segundos da reta final da trama nos brindam com um dos encerramentos mais enigmáticos do ano e cabe cada um interpretá-lo do seu jeito. "Os Cinco Diabos" é uma prova que o cinema francês sabe muito bem lidar com o gênero fantástico e podendo alinhá-lo com um mundo real não menos complexo.
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