Muitos acreditam que refilmagens são algo recente e que sintetiza a falta de ideias originais dos estúdios. Porém, elas sempre existiram desde o início da criação da sétima arte, pois basta pegarmos, por exemplo, o fato de conhecermos mais a refilmagem de "Ben Hur" de 1959 do que a sua versão lançada em 1925. É um caso raro da nova versão ser superior ao original, mas ela não foi a única.
Não é segredo para ninguém que o livro "Drácula" de Bram Stoker seja uma das histórias literárias mais adaptadas para o cinema, sendo que uma das primeiras e melhores adaptações até hoje tenha sido "Nosferatu" (1922) do realizador F. W. Murnau. O filme é um marco do expressionismo alemão e fica até mesmo dificil de imaginar uma refilmagem deste clássico que desce certo. Mas foi exatamente isso que aconteceu em 1979, com o lançamento de "Nosferatu - O vampiro da noite", dirigido pelo diretor Werner Herzog e que mesmo sendo uma refilmagem possui alma própria e que nos surpreende até hoje.
A trama é basicamente a mesma, onde assistimos Jonathan Harker, um agente imobiliário que visita a Transilvânia para fazer um negócio, ignorando o mal presságio de sua esposa Lucy. Ele visita o castelo do Conde Drácula e acaba se tornando prisioneiro deste. O vampiro então parte para a cidade de Weismar onde provoca uma verdadeira peste contra os habitantes.
Diferente do clássico de F. W. Murnau, onde o mesmo não pode usar os nomes originais do livro devido aos direitos autorais, Werner Herzog tem a liberdade de ser mais fiel ao conto literário, mas ao mesmo tempo não esquecendo a sua fonte principal e criando cenas que remete ao clássico do expressionismo. A cena em que vemos Drácula atacar pela primeira vez Jonathan Harker em seu quarto é extremamente idêntica, assim como também a cena do navio onde o vampiro está viajando escondido. Werner Herzog se aproveitou ao máximo para a realização de um filme extremamente gótico, onde a sensação da morte é sentida até mesmo nos momentos mais tranquilos e claros do longa como um todo.
Essa sensação mórbida já é sentida nos primeiros minutos do longa, onde o realizador filmou cadáveres realmente reais para a história e sendo embalado por uma trilha musical assustadora é feita pela banda alemã Popol Vuh. Logo em seguida surge um grande morcego voando em câmera lenta e simbolizando um mal presságio que poderá surgir a qualquer momento. O filme segue a mesma linha narrativa, mas Herzog filma de sua maneira e fazendo com que algumas passagens, principalmente da ida de Jonathan indo para o castelo de Drácula, quase parecem um documentário.
As cenas, aliás, destacam o teor natural dos cenários, sendo algo destacado no longa de Murnau, mas sendo potencializado ainda mais na obra de Herzog. Uma vez que Jonathan chega ao castelo do Conde é então que testemunhamos um Drácula fora do comum até aquela época. Klaus Kinski era o ator fetiche de Herzog, mesmo quando ambos se digladiavam durante as filmagens dos filmes, como foi visto no documentário "Meu Melhor Inimigo" (2001).
Kinski era um ator que interpretava os seus personagens ao extremo, improvisando situações que não estavam no roteiro e criando momentos até mesmo surpreendentes durante as filmagens. Para "Nosferatu" a situação não foi diferente, onde ele cria um Drácula para si e se distancia do que o ator Max Schreck havia criado para o personagem no clássico de 1922. Esse Drácula não possui nenhum charme, sendo uma criatura assustadora, mas que não esconde o peso dos séculos em que vive e desejando a morte plena que jamais alcança.
Ao mesmo tempo, o seu desejo por Luci lhe desperta algo que jamais havia experimentado, sendo que o amor foi algo nunca sentido e desejando experimentá-lo a todo custo. Portanto, a cena em que ambos se encontram pela primeira vez é outro grande ponto alto do filme. Destaque o lado criativo desta cena, onde Herzog faz com que a personagem esteja se penteando na frente do espelho, para logo em seguida surgir atrás dela a sombra assustadora de Nosferatu. Curiosamente, Klaus Kinski surge em cena de uma forma como se a sombra estivesse deslocada dele e fazendo da cena ainda mais surpreendente.
No embate entre os personagens se destaca o incrível desempenho da atriz Isabelle Adjani como Lucy e fazendo com ela se torne a verdadeira protagonista do filme. A partir deste ponto o filme ganha um teor apocalíptico, com o direito de vermos um mar de ratos infestando a cidade Weismar e fazendo com que a população se entregue aos prazeres antes da morte. Nos dias de hoje isso seria facilmente feito em CGI, mas na época Werner Herzog usou realmente diversos ratos em cena e fazendo com que o momento ganhasse maior peso e uma morbidez jamais vista.
Tudo, logicamente, se encaminha para o embate de Drácula com Lucy, onde a mesma se entrega ao sacrifício para que o horror seja destruído pelos primeiros raios de sol do amanhecer do dia. Curiosamente, o filme foi rodado em duas formas, sendo que os atores filmaram primeiro em alemão para depois em inglês. Sinceramente nunca vi essa versão, mas há quem diga que na versão em inglês parece que o filme flui de forma mais rápida, muito embora eu acredite que o resultado seria o mesmo. O filme revisto hoje possui ainda o mesmo grande impacto, onde o lado gótico é a peça central para modelar esse grande espetáculo de horror até hoje insuperável.
"Nosferatu - O Vampiro da Noite" é uma refilmagem com alma própria, sendo algo cada vez mais raro de se ver hoje em dia e um belo exemplo de longa que cresce a cada revisão que se faz no decorrer das décadas.
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