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Sócio e Diretor de Comunicação e Informática do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte. Me acompanhem no meu: Twitter: @cinemaanosluz Facebook: Marcelo Castro Moraes ou me escrevam para marcelojs1@outlook.com ou beniciodeltoroster@gmail.com

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segunda-feira, 3 de agosto de 2020

Cine especial: “O que o filme Bacurau, pode nos ensinar hoje?”


Chegamos ao ano de 2020 e junto com ele, uma grande crise sanitária, sem indícios de término. Identificamos nesta pandemia chamada de Corona vírus, ou mais conhecida como Covid-19, que assola o mundo inteiro, algumas características inseridas no cinema.
Bacurau, é um filme de Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles. Lançado em 2019, este filme apresenta diversos significados simbólicos e bastante representativos do Brasil. Uma das diversas características marcantes da película é que, em sua totalidade, ele aborda temas que parecem ser uma distopia tais como, políticos corruptos, drogas, prostituição, diferenças entre raças e a visão sobre o outro. Os pontos apontados são de um filme com uma realidade baseada em fatos porém, em Bacurau, podemos perceber um Brasil, com estéticas de fome, sonhos e uma pedagogia que paira a violência (Bentes, 2019).
De acordo com Bentes (2019), o filme Bacurau se aproxima dos filmes de Glauber Rocha como “Deus e o Diabo na terra do Sol” de 1964 ou de “O Dragão da maldade contra o santo Guerreiro, de 1969”, devido a sua “invenção de um imaginário rural brasileiro catártico, que realiza uma política vinda do povo” (Bentes, 2019).

Esta política vinda do povo é que pode ser aprendida nos dias atuais, como uma pedagogia voltada a um novo aprendizado de nossas relações sociais e capitalistas que temos com nosso mundo. Um exemplo prático é o que fazer diante de um capitalismo que se impõe em nossa sociedade, como a única forma de subsistência possível? O filme traz esta noção de que, se tudo quebrar, estamos prontos para nos adaptar, será? Reconhecer que a trágica violência nos leva a lutar por nossa sobrevivência, já é um ponto a pensar.
Fatores que podemos apresentar como uma escola da vida conforme, aborda Freire (1967), não é o medo da liberdade mas sim, a transferência de conhecimento e a criação de possibilidades para sua construção e produção deste conhecimento. Este conhecimento fica muito explicito nas relações sociais dentro da cidade de Bacurau.
Um político corrupto e inescrupuloso que leva a cidade a ter sua própria organização coletiva, um espécie de autogestão conforme, cita Motta (1981) e que esta autogestão seria um lugar fundamental de autonomia coletiva, Ou seja, seria o lugar da iniciativa social, onde o grupo se administra livre e de forma espontânea pelos seus interesses comuns (Motta, 1981). O poder coletivo de decisões da cidade, impõe um líder que não necessariamente, dita as regras mas, que informa aos indivíduos da cidade, uma forma de comportamento e adequação, diferenciadas das que estamos condicionados a sofrer.
As divisões dentro da cidade são claras e cada um sabe seu lugar. As vantagens sustentáveis que esta organização possui é aquilo em que coletivamente ela usa com prontidão e adquire seus conhecimentos (Davenport e Prusak, 1998). A comunidade de Bacurau utiliza seu espaço de forma a garantir sua sustentabilidade, sem prejudicar seu ambiente.
Além disso a autogestão da cidade, implica em algumas tendências irregulares tais como, um poder paralelo que auxilia e ajuda a comunidade nos momentos de crise. As nuances de Bacurau são evidentes demais para serem deixadas de lado e nos remete a uma categoria afirmativa de dados do que temos nos dias atuais. Na gestão de Bacurau, observamos uma tendência de desnaturalizar o capitalismo vigente, quebrar regras e identificar-se como um ser social e não fora de um mapa, que também não temos ideia de quem o desenhou.
Traços coloniais existentes em Bacurau, são muito representativos e percebemos a intervenção dos “colonizadores” em dar significado a sua origem e raça, como se isso, fosse de fato, algo relevante, visto que raça foi uma criação colonial para garantir a retroalimentação de um trabalho escravo direcionado aos negros, índios e judeus, justificando assim, os “outros” como subalternizados e seres de extrema ignorância (Mignolo, 2003).
Por citar capitalismo, não se assuste se ver a única nota em dinheiro do filme, ser dada pelos turistas que chegam a cidade. Como a cidade funciona sem o ritmo tradicional do pague e leve, não fazemos a mínima ideia de como se sustenta mas temos uma noção, de que a cidade possui outras regras, apesar de não se incomodar com o dinheiro vindo de outras práticas não tradicionais.
Quando chegamos ao cinema, sentamos na poltrona e o filme começa pensamos: “nossa que gente primitiva”, isso é uma forma de reproduzir as histórias únicas que conhecemos nossa vida inteira, a história apenas de quem venceu e o perigo de uma história única, de acordo com
Adichie (2019) é que ela, é contada apenas pelos vencedores, que da mesma forma que usurparam, estupraram, escravizaram, roubaram e determinaram características nos “outros”, beneficiando-se de um “status” de ser racional, erudito, culto e com características que devem ser mais representadas dentro da sociedade só o são tão belos e desenvolvidos, devido a carnificina empregada em sua gestão e controle.
Em Bacurau não é diferente, os “outros” são os despreparados, assim pensamos e o filme, leva você a sentir um arrepio pois, seu final é surpreendente. Ainda não conferiu este filme? Então veja, disposto a tomar um susto e de sair sem entender se o filme é de fato numa cidade fictícia. Preste bastante atenção na televisão da cidade e na forma de organização e comunicação repassada. Uma comunicação tão eficiente, que derruba até a política vigente.
O mercado da morte aparece em Bacurau e nos envia para a nossa realidade de mortes pelo Covid-19 em todo o Brasil, e no mundo, podemos assim dizer. Baseado apenas em fatos, Bacurau, nos reserva surpresas e nos permite uma sensação de dever cumprido. Um sensação de acordo com Spivak (1985) de um subalterno poder falar, de um subalterno se organizar, sobreviver sem ajuda política, de existir sendo considerado excluído.
Espero que as reflexões deste texto consigam fazer com que o filme Bacurau, exista não apenas como o “outro” mas como forma de poder e reflexão crítica sobre as condições sociais existentes em nosso mundo, vale ressaltar que a trajetória está mudando, só não percebe quem aceita de bom grado, uma história única e não reconhece que antes, já existia uma cultura existente com suas regras, padrões, cultura e sobrevivência.
Pois bem, se vier, venha em paz.

Referências:
CHIMAMANDA, N, A. O perigo de uma história única. Editora: Companhia das letras. 2019.
DAVENPORT, T, H.; PRUSAK, L. Conhecimento Empresarial; como as organizações gerenciam o seu capital intelectual. Rio de Janeiro: Campus, 1998. 237p
IVANA, B. Bacurau e síntese do Brasil brutal. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/bacurau-kleber-mendonca-filho/. Visualizado em 30/07/2020.
MIGNOLO, W. Histórias Globais/projetos Locais. Colonialidade, saberes subalternos e pensamento liminar. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.
MOTTA, F, C, P. Burocracia e autogestão (a proposta de Proudhon). São Paulo, Brasiliense, 1981.
PAULO, F. Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra LTDA, v. 199, 1967.
SPIVAK, G, C. Pode o subalterno falar? Belo Horizonte: Editora: UFMG, 133p., 2010 [1985].

Postado por: Ana Lúcia Schmidt Castelo
Centro/RJ, Brasil.
Mestranda em Administração, graduada em Pedagogia, Arquivologia e concluindo a graduação em Letras. Apaixonada por cinema com preferência por filmes de terror e colaboradora do Blog: “Cinema cem anos de luz, Arte e reflexão” do amigo Marcelo Castro Moraes.

domingo, 24 de novembro de 2019

Cine Dica: Em Cartaz: 'Azougue Nazaré' - Estado laico acima de tudo

Sinopse: Em uma cidade do interior, em meio aos canaviais, um grupo de pessoas vive suas vidas, suas tensões, seus desafios, seus sonhos e também pratica rituais fantásticos à espera da chegada dos dias de festa.

Tanto "Aquarius" (2016), como "Boi Neon" (2015), "Bacurau" e "Divino Amor", são filmes que mostram toda a força e potencial do cinema nordestino. Em comuns, ambos são produzidos pelo produtor Tiago Melo e que foram distribuidos, tanto no restante do Brasil como ao redor do mundo. Em seu primeiro trabalho na direção, "Azougue Nazaré" fala de um estado laico, mas que corre sério perigo.
O filme conta a história de diversos acontecimentos misteriosos que assombram os moradores de Nazaré da Mata, município de Pernambuco.  O Carnaval, a maior festa brasileira, conhecida internacionalmente, mobiliza as populações de diversas cidades Brasil afora. E nesta cidade do interior, em meio aos canaviais, um grupo de pessoas vive suas vidas, suas tensões, seus desafios, seus sonhos e também rituais fantásticos à espera da chegada dos dias de festa.
transitando entre documentário e ficção,  Tiago Melo dirige tanto atores como também pessoas reais que convivem daquela vasta cultura no seu dia a dia. Isso faz com que adentremos com facilidade naquele universo do  Maracatu e cuja as suas raizes africanas florecem até hoje em nosso território nacional. Porém, devido expanção do evangelismo, há uma crescente tensão no ar, onde o atrito entre as duas religiões começa a se intencificar.  Tiago Melo transita entre essas realidades, onde das quais vemos pessoas comuns em conflito e que procuram algum significado no cenário que estão convivendo.
Ao mesmo tempo, é curioso que há elementos do gênero fantástico, do qual fica em segundo plano, mas que chama atenção ao se misturar com realismo proposto pelos realizadores. A transição entre o real e ficção acaba se tornando tão verossimil que acabamos não nos dando conta desses detalhes que, por sua vez, ficam pelo caminho no decorrer do tempo. Se por um lado isso possa parece um furo em um primeiro momento, por outro lado, isso também pode ser perdoado, já que o mundo real pode se tornar as vezes muito mais assustador do que qualquer entidade sobrenatural.
Ao testemunharmos, por exemplo, a richa entre os que praticam  Maracatu e o  evangelismo, contatamos que isso é pequeno cenário que representa o Brasil atual como um todo. Se por um lado nos dizem que o Brasil é um estado laico, do outro, o filme nos diz que esta verdade se encontra somente na superficie e que a verdade está mais embaixo do que nós imaginamos. Ao vermos um grupo de evangélicos armados, prontos para assassinar um pai de santo, constatamos que as religões, por vezes, se tornam mera desculpa para as pessoas liberarem o que há dentro delas.
Nesse cenário, há dois lados da mesma moeda, que em comum lutam pelo que acreditam naquele cenário de incertezas. Se por um lado temos um pastor (Mestre Barachinha) que acredita cegamente na palavra da biblia, por outro lado, temos Catita (Valmir do Côco), que balança em ficar na sua velha tradição ou abraçar a ideia da evangelização. Vale destacar atuação de ambos os atores, principalmente de Valmir do Côco que se transforma em cena toda vez que o seu personagem abraça o seu verdadeiro papel em sua terra.
Por fim, é um filme em que retrata toda a riquesa da cultura nordestina, mas que da qual sofre pela interferencia de novas ideias surgindo atualmente em um Brasil indefinido. Em tempos em que religão e política se misturam, cada vez se vê um perigo real do estado laico ser censurado e predominar uma única religão por interesses escusos. Cabe a união do povo manter as suas opniões próprias, suas crenças e suas raizes que os fazem ser o que são como pessoa.
"Azougue Nazaré" é sobre o Brasil e o seu estado laico e do qual merece sempre ser preservado. 


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terça-feira, 29 de outubro de 2019

Cine Dica: Em Cartaz: 'A Cidade Dos Piratas' - Um 8½ Animal e Assustadoramente Atual

Sinopse: Um diretor de cinema enfrenta uma situação complexa no meio da produção de seu longa-metragem: a autora de "Os Piratas do Tietê" começa a rejeitar os personagens quando o enredo está praticamente pronto. Para tentar salvar o filme, ele decide contar a sua história e realidade e ficção se misturam em um caótico labirinto.   

O universo particular de um cineasta, principalmente aquele que usa os seus próprios filmes para nos dizer alguma coisa, transita entre a criatividade e a falta de inspiração em alguma ocasião. Porém, há casos que a falta de inspiração pode ser usada justamente para dar o gatilho na mente de um diretor. Pegamos, por exemplo, o caso clássico de Federico Fellini, onde num momento de crise criativa acabou realizando "8½" (1963) uma de suas maiores obras primas.
É bem da verdade que em nosso próprio mundo real, principalmente nestes tempos complexamente indefinidos, há diversas situações que podem render boas ideias e para assim serem vistas nas telas. Em um Brasil atual completamente dividido, o cineasta Guto Parente, por exemplo, lançou no mesmo ano os filmes "Inferninho" e "O Clube Dos Canibais", sendo que um é sobre os excluídos da sociedade, enquanto o outro é sobre a elite atual e que devora a nossa própria carne. É aí que chegamos ao "A Cidade Dos Piratas", cuja a falta de inspiração de um cineasta acabou servindo para criar um dos filmes brasileiros mais corajosos e políticos nestes últimos tempos.
Dirigido por Otto Guerra, diretor de filmes como "Wood e Stock -Sexo, Orégano e Rocknroll" (2006), o filme conta a história do próprio Otto Guerra, que enfrenta uma complexa situação de falta de criatividade para a realização do filme "Piratas do Tiete", baseado na bora da cartunista Laerte Coutinho. Já essa última começa a rejeitar os personagens quando o enredo parecia praticamente finalizado. Em meio a isso, surgem alguns núcleos de história e dos quais criam um mosaico de situações pra lá de surreais.
Não é preciso conhecer a obra de Laerte Coutinho para compreender esse filme como um todo. Porém, ele se torna ainda mais rico aos olhos dos fãs que cresceram lendo as suas tirinhas e que falava um pouco sobre o Brasil com piadas acidas, críticas e muito criativas. Embora o primeiro ato possa parecer um tanto que confuso, estamos diante da própria história do Brasil, do qual foi construída por um discurso hipócrita, religioso e escravocrata para dizer o mínimo.
Ao mesmo tempo, é curioso que estamos diante de um filme dentro de um filme e assim por diante. A figura de Otto Guerra, por exemplo, surge como um artista criativo, mas cuja a sua falta de inspiração, além de problemas de saúde que realmente aconteceram, fazem com que o filme tenha sido remodelado ao longo do tempo. Não deixa de ser hilário vermos o realizador enfrentar e remodelar a sua própria criatura, assim como os seus colegas de trabalho do estúdio entrando a beira de um ataque de nervos em cena.
Dito isso, é preciso levar em consideração que essas mudanças que o projeto acabou passando ao longo dos anos foi mais do que necessário, principalmente devido aos principais eventos políticos que o país estava passando nesses últimos tempos.  Tendo assim alguns núcleos de história ao longo da projeção, muita coisa vista ali fará o brasileiro se identificar facilmente, principalmente devido aos principais eventos desastrosos que tivemos neste ano em nosso cenário político. Qualquer semelhança com a figura política vista no longa com a figura grotesca do nosso Presidente atual é mera coincidência, mas assustadoramente bem-vinda e na hora certa.
Aliás, o filme possui a mesma aura criativa e crítica que os filmes dos períodos "Cinema Novo" e "Cinema Marginal" nos passavam, ao falar sobre um Brasil que sempre sofre com as adversidades, golpes políticos, sensacionalismo e onde as minorias são sempre golpeadas pelo desdém vindo dos poderosos. Por mais que o filme nos faça rir em vários momentos, ao mesmo tempo, o seu ato final é chocante por conseguir entrelaçar com a nossa própria realidade e conseguir o feito de sintetizar o que foi realmente esse ano de 2019. Talvez, Otto Guerra e os demais realizadores do longa não tinham a mínima noção de estarem conseguindo realizar esse feito, mas são situações como essa da qual se gera um grande fruto e para assim ser colhido com gosto.
Ao lado de "Bacurau" de Kleber Mendonça Filho, "A Cidade Dos Piratas" é um dos filmes políticos mais corajosos desse ano, ao retratar um Brasil sendo moldado pelo preconceito, medo, destruição e da incompetência vinda dos poderosos de plantão.    


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