Alfred Hitchcock não somente se tornou o mestre do suspense como também um dos maiores gênios do cinema. Realizador autoral, o diretor deixou a sua marca registrada ao longo da história e fazendo com que muitos prestassem a sua devida homenagem a ele como no caso de realizadores como Brin De Palma. Mas toda a história tem o seu início e por vezes complicado.
"O Jardim dos Prazeres" (1925) foi uma coprodução inglesa com Alemanha. Na época Hitchcock era somente assistente de direção, porém, a sua dedicação foi o suficiente para chamar atenção dos engravatados e fazendo com que adquirisse a sua primeira chance como diretor. Mesmo com um orçamento apertado, "O Jardim dos Prazeres" possui algumas características que veríamos posteriormente ao longo de sua carreira.
É notório, por exemplo, que o filme se difere das demais produções da época, já que o realizador tinha predileção com relação ao que já havia assistido nos tempos do Expressionismo alemão. Curiosamente, na época das filmagens, o diretor havia se cruzado com F. W. Murnau e Fritz Lang, sendo dois grandes gênios daquela época expressionista e que com certeza haviam dado algumas dicas para o até então jovem diretor com apenas 25 anos de vida. A meu ver, o realizador com certeza havia anotado algumas dicas em sua agenda.
Baseado no romance de Oliver Sandys, o filme conta a história da relação de duas garotas com seus pretendentes. Ambas as dançarinas, cada uma tem um sonho para realizar, mas tendo que enfrentar o machismo e o abuso dos homens da época e fazendo que ambas tomem rumos distintos. Não demora muita para que uma delas perceba o passo em falso em que está cometendo.
Embora seja o seu primeiro longa-metragem é notório que o realizador nos apresenta aqui ingredientes que ele usaria posteriormente em sua filmografia. Para começar, por exemplo, achamos que Jill Cheyne será a grande protagonista da trama quando na verdade quem se torna é a própria Patsy Brand. Como podem ver, desde cedo o realizador já gostava de brincar com relação com a nossa perspectiva sobre quem seria o grande protagonista e isso é sintetizado em dobro vários anos mais tarde quando lançaria uma de suas obras primas que foi "Psicose" (1960).
Outro fator interessante é a forma como determinado personagem sai dos trilhos em meio a diversos erros, sendo que um deles se torna fatal e fazendo com que comece a ser assombrado. É neste ponto, por exemplo, que vemos a primeira vez que Hitchcock elabora um personagem atormentado pela imagem de alguém do passado, sendo que isso seria potencializado, seja no já citado "Psicose", como também outros filmes menores de sua autoria como "Marnie - Confissões de uma Ladra" (1964). Notasse também já na abertura que vemos um determinado personagem observando as mulheres dançando de acordo com a sua perspectiva e sendo um dos primeiros casos em que o realizador exploraria o voyeurismo.
Isso por sinal teria o seu ápice anos mais tarde no seu clássico "Janela Indiscreta" (1954) e fazendo com que cada janela dentro da trama obtivesse a sua própria história a ser contada. Embora aqui isso passe de uma forma rápida é na realidade somente uma pequena semente que germinaria posteriormente na carreira do diretor. Além disso, esse filme é um exemplo como o realizador logo cedo gostava de brincar com as luzes e a sombra e fazendo com que a trama ganhasse ainda maior peso peculiar, mesmo quando não era necessariamente um filme de suspense. Tendo esse artificio em mãos não é à toa que ele demorou em aderir ao cinema colorido, sendo que ele cederia somente a partir de 1948 com o seu "Festim Diabólico".
Mas apesar de todos esses ingredientes que posteriormente moldaria a sua carreira, esse filme não possui uma qualidade de peso narrativo e fazendo com que se torne apenas uma peça de estudo sobre o início de sua carreira. Não que seja de todo descartável, muito pelo contrário, pois se comparado a outros diretores de hoje que começam bem por baixo, ao menos, Hitchcock começou meio por cima ao se aproximar das pessoas certas e fazendo com que obtivesse ainda mais carta branca para realizar filmes de sua autoria logo em seguida. Pode-se dizer que a largada foi certeira e não demoraria muito para que ele chegasse ao status que obteve ao longo das décadas.
"Jardim dos Prazeres" é uma obra que soa mais experimental do que um ótimo filme, mas todos tem um início e podemos reconhecer que Alfred Hitchcock começou com certo pé direito.
Faça parte:
Facebook: www.facebook.com/ccpa1948