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Sócio e Diretor de Comunicação e Informática do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte. Me acompanhem no meu: Twitter: @cinemaanosluz Facebook: Marcelo Castro Moraes ou me escrevam para marcelojs1@outlook.com ou beniciodeltoroster@gmail.com

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sexta-feira, 12 de novembro de 2021

Cine Dica: 'Round 6 - Voyeurismo, Cinema e Capitalismo'

Round 6

Para eu entender o sucesso de "Round 6" (2021) não bastou somente assistir e escrever uma crítica, mas sim ir mais a fundo sobre o que levou a se tornar a série mais vista da história da Netflix. Os ingredientes para esse feito já estavam lá há muito tempo, mas é somente ao digerir a série como um todo é que me fez relembra-los. Portanto, o que eu trago abaixo é uma recapitulação desses ingredientes que foram inseridos ao longo dessa linha de tempo.  

Voyeurismo 

Janela Indiscreta

No clássico "Janela Indiscreta" (1954) de Alfred Hitchcock vemos o protagonista, interpretado por James Stewart, preso em uma cadeira de rodas em seu apartamento e testemunhando um possível assassinato ocorrido no apartamento do outro lado do pátio. Ao mesmo tempo ele fica observando o dia a dia dos outros vizinhos, desde a vizinha bailarina, como também o casal que a recém se casou e a mulher solitária que vive abaixo. Cada janela que o protagonista observa é uma história, como se o diretor prestasse uma curiosa homenagem ao cinema, mas também é um dos primeiros casos de Voyeurismo, ou seja, o prazer de assistir ao outro, vistos na tela do cinema e que posteriormente seria algo corriqueiro nos anos que viriam.  

Voyeurismo e Repressão 

1984

O desejo por observar o próximo pode simplesmente terminar em simples curiosidade ou se tornar algo muito maior do que se imagina. Em 1949 o escritor George Orwell escreveu o clássico literário "1984" onde narra a história de Winston Smith, homem de meia idade e membro do Partido Externo. Trabalhava como funcionário do Ministério da Verdade, onde reescrevia e alterava dados de acordo com os interesses do Partido. Os capítulos do livro podem ser divididos em três partes: a primeira parte relata como era a sociedade criada por George Orwell, uma sociedade inspirada na opressão dos regimes totalitários das décadas de 30 e 40. O mundo era dividido em três nações distintas: Oceania (onde Winston vivia), Eurásia e Lestásia, territórios que se mantinham em guerra uns contra os outros. Cada nação era governada pelo Partido, que era coordenado pelo Grande Irmão (Big Brother) e pelos membros do Partido Interno. O restante da população era dividido entre os membros do Partido Externo e a prole. Os membros do Partido Interno eram pessoas ricas e com benefícios, já o Partido Externo não possuía benefícios, mas não era totalmente abandonado quanto à prole.

O livro serviu de inspiração para vários outros contos que viriam a ser lançados posteriormente, como no caso de "V de Vingança" lançado em 1982, escrito por Alan Moore e tendo obtido uma adaptação para o cinema em 2006. O próprio "1984" seria adaptado para as telas justamente em 1984, dirigido por Michael Radford  e estrelado por John Hurt. Em ambos casos são tramas em que mostra o desejo pelo controle vindo do estado perante as pessoas, em sua ânsia de controla-las e fazendo as mesmas praticarem atividades contra suas vontades do dia a dia.

Curiosamente, "1984" inspirou décadas depois programas de tv, mais precisamente os reality shows onde pessoas comuns são colocadas em uma casa, participando de diversos jogos e tendo o seu dia a dia sendo vigiado por demais pessoas pelo país. Se hoje o brasileiro convive com isso através de emissoras como a Rede Globo, a origem portanto se encontra no universo literário, do qual serviu de aviso sobre o que aconteceria no futuro, mas que nem todos capitariam a mensagem de imediato. O povo, pelo visto, não precisa ficar preso as ordens do governo, mas sim nas mãos de emissoras com o intuito de obter cada vez mais lucro.   

Cinema e Reality Show 

O Show de Truman

Antes da entrada do século 21 o Big Brother já estava sendo explorado pelo cinema e nos dando uma ideia do que viria nos anos seguintes. Em "O Show de Truman" (1998) dirigido por Peter Weir. Protagonizado por Jim Carrey, o filme conta a vida de Truman Burbank, um agente de seguros que não sabe que, desde pequeno, está vivendo em uma realidade simulada por um programa da televisão, transmitido 24 horas por dia para pessoas ao redor do mundo. Até sua cidade, Seahaven, é um cenário fictício povoado por atores e a equipe do programa, permitindo que Christof, o produtor do reality, controle todos os aspectos da vida de Truman, até o clima e seus possíveis sentimentos. Entretanto, a saga não sai como esperado e Truman sente o desejo de escapar.

O filme é uma crítica acida das grandes emissoras pelo desejo da audiência, ao ponto de usar uma pessoa e fazer de sua vida um show a ser degustado por uma sociedade cada vez mais escravizada por esse tipo de entretenimento. Porém, Truman decide sair de sua bolha e adentrar o mundo real que ele até então nunca havia testemunhado. O final vemos o homem derrotar o sistema moldado pelo Voyeurismo, mas do qual seria ainda mais mortífero.

Em "Jogos Vorazes", tanto na literatura como em sua versão cinematográfica, a trama se passa após uma grande guerra. A Capital cria os Jogos Vorazes, um evento anual no qual cada distrito deve enviar dois tributos (um garoto e uma garota, com idades entre 12 e 18 anos) para lutarem até a morte em uma arena cheia de câmeras, como uma versão macabra do big brother. Portanto, pode-se dizer que em "Jogos Vorazes" se encontra o ingrediente principal que serviu de inspiração para Round 6", mas ainda faltaria algo de essencial.  

                                                                                                      Jogos Vorazes

A Quebra do Sistema e Beco Sem Saída

Coringa

Nos últimos anos, tanto no cinema como em séries de tv, vemos os protagonistas de determinadas tramas quebrarem as regras do sistema capitalista para, ou obter lucro nunca antes alcançado, ou simplesmente jogar tudo para o ar e se desprender das cordas das quais se encontrava preso. Na série "La Casa de Papel", por exemplo, vemos um grupo de ladrões liderados por um professor invadindo um banco, mas não para roubar, mas sim criar milhões de dinheiro e leva-los consigo. A série virou mania entre os esquerdistas e a música “Bella Ciao“, que no passado se tornou hino de resistência contra o regime fascista de Mussolini na Itália, ficou conhecida por todo o mundo.

Porém, se na série vemos pessoas comuns se tornarem heróis contra o sistema capitalista, eis que o mundo real nos diz que nem tudo são flores e o cinema escancarou isso em 2019. Tanto filmes como "Coringa" como também "Parasita" são obras que nos mostra uma sociedade dividida, sendo que os de pouca sorte são escorraçados em subúrbio sem nenhum recurso e tendo que sobreviverem com o que tem para continuarem vivos.  Porém, em ambos os casos, os protagonistas obtêm uma chance de mudar de vida, mas para logo depois não conseguirem ter o total controle desse cenário cheio de regras.

Após perderem o controle, vemos os protagonistas saírem deste sistema, abraçando uma realidade até então desconhecida, mas se tornando prisioneiros devido as suas ações revolucionárias. Temos aqui como resultado o fato de nos encontrarmos presos a um sistema que não nos dá uma porta de saída, fazendo com que retornemos as suas regras, pois lá ainda poderá haver uma oportunidade de obter algumas cifras. Porém, se os dois títulos são sobre pessoas que não conseguem achar uma saída, por outro lado, "Nomadland" (2020) vemos uma parcela de uma sociedade cansada de sempre perder e embarcando em uma realidade que se tornam nômade e chefes de suas próprias vidas.  

                                                                                                               Parasita

E Chagamos, Enfim, a "Round 6 " 

Round 6

Na série criada por  Hwang Dong-hyuk vemos uma parcela da sociedade Sul Coreana endividada, procurando a todo custo uma oportunidade para se resolver na vida, mas nunca alcançando uma solução para os seus problemas. Aqui não há um regime autoritário, porém, o seu sistema faz com que a sociedade se vicie nas oportunidades de compra, ao ponto de gastar mais do que se tem e perdendo tudo o que já havia obtido um dia. É a lei do retorno, onde o paraíso das oportunidades se torna uma prisão uma vez que o cidadão não paga o que usufruiu.

Curiosamente, a série faz um paralelo com tempos mais simples, onde as brincadeiras eram muito mais físicas e fazendo as crianças não sentirem o tempo passando em sua volta. Os tempos dourados se foram, onde as pessoas nem olham mais para as estrelas do céu e se preocupando mais com os seus status em suas redes sociais. Vemos, portanto, poderosos não obtendo a felicidade quando se tem tudo, enquanto os endividados, ao menos, ainda lutam para obter a felicidade e o que fazem ainda continuarem vivos.

Não obtendo mais prazer através do lucro, vemos esses poderosos criando um enorme Reality Show mortal, onde os desafios podem custar diversas vidas e fazendo disso um entretenimento peculiar, porém, que fazem eles obter uma felicidade mórbida que não conseguiam mais alcançar. As presas mais fáceis acabam se tornando os cidadãos endividados, que acham que suas vidas não tem mais solução e veem neste Reality Show uma forma de, enfim, obter o dinheiro nunca alcançando, ou então acabar com a vida que já não faz nenhum sentido.

Temos então o protagonista Seong, interpretado por Jung Jae Lee, que embarca neste jogo mortal para pagar as suas dívidas, mas que não se vende de imediato a esse sistema. Porém, em uma oportunidade de retorno para sua realidade, se percebe que o sistema do mundo real não lhe trará uma solução de imediato e fazendo com que o mesmo retorne ao lado de inúmeros que optaram em se arriscar dentro do jogo de novo. Curiosamente, ele tenta não se vender as regras como um todo, ao ponto de evitar até mesmo matar o seu próximo, mas quase lhe custando a sua sanidade ao longo do percurso.

Concluímos, portanto, que o protagonista procura jogar entre os dois lados da mesma moeda, ao não desejar se vender por completo, pois aos poucos percebe que o seu bem mais precioso é ainda continuar vivo. O dinheiro se torna mero objeto a ser gastado, o homem não quer se tornar um mero cavalo de corrida em um jogo e procura desafiar esse sistema criado por poderosos. Em meio ao horror, vemos um protagonista ainda tendo a sua fé pela humanidade intacta, mesmo quando a própria lhe deu todos os motivos para renega-la.

Como toda ótima série ela termina com algumas pontas soltas, talvez para uma eventual segunda temporada, mas já deixando aqui a sua proposta intacta, de fazer as pessoas repensarem sobre as suas próprias vidas, das quais cada vez mais se encontram presas em reality shows, redes sócias e demais sistemas cheios de regras e que fazem da pessoa criar a sua própria prisão mesmo sem nenhuma grade que o separe do mundo real. A solução, talvez, não esteja em nenhuma revolução, mas talvez em cada indivíduo que possa conseguir obter uma iniciativa para acordar para o mundo real. Se em "Matrix" (1999) nos passava uma síntese de uma previsão sobre o que aconteceria com a humanidade, "Round 6 " nos diz que a previsão já aconteceu e cabe a você saber como irá lidar com uma realidade que nunca pediu.

"Round 6 " é sobre tudo que já aconteceu, sobre o que já está acontecendo e não nos dando nenhuma resposta sobre o nosso incógnito futuro. 


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