Sinopse: Comandando um grupo de jovens guerrilheiros, Marighella tenta divulgar sua luta contra a ditadura para o povo brasileiro, mas a censura descredita a revolução. Seu principal opositor é Lúcio, policial que o rotula como inimigo público.
Nos últimos vinte anos de nossa história o cinema brasileiro lançou filmes cuja as suas mensagens nos diziam que viveríamos tempos turbulentos e dos quais os mesmos se concretizaram. Mesmo com mensagens subliminares podemos pegar como exemplo o filme "A Frente Fria que a Chuva Trás"(2015), da qual retratava um grupo de jovens de diferentes classes se reunindo para uma festa em uma laje no morro carioca. A obra mostra um estado de alienação vindo dessa nova geração, sendo que a protagonista Amsterdã (Bruna Linzmeyer) explode perante o fato de estar desperta perante o lado farsante daquele cenário.
Já "Tropa de Elite" (2007) de José Padilha, ao ser revisto nos dias de hoje, podemos concluir que o fascismo brasileiro já estava encravado a muito tempo em nossa história e a figura do Capitão Nascimento, interpretado por Wagner Moura, seria a representação do discurso de que bandido bom é bandido morto. Veio então "Tropa de Elite 2" (2010) para nos mostrar que a raízes do problema se encontra mais embaixo da terra do que a gente imagina e fazendo da figura do Capitão Nascimento uma das figuras mais complexas e trágicas do nosso cinema. Não é à toa que Wagner Moura demoraria para desvencilhar da imagem desse personagem, mesmo atuando em diversos filmes e séries que comprovaram posteriormente ainda mais a sua versatilidade.
Porém, o ator quis ir mais além, ao sentar na cadeira como diretor e fazer "Marighella" (2021), filme corajoso, que fala de tempos passados, mas cujo os mesmos ecoam nos dias de hoje e fazendo da obra um filme obrigatório para ser visto e analisado nestes tempos turbulentos em que estamos convivendo. Neste filme biográfico, acompanhamos a história de Carlos Marighella (Seu Jorge), em 1969, um homem que não teve tempo pra ter medo. De um lado, uma violenta ditadura militar. Do outro, uma esquerda intimidada. Cercado por guerrilheiros 30 anos mais novos e dispostos a reagir, o líder revolucionário escolheu a ação. Marighella era político, escritor e guerrilheiro contra à ditadura militar brasileira.
Com os minutos iniciais transitando entre a ficção ao documentário, Wagner Moura surpreende na direção no primeiro ato, onde com certeza observou de perto como José Padilha fazia cenas de ação em plano-sequências. A cena inicial, por exemplo, é surpreendente, onde vemos Marighella e seus companheiros assaltando um trem que carregava armamento para o exército e remetendo aos velhos clássicos do faroeste de assalto. Muitos desses planos-sequências se encontram espalhados ao longo do filme, fazendo com que tenhamos a sensação de estarmos de corpo presente na ação e fazendo com que estes momentos fiquem cheios de pura tensão.
Visualmente o filme é surpreendente na sua reconstituição dos anos pós-golpe, cuja a sua fotografia em tons pasteis sintetizam tempos pouco coloridos e dos quais os mesmos eram disfarçados por uma propaganda de um falso país democrático. Curiosamente, Wagner Moura procura nos passar diálogos a dedo, cujo os mesmos a gente ouve todo o santo dia nestes últimos dez anos e fazendo a gente concluir que o golpe daqueles tempos ainda não acabou, pois os discursos de ambos os lados ainda se enfrentam até hoje. O filme, portanto, vem em uma hora mais do que apropriada, principalmente pelo fato de hoje estarmos sendo governados por um Presidente que defende os golpes de estado de ontem e hoje e não é de se admirar que o filme tenha sido censurado e adiado inúmeras vezes.
Conhecido pelo trágico personagem Mané Galinha em "Cidade de Deus" (2002), Seu Jorge nos passa uma força através do personagem histórico, do qual o mesmo não esconde em seu olhar as dores que carrega de um país cansado e amordaçado. Wagner Moura foi feliz na escolha do seu elenco, em não somente ter acertado na escolha de seu protagonista, como também do seu antagonista. Bruno Gagliasso como Lúcio, líder do DOPS, surpreende ao construir o seu personagem, que nada mais é do que um lacaio a serviço do imperialismo americano, mas que acredita ser patriota e fazendo o que acha certo mesmo lhe custando o seu lado mais humano.
Não é preciso ser gênio que o filme se encaminha para um ato final que é a Via Crúcis do protagonista, mas do qual o mesmo não se rendeu mesmo em seu último minuto. Marighella morreu, mas sua ideia ficou, de um país livre da tirania e mesmo com poucos recursos o próprio acreditava que valia a pena lutar pela causa. Resta saber se boa parte do povo brasileiro de hoje irá capitar a proposta final da obra, ou ficar esperando que as mudanças aconteçam conforme o tempo passa.
"Marighella" não é somente sobre um personagem histórico brasileiro, como também uma representação de força do nosso cinema, do qual sempre retratou as diversas fases de nossa história e da qual jamais deve ser censurada.
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