Sinopse: Ambientada na China do início dos anos 2000 até os dias atuais, onde vemos o casal central se separando em meio às mudanças que ocorreram nos primeiros anos do século 21 no país.
Jia Zhangke gosta de falar sobre a China através dos seus protagonistas, sendo que alguns casos eles se tornam secundários, enquanto vemos o país mudando através do tempo. Em "Um Toque de Pecado" (2013), por exemplo, vemos personagens com suas histórias distintas, mas que se interligam uma com a outra em meio às mudanças constantes que ocorrem em suas terras. "Levados Pelas Marés" (2024) é um épico sobre a China em si do início do século até os dias atuais, mas cujos temas vistos na tela são universais e que todos deveriam testemunhar.
A trama é uma cruzada de duas décadas em que os protagonistas Qiaoqiao e Bin tem um frágil romance na cidade de Datong na China. No decorrer da história, vemos o casal aproveitando os dias e as noites na cidade, até que, um dia, Bin resolve explorar novos ares, querendo tentar a sorte numa cidade maior do que Datong. Ao sumir sem dar notícia, Qiaoqiao parte numa jornada para reencontrá-lo, mas encontrando algo que muda sua perspectiva com relação ao seu próprio mundo.
É curioso observar como Jia Zhangke consegue transitar entre a ficção e documentário em uma único longa, já que os personagens centrais são fictícios, enquanto a sua câmera perambula o dia a dia de cidadãos chineses reais em meio às suas atividades corriqueiras e na corrida contra o relógio. Como a trama se inicia no século vinte um, é interessante observar que as primeiras cenas vemos cidadãos idosos, desfrutando do que tem direito, mas nos dando a impressão de que eles estão ficando para trás, enquanto a nova geração da China toma conta sem ao menos saber o que ocorrerá. Em meio a isso surgem oportunidades diversas oferecidas pelo governo, mas que nem tudo são flores para todos.
A separação do casal central, por exemplo, representa algo até mesmo a frente do seu tempo, já que no início do século ainda não tínhamos uma noção de como um possível casamento se tornaria tão ineficaz em tempos em que tudo gira através dos números e sendo que muitos são atraídos pelas cifras, mas que em alguns casos fica somente na promessa. O casal central Interpretados por Zhao Tao e Zhubin Li nos passam com clareza o lado desperto de cada um perante o fato que nem tudo o que estavam planejando acaba se concretizando, principalmente em tempos em que o sistema capitalista anda em passos largos e fazendo com que a própria humanidade se canse aos poucos. Curiosamente, a China é sempre acusada de ser um país comunista, quando na verdade o que se vê ali não é muito diferente de outros países viciados no capital, mas levado há um grau ainda maior.
Jia Zhangke, portanto, retrata o término de uma geração e o começo da outra, sendo que a última se encontra incrustada na possibilidade de serem celebridades através das redes sociais, enquanto os últimos da geração passada persistem em trabalhar na mão de obra, mesmo na possibilidade de um dia a mesma deixar de existir. Ao vermos a protagonista conversando com um robô que sabe conhecer os seus sentimentos é então que entendemos a proposta principal do realizador como um todo. Em seu ato final, vemos a população convivendo com o dia a dia em meio a pandemia do Covid19, mas da qual nem sequer ela conseguiu parar os avanços tecnológicos e o retrocesso que o ser humano anda enfrentando.
Acima de tudo, é um filme que fala não somente sobre a China, como também sobre um mundo em metamorfose em que cada vez mais precisamos seguir em frente, mesmo quando perdemos algo ou alguém em meio a essa corrida indefinida. Neste último caso, por exemplo, a cena final é simbólica, pois representa a força de vontade de uma boa parcela da população que não irá desistir e seguirá em frente aja o que houver. Resta saber o quanto ainda iremos ter que percorrer sem deixar de nos preocupar.
"Levados Pelas Marés" é um épico contemporâneo sobre a China apresentado por Jia Zhangke, mas que também nos soa extremamente familiar do começo ao seu fim.
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