Sinopse: Escolhendo revelar as verdades e mentiras de sua vida e carreira, um cineasta doente se senta para uma entrevista longa e sincera com um ex-aluno.
Paul Schrader foi um dos cineastas que surgiram nos últimos anos da "Nova Hollywood" e mantendo durante os anos oitenta um lado autoral que do qual estava sendo deixado de lado na época. Em "Gigolô Americano" (1980), por exemplo, ele consagraria o ator Richard Gere e que entraria nos anos noventa como um dos grandes astros de sua época. Portanto, é curioso observar ambos se reencontrarem em "Oh, Canada" (2024), filme que sintetiza a fragmentação do ser humano em um momento em que busca a sua redenção particular.
Na trama, o documentarista norte-americano Leonard Fife (Richard Gere) vive com uma doença que pode tirar sua vida a qualquer momento. Nessa espécie de leito de morte, ele sente a força do tempo e de sua condição, resolvendo, então, contar sua história de vida sem filtros antes que seja tarde demais. Com uma carreira profissional de prestígio, Fife tem muito do que se orgulhar, porém lacunas do seu passado, em especial relacionadas à Guerra do Vietnã e as pessoas com quem esbarrou naquela época, ainda são dores que o diretor evita tocar.
Baseado na obra do escritor Russell Banks, que viria a falecer em 2023, o filme pode ser interpretado de diversas formas, tanto como uma síntese sobre o que foi o escritor em vida, como também da maneira como Paul Schrader enxerga a vida de um homem perante a sua reta final. O filme é apresentado de forma fragmentada, onde vemos o protagonista tanto em seu presente, como também em sua juventude e que buscava o seu lugar em um mundo cada vez mais complexo em meio a guerras, preconceito e inúmeros protestos por algo novo. Por alguns momentos, por exemplo, achamos que o protagonista seja realmente alguém que existiu, pois há uma curiosa transição entre a ficção e o lado documental, o que torna o longa interessante ao ser visto mais de perto.
Sendo não visto há muito tempo em filmes de sucesso, Richard Gere surge aqui quase irreconhecível, distante dos tempos em que se apresentava como um grande galã e nos brindando com uma atuação digna de nota. Menosprezado por estúdios e a própria academia do Oscar, Gere nunca escondeu o seu lado crítico, tanto com relação à maneira como Hollywood lidava com as produções, como também sobre a própria política dos EUA. Portanto, talvez, um lado pessoal de sua pessoa se encontre neste personagem, onde ele não tem nada a esconder em sua reta final, a não ser colocar para fora algo que sempre ocultou, ou nunca admitiu os seus passos em falso em vida.
Com uma fotografia que transita entre o preto e branco sombrio e cores quentes de um passado distante, a figura Leonard Fife transita entre a sua forma jovem e mais velha, como se o espaço e tempo viessem em uma única direção e fizesse com que o protagonista ficasse cada vez mais confuso durante a sua entrevista. Nota-se, por exemplo, que até a sua esposa, interpretada por Uma Thurman, se manifesta de duas formas, seja como sua mulher, ou como uma figura que revela o seu lado que sempre tentou esconder devido ao preconceito da época. Por conta disso, a figura de Leonard Fife se torna, por vezes, complexa demais e cabe uma atenção redobrada sobre o seu verdadeiro ser em cena.
Ao final, o filme termina com uma única saída encontrada para o protagonista, mas que ao mesmo tempo seja uma forma do diretor Paul Schrader nos dizer para onde irmos uma vez que o mundo está cada vez mais afundando. Em tempos em que a guerra repete os mesmos erros do passado, cabe ao indivíduo aceitar esse mundo ou simplesmente dar as costas e deixá-lo para a própria sorte, pois a própria vida comum já é complexa demais para ser administrada. Ao final, só queremos um descanso digno em meio a tudo isso.
"Oh, canada" é uma visão autoral de Paul Schrader sobre o papel do homem perante uma realidade, por vezes, mais hedionda do que os próprios erros e acertos cometidos durante a vida do protagonista.
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