Sinopse: Na Irlanda do Norte dos anos 60, um menino de 9 anos experimenta o amor, a alegria e a perda. Em meio a conflitos políticos e sociais, o garoto tenta encontrar um lugar seguro para sonhar enquanto sua família busca uma vida melhor.
O filme "Roma" (2018) de Alfonso Cuarón foi uma forma do diretor relembrar os seus tempos dourados de infância, assim como também prestar uma homenagem a sua empregada que era para ele uma segunda mãe. Já Paolo Sorrentino fez do seu filme recente "A Mão de Deus" (2021) uma forma de exorcizar as suas dores de lembranças das quais a sua transição da infância para a vida adulta não foi das mais fáceis. Um olhar inocente transitando com o lado complexo da realidade é visto agora em "Belfast" (2022), onde o diretor Kenneth Branagh retorna ao seu passado nos tempos em que vivia na capital da Irlanda do Norte.
“Belfast” narra a vida de uma família protestante da Irlanda do Norte da classe trabalhadora da perspectiva de seu filho de 9 anos, Buddy, durante os tumultuosos anos de 1960. O jovem Buddy (Jude Hill) percorre a paisagem das lutas da classe trabalhadora, em meio de mudanças culturais e violência extrema. Buddy sonha em um futuro melhor, glamoroso, que vai tirá-lo dos problemas que enfrenta no momento, mas, enquanto isso não acontece, ele se consola com o carismático Pa (Jamie Dornan) e a Ma (Caitríona Balfe), junto com seus avós (Judie Dench e Ciarán Hins) que contam histórias maravilhosas.
Kenneth Branagh procura apresentar o cenário principal de forma gradual, ao ponto que os minutos iniciais em que nos é apresentado é a Belfast atual. Porém, a partir do momento em que surge o título do filme, o cenário muda, assim como a sua fotografia e cuja as cores em preto e branco não escondem os tempos mais quentes e dourados. Logo de início já conhecemos o pequeno Buddy, do qual o mesmo brinca a todo vapor no cenário principal, mas logo testemunhando uma pequena guerra vinda da ignorância e preconceito do homem.
Assistimos a quase tudo pela perspectiva de Buddy, dando a entender que tudo que vemos podem ser lembranças encravadas na memória do cineasta, ou da forma como ele se lembrava. Por conta disso, uma de suas paixões que é o cinema tem um espaço especial dentro da trama, onde os personagens principais decidem esquecer os dilemas do mundo real e embarcando em uma realidade mais esperançosa através da sétima arte. Não irão faltar homenagens a determinados clássicos que são verdadeiras paixões do diretor e o clássico "Matar ou Morrer" (1952) é um deles.
Aliás, esse e outros clássicos vão reaparecendo no decorrer da história, mas de uma forma que se case com as situações que o pequeno protagonista vai vivenciando e como uma forma da fantasia suavizar os momentos que poderiam se enveredar para um terror mais psicológico. A questão do conflito entre católicos e protestantes, porém, fica bastante evidente em vários momentos da trama, mas tudo sendo testemunhado por uma criança que mal sabe a origem desse conflito e tão pouco compreendendo a origem de tanto ódio. Não deixa de ser curioso, por exemplo, a forma como ele enxerga as palavras amedrontadoras de um padre, para logo o mesmo disparar algo bastante hipócrita e que perdura até os dias de hoje.
E a se parte técnica, seja fotografia ou edição e arte, que moldam o cenário e encantam os nossos olhos, o seu elenco adulto, por outro lado, não fica muito atrás em conquistar a nossa atenção. Se Jamie Dornan como o pai do protagonista está apenas razoável no decorrer do filme, por outro lado, atriz Caitriona Balfe nos surpreende como a mãe e da qual nos brinda com momentos intensos, principalmente ao tentar ensinar ao máximo a pratica do bem para o seu filho. Já a veterana Judi Dench faz o seu trabalho habitual em sempre roubar a cena quando surge na tela e ao interpretar avó do pequeno protagonista a gente sente em suas palavras o peso da experiência e tendo a consciência sobre fins e começos das coisas em volta.
Acima de tudo, é um filme que fala em amadurecer na infância, mesmo de forma tão precoce, pois o mundo real em volta não espera para que a criança cresça. Em tempos atuais em que beiramos a uma temida possível Terceira Guerra Mundial, o filme vem em um momento para nos dizer que os conflitos, tanto políticos como religiosos, sempre estiveram ali para matar a inocência logo cedo e tudo que nos resta é guardar as boas lembranças para deixa-las vivas mais do que nunca. "Belfast" é uma declaração de amor para todos aqueles que sentem saudades de suas raízes e para aqueles que já se foram em tempos de conflito iminente.