Sócio e divulgador do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte.
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Nos dias 08 e 09 de Julho eu irei participar do curso Cinema Independente Brasileiro Hoje, criado pelo Cine Um e ministrado pelo crítico de cinema do jornal Zero Hora Daniel Feix. Enquanto o final de semana da atividade não chega por aqui eu irei relembrar de alguns filmes do cinema brasileiro independente que eu assisti nesses últimos dez anos.
Esse Amor que nos
Consome (2013)
Sinopse: Gatto Larsen
e Rubens Bardot, são responsáveis por um grupo de dança alternativa, inspirada
na arte de rua, do cotidiano, muda-se para um pequeno prédio no meio do Centro
da cidade do Rio de Janeiro, Rua do Riachuelo. O prédio não é deles. Eles
invadiram na boa vontade de quem quer que seja o dono não consiga vende-lo.
Durante dias, o humilde grupo de dança treina lá para espetáculos reais e
cobertos pelo patrocínio do governo. Eles crêem nos orixás e que estes inspiram
suas obras e os protegerão.
Numa mistura de
ficção e documentário, o filme é mais um belo exemplo do nosso cinema
brasileiro que foge do convencional e apresenta uma trama com pessoas que são
gente como à gente e com suas paixões no meio da dança e da arte. Há três focos
na trama que, se entrecruzam, faz com que se cria um mosaico de imagens de
pensamentos e que veem através dos protagonistas ou de pessoas comuns que se
cruzam com elas. Claro que a dança é o foco principal da trama, começando com
uma inesquecível cena de abertura e que, mostrando o aquecimento de um
dançarino e embalado com a clássica musica Lscia Ch'io Pianga, interpretada por Tuva Semmingsen.
As cenas seguintes
mostram o ensaio do grupo de capoeira durante os dias que se passam que, lado
de cá da câmera, foram surpreendentemente dez dias de filmagens apenas. O filme
não esconde o que são esses personagens, que vão desde pessoas humildes,
enraizados no povo trabalhador e que não temem em invadir uma casa para viver e
trabalhar. Mas, embora com toda a força de vontade, também há os momentos em
que é mostrado o drama de alguns dançarinos que, por um motivo ou outro, acabam
tendo que abandonar ou pelo menos adiar o que estava fazendo com os seus
companheiros.
Cinematograficamente,
a câmera foca ao máximo passo, gestos e o suor deles que, mesmo com poucos
recursos, se mantenham graças à paixão pela arte que eles praticam e na
realização da determinada peça (no caso, a adaptação da obra que dá título ao
filme: "Esse Amor que nos Consome"). O filme acerta em inúmeros
sentidos, principalmente quando a dupla principal sai do seu cenário e vai
pelas ruas da cidade carioca para conversar com pessoas comuns, mas que tem
muito para contar. Uma pena que alguns desses personagens que surgem do nada
somem posteriormente e não retornam durante a projeção.
Algumas coisas ficam
no ar, na realidade com mais perguntas do que respostas e, quando você deseja
mais ficar naquele universo particular daquele grupo, o filme se encerra e
deixando com que a trama continue em nossas mentes. Uma pequena pérola
cinematográfica brasileira, do qual oferece muito, mesmo em pouco tempo de
projeção.
Doce Amianto (2013)
Sinopse: Depois de
ser abandonada pelo homem que ama, Amianto (Deynne Augusto) isola-se em um
mundo de fantasia e delírios. Sua única amiga é Blanche (Uirá dos Reis), uma
garota morta que a protege do além. Misturando ingenuidade e melancolia,
Amianto tenta se reconectar com o mundo real.
O cinema convencional
norte americano possui a mesma velha formula de sucesso de ontem e hoje:
começo, meio, fim, tudo mastigado, e para fazer com o que o cinéfilo não pense
muito e saia do cinema satisfeito. Contudo, houve aqueles que lançaram um cinema
um pouco diferente, no qual a pessoa que assistiu se ficava depois se
perguntando o que viu. David Lynch (Cidade Dos Sonhos) foi alguém que foi
contra a maré das regras do cinema norte americano e não me admira que tenha
servido de inspiração para os cineastas como Guto Parente e Uirá dos Reis ao
criarem Doce Amianto.
Na verdade, a
sensação que eu senti quando assisti a esse filme é que o universo de Lynch deu
de encontro com o de Pedro Almodóvar (Fale Com Ela). Temos uma trama não
linear, enlaçado com um universo no qual nos faz lembrar também o lado autoral
do cineasta Espanhol, mas o protagonista não é algo inspirado no que já vimos
no mundo de Almodóvar. Embora seja interpretado por um homem (Deynne Augusto)
Amianto não é travesti e tão pouco transexual, ao menos não oficialmente.
Por mais que a
personagem possua traços que lembrem um homem, o filme sempre se refere a ela
como uma mulher como outra qualquer. O mesmo vale para Blanche, uma espécie de
fantasma conselheiro para Amianto e a única que lhe da o consolo nos momentos
difíceis. Quando as duas surgem em cena, a realidade convencional se quebra na
frente do espectador, e fazendo com ele aceite ou não o que acontece na tela.
Essa quebra da
realidade convencional da trama faz com que tudo possa acontecer, no qual
podemos interpretar nas diversas formas, desde um sonho, delírio ou até mesmo
simplesmente metáfora. Esse último exemplo pode ser o mais aceito,
principalmente no inicio do filme, quando a protagonista tenta se reconciliar
com o seu amado, mas bastou ele ignorá-la que a protagonista cai no chão e meio
segundo está toda coberta de sujeira no chão, representando então a sua
sensação de estar no fundo do poço.
Esse convite para um
lado mais experimental que o filme nos da, e não se importando com que vamos
achar, faz com que a gente pronuncie aquele velho refrão de “ame ou odeie”. Mas
foi graças a essa forma de ir contra a maré de um lugar comum, é que o filme
nos brinda com uma das melhores partes da trama, em que ele abandona a historia
principal e nos joga numa nova e sem nenhuma ligação com a outra. Essa pequena
trama apresentada, por mais absurda que seja não deixa de ser a mais divertida,
ao injetar um humor negro contagiante e com personagens caricatos, mas que não
foge muito do perfil de pessoas reais em determinadas situações
apresentadas.
No resultado geral é
um filme que inquieta o espectador, mesmo na sua curta duração (70min) e com
uma linguagem original, na qual com certeza atrairá um cinéfilo mais exigente,
mas que com certeza fará com que o publico em geral fique se perguntando após a
sessão o que realmente viu. Um filme experimental, fora do convencional, mas
não menos genial.
Castanha (2014)
Sinopse: João Carlos
Castanha tem 52 anos e é ator. Também trabalha na noite como transformista em
baladas gays. Vive com a mãe septuagenária, Celina, no subúrbio de Porto
Alegre. Solitário, doente e confuso, aos poucos ele deixa de discernir
realidade e ficção.
No ano passado eu
havia assistido na Casa de Cultura Mario Quintana o filme chamado Esse Amor que
nos Consome, onde mostrava uma dupla responsável por um grupo de dança
alternativa. O que me chamou atenção naquele filme é pelo fato dele transitar
entre a ficção e documentário, já que os protagonistas estavam atuando como eles
mesmos e mostrando na frente da câmera o seu cotidiano. Esse tipo de cinema
brasileiro talvez tenha começado a partir de 2007, com o maravilhoso O Jogo de
Cena de Eduardo Coutinho e com certeza irá se fortalecer ainda mais com
Castanha.
Em seu primeiro longa
metragem, Davi Pretto usa pouquíssimos recursos, porém eficientes, para focar o
dia a dia de João Carlos Castanha, que durante as noites nas baladas de Porto
Alegre, se torna um transformista para alegrar determinadas boates gays da
capital gaúcha. Ao mesmo tempo convive com a sua mãe Celina e com um
problemático sobrinho chamado Marcelo, que transita entre a marginalidade e a
cada vez mais distante redenção. O grande charme do filme está no fato de não
sabermos ao certo o que é real e o que é ficção, pois o próprio protagonista para por um momento no que está fazendo e fala sobre a sua vida de ontem e hoje
na capital.
Durante o dia, o
protagonista passeia por lugares conhecidos da cidade, como a Casa de Cultura
Mario Quintana e fazendo com que nos identificamos nestes momentos com ele.
Mesmo quando ele se apresenta de uma maneira em que nos faça convencer a
diferenciá-lo de nós. Mas isso não acontece.
Curiosamente, alguns
momentos imprevisíveis surgem. Quando ator (ou personagem) dá de encontro com
uma situação, onde estão ocorrendo filmagens de um casal discutindo, tem-se ali
então um belo exemplo do cruzamento de ficção e realidade: seria o personagem
trabalhando num filme dentro da história? Seria próprio João Carlos Castanha trabalhando
no filme que estamos assistindo?
Ao mesmo tempo, o
filme procura ser um retrato do nosso mundo contemporâneo atual, pois mesmo não
dando enfoque sobre determinados assuntos, eles estão ali nas entrelinhas. Belo
exemplo é o fato de nós sabermos em que época a trama se passa, a partir de
assuntos do cotidiano do protagonista conversando com um taxista ou quando
vemos o noticiário da TV e damos de cara com os protestos que se espalharão no
país no ano passado. Temas políticos estão espalhados em toda projeção de forma
discreta, mas certeira e embalados com um humor sarcástico do protagonista.
Contudo, Castanha por
vezes tem o seu desempenho eclipsado pela atuação de sua própria mãe, que atua
naturalmente e nos emociona quando toca no assunto com relação ao seu
ex-marido, que atualmente se encontra no asilo. As cenas em que mostram o pai
de Castanha no asilo são poucas, mas falam por si e correspondem um pouco sobre
o tipo de relação que ambos tinham um
com o outro. Aliás, essas cenas também representam um pouco sobre o passar
tempo, que para o bem ou para o mau ele corrói e destrói tudo que existe.
A imagem de Castanha
transformista na boate gay, mesmo conduzindo o seu público com o seu bom humor,
não esconde o fato de sua imagem ser uma figura pálida do que já foi um dia.
Seus traços do seu rosto, emoldurado por uma pesada maquiagem, tentam
inutilmente esconder as marcas do passado, do seu presente e de um futuro
indefinido. Talvez isso seja de propósito, sendo talvez uma representação
cansada de sua luta perante uma sociedade que se encontra indefinida, não
sabendo para aonde vai e ficando presos por valores que se encontram hoje
falidos.
Valores esses que
talvez deixem mundo em que Castanha vive um tanto que nebuloso. Querendo ou
não, ele pertence há uma sociedade cada vez mais conservadora e alienada com
políticos formados por pastores e que usam a palavra da bíblia como arma contra
uma fatia de público que vai contra a maré dessa sociedade hipócrita. Mesmo com
os percalços, os minutos finais nos dizem para não desistir e levarmos tudo
pelo bom humor, mesmo quando isso parece não ter fim.
Cru, simples e
direto, Castanha é isso e muito mais. Levando-nos a questionar o mundo que
vivemos e fazendo nos identificar e nos questionar a nós mesmos.
Últimas Conversas (2015)
Sinopse: Realizado a
partir de entrevistas feitas com jovens estudantes brasileiros pelo cineasta
Eduardo Coutinho antes de sua morte (em fevereiro de 2014), o filme busca
entender como pensam, como sonham e como vivem os adolescentes de hoje. O
material foi editado por sua parceira de longa data, a montadora Jordana Berg,
e a versão final é assinada por João Moreira Salles.
Em seu último filme como cineasta, Eduardo
Coutinho se sente cansado, mas ao mesmo tempo disposto a continuar filmando,
pois como ele mesmo disse no início da obra: “o que mais eu poderia fazer na
vida”? A sensação que se dá
é que, embora não prevendo o futuro, ele se sentia que estava em sua reta
final, mas antes de guardar as suas ferramentas de trabalho, decide então fazer
uma entrevista com jovens brasileiros de hoje. Nas entrevistas assistimos
depoimentos que contem de tudo um pouco, desde as vidas mais simples, ou até
mesmo as mais sofridas e ferrenhas.
Diferente do que se
vê em certos filmes que, tentam reconstituir o que é o jovem brasileiro, vemos
aqui pessoas reais, falando de tudo, desde os seus sonhos, dores familiares e
certa carga de incerteza com relação ao futuro de cada um. Embora com mais de
oitenta anos, Coutinho deixa a vontade os jovens para entrevista, pois embora
não conheça a cultura ou até mesmo os costumes dessa geração de hoje,
demonstrou total sensibilidade e ao mesmo tempo curiosidade para compreender o
do porque da moda deles, o que eles ouvem de música e do porque de certas
profissões que eles escolheram para estudar mais pra frente. As entrevistas
começam a ficar tão boas que nos identificamos facilmente com aqueles jovens,
pois cada passagem de suas vidas, por vezes, soa familiares para nós, para
não dizer idênticas.
E quando a gente
achava que ele somente chamou jovens de classe média para as entrevistas, eis
que ele deixa uma menina chamada Luiza, de apenas seis anos e de classe média
alta para o final. Talvez ela não tenha sido última a ser entrevistada, mas as
suas palavras selam o filme de uma forma maravilhosa. Ambos travam um diálogo
filosófico e teológico, encerrado com a frase dela: “O Homem que morreu, a
gente chama de Deus”.
E então rindo, Coutinho pede
ao assistente para abrir a porta e ela se caminhar para a saída em contraluz,
como se fosse levada pela eternidade. Um encerramento brilhante, mas que, após
essas entrevistas, daríamos tudo para voltarmos no tempo e termos uma tarde de
conversas descompromissadas com o nosso inesquecível cineasta.