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Sócio e Diretor de Comunicação e Informática do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte. Me acompanhem no meu: Twitter: @cinemaanosluz Facebook: Marcelo Castro Moraes ou me escrevam para marcelojs1@outlook.com ou beniciodeltoroster@gmail.com

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terça-feira, 6 de outubro de 2020

Cine Especial: 'O Outro lado do Vento' - Um acontecimento cinematográfico atemporal.


Nos primeiros anos do cinema nem se falava no termo “cinema autoral”, já que, para a maioria dos engravatados dos estúdios, filmes são mais para entretenimento e gerar um bom lucro. Claro que, aos poucos, foram surgindo cineastas que se destacam por cenas elaboradas, perfeccionistas e ganhando até mesmo respeito daqueles produtores que se achavam os donos do jogo. Orson Welles foi um rebelde com uma causa pessoal que emergiu em meio às engrenagens do sistema hollywoodiano e do qual fez questão de criar uma visão autoral em seus filmes, mesmo a contra gosto dos donos dos estúdios.

Quando "Cidadão Kane" (1941) foi lançado, Welles tinha somente 29 anos, mas parece um veterano, ao ponto de realizar um conteúdo até mesmo imprevisível naquele momento. Além de movimentos de câmera até então inéditos naquele ano, o jovem cineasta teve a capacidade de até mesmo elaborar um início de trama que transita entre o documental e a ficção. A frente do seu tempo, o filme viria a ganhar somente um Oscar de melhor roteiro, mas não demorou em se tornar um dos melhores filmes de todos os tempos.

Porém, Welles jamais teve novamente uma liberdade na realização de suas obras, ao ponto de sempre brigar com os produtores e gerando danos irreversíveis. "A Dama de Xangai" (1947), por exemplo, foi um fracasso na época do seu lançamento, mas se tornando melhor apreciado nos anos seguintes. E se por um lado o 3º Homem (1949) ele se destacou somente pela sua bela atuação, "A Marca da Maldade" (1958) ele voltaria a ter o vislumbre do gosto de realizar uma obra prima, mesmo tendo as famigeradas desavenças com os produtores na área.

Após anos vivendo na Europa e longe da ditadura do sistema hollywoodiano, Orson Wells embarcaria no seu mais complexo projeto no início dos anos 70, intitulado "O Outro lado do Vento", mas do qual ele próprio jamais iria ver a sua obra ser lançada nos cinemas. Com um tempo de produção de um total de seis anos, o cineasta levou mais um par de anos durante a sua pós-produção e tendo obtido na montagem somente 40 minutos de projeção. Há quem diga que ele rodou mais de 100 horas de filme, mas nunca estando satisfeito com o que ele via e despertando a ira dos produtores.

Iniciou-se uma disputa legal pelos direitos do projeto, o que forçou Welles em armazenar todo o material bruto num cofre em Paris e o filme, enfim, acabou sendo esquecido. Orson Welles viria a morrer em 10 de outubro de 1985 e acreditando que For Fake – "Verdades e Mentiras" (1974) seria a sua última obra a ser lançada no cinema. Porém, a justiça tarda, mas não falha.

A toda poderosa Netflix viria a conseguir os direitos de exibição do filme em sua plataforma. Com 100 horas de material farto, os produtores obtiveram ainda os 40 minutos de montagem que o próprio Welles havia feito. No total, o filme acabou sendo lançado na plataforma com um corte final de 2h02min e, para alguns, foi o mais próximo da visão que o cineasta queria obter para o seu projeto.

Verdade seja dita: "O Outro lado do Vento" é tão complexo quanto à maneira em que ele foi desenvolvido. Se formos simplificar, o filme acompanha um dia da vida do cineasta J.J. Jake Hannaford (John Huston) e que embora tenha grande talento, ao mesmo tempo, enfrenta problemas para concluir seu último projeto, “O Outro Lado do Vento”, devido ao abandono repentino do protagonista, John Dale (Robert Random). Com o orçamento estourado e a pressão de executivos de Hollywood, Hannaford comemora seu aniversário em meio a amigos e detratores, exibindo aos presentes o que já filmou até aquele preciso momento.

Observasse aqui, então, que estamos diante de uma obra que transita entre a ficção e o real, já que o cineasta da trama é, obviamente, o alter ego de Orson Welles. Porém, o filme vai muito mais além, pois os minutos iniciais, por exemplo, remete os primeiros minutos de Cidadão Kane, onde o teor documental surpreende pela sua verossimilhança e demonstrando uma total segurança com a sua câmera. Câmeras, aliás, é o que mais se vê no decorrer do filme, já que há repórteres, jornalistas e paparazzis surgindo a todo o momento ao querer fazer um trabalho sobre o cineasta e a sua cria.

Isso faz com que a nossa atenção fique redobrada, já que são tantos acontecimentos que ficam acontecendo na tela que corremos um sério risco de nos perdemos em meio às diversas cenas. Com uma montagem frenética, o filme também transita numa fotografia em preto e branco com as cores quentes dos tempos dos anos 70. Mas o ápice dessa salada cinematográfica é que estamos realmente diante de um filme dentro de um filme e do qual sintetiza toda a calamidade que foi para a realização dessa produção.

Pegando carona com o movimento da Nova Hollywood, Orson Welles parece querer agir como um jovem cineasta daquele tempo, do qual está mais interessado em fazer uma obra experimental do que tendo a intenção de concluí-la como um todo. Isso é perceptível quando dois personagens, por exemplo, estão analisando o filme do cineasta J.J. Jake Hannaford e chegando a conclusão de que os rolos de filme parecem estar fora de ordem. É aí que alguém dispara….”isso importa?”

Depois de anos sofrendo nas mãos do sistema hollywoodiano, Orson Welles, talvez, estaria pouco interessado em apresentar uma trama linear e previsível, mas sim a moldando para se fazer uma forte crítica a própria máquina do entretenimento. Isso é perceptível na própria figura J.J. Jake Hannaford, que mais parece estar interessado em brincar contra aqueles que sempre lhe sugaram do que entregar um projeto propriamente dito. Os derradeiros minutos finais nos faz a gente se dar conta de que a trama, enfim, é o próprio Welles nos dizendo que temos a livre espontânea vontade de amar ou odiar a sua obra, pois uma vez concluída a gestação cabe o tempo julgar se toda essa encruzilhada foi realmente necessária.

"O Outro lado do Vento" é o exemplo de como Orson Welles era o típico rei fora do jogo de xadrez e nós temos mais do que agradecer.


Onde Assistir: Netflix 

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segunda-feira, 10 de agosto de 2020

Cine Dica: Mostra online de cinema reúne obras da vinda ao Brasil de Orson Welles em 1942

 Histórias descontinuadas, brasilidade e cinema: próxima mostra da Sala Redenção reúne tudo isso em quatro filmes

Entre os anos 1960 e 1990, um diretor brasileiro buscou retratar a inacabada tentativa de outro diretor, norte-americano, em apresentar ao mundo a complexidade do que é Brasil e do seu povo. A mostra de agosto da Sala Redenção, Nem tudo é Orson Welles, reúne histórias dentro de histórias, que, nesse emaranhado, remonta fragmentos de quem foram Rogério Sganzerla, Orson Welles e Grande Otelo.

A partir do dia 7, estará disponível, no perfil do Facebook da Sala Redenção, os links para acessar a tetralogia de filmes dirigidos por Sganzerla, se estendendo até o dia 21 deste mês – confira clicando aqui. Ainda no dia 13 de agosto acontecerá uma conversa virtual sobre as exibições, no canal do Youtube do Departamento de Difusão Cultural com a equipe da Sala Redenção e um convidado especial.

O fio começa em 1942, quando o cineasta Orson Welles partiu para territórios tropicais com a missão de introduzir o país de dimensões continentais aos outros continentes. Para personificar com esmero a brasilidade (ainda que de forma minúscula se posta ao lado da imensa realidade), o ator Grande Otelo é convocado – para Welles, não haveria escolha melhor. Não contava o diretor de Cidadão Kane, no auge da sua carreira, que seria impossibilitado de cumprir a missão. 

Fascinado por esse feito-não-feito, talvez por identificação pessoal, Rogério Sganzerla percebeu na impossibilidade de Welles sua possibilidade. Distribuiu em quatro produções a história da visita do cineasta ao Brasil, um misto de especulações e fatos. Quem sabe a única certeza que se mantém intacta nas duas tramas – a real e a ficcional – é a excelência de Grande Otelo. Ou melhor, Sebastião Bernardes de Souza Prata. Também é sinônimo de riso, drama, cor, calor e intensidade.

As histórias de Grande Otelo e Orson se misturam tanto na vida, quanto nos documentários encenados de Sganzerla. Deixe-se envolver por essas descontinuidades históricas – dos homens, do cinema e do país. Acompanhe a tetralogia através do link.


Nem Tudo É Orson Welles

Era meados da Segunda Guerra Mundial quando Orson Welles visitou o Brasil em uma missão diplomática disfarçada de filmagem para um documentário sobre a América Latina, sob o título It’s All True, em português, é tudo verdade. Portanto, independentemente das intenções, não era um filme de mentira, principalmente para Welles, que talvez acreditasse no cinema mais do que em qualquer outra coisa. Welles se entregou de corpo e alma, segundo dizem, para essa produção que acabou interrompida na metade, seus rolos foram encontrados anos depois no porão de um estúdio, depois de ter-se acreditado que haviam sido jogados no mar. Um filme que tornou-se eternamente incompleto. E a vinda de Welles é, de certa forma, uma história sobre interrupções.

É difícil mensurar o que é verdade e o que é mentira em Orson Welles e sua visita ao nosso país, já que sua existência é formada de especulações. Jovem diretor confiante e destemido, esse tipo de personalidade acaba se retroalimentando por todos aqueles que querem contribuir com alguma especulação para a construção do mito. Rogério Sganzerla foi um desses assombrados pelo incerto. Além de companheiro de Helena Ignez, Sganzerla foi crítico, diretor de cinema e assumidamente fascinado pelo diretor norte-americano. Considerava Welles um fenômeno da comunicação do século XX e a vinda dessa figura ao país mais comunicativo das américas (quem sabe do mundo), criou uma série de incomunicabilidades que intrigaram o diretor brasileiro desde muito jovem.

Sganzerla realizou quatro filmes sobre esse episódio durante a segunda metade de sua carreira. Nem tudo é verdade (1986), Linguagem de Orson Welles (1991), Tudo é Brasil (1997) e Signo do caos (2003) são embaralhamentos de documentos e encenações que tentam de alguma forma ilustrar essa visita e a personalidade desse explorador. Investigam o desconhecido, assim como fez Welles no Brasil, que se integrou com facilidade à nossa paisagem. Não sei se por puro deslumbramento tropical, típico do explorador colonizador do bem, tentando descrever as coisas sem usar a palavra “exótico”; ou se Welles de fato se sintonizou com alguma parte transcendental do “ser” brasileiro, essa coisa de lidar constantemente com o inesperado.

Mas nem tudo é Orson Welles. Figura fundamental desse processo de abrasileiramento do diretor é Grande Otelo, ator, compositor, cantor e “cachaceiro presidente”, segundo consta na “carteirinha de cachaceiro” dada à Welles em uma das sabe-se lá quantas idas dos dois ao bar. Sebastião Bernardes de Souza Prata, o Grande Otelo, não apenas atuou em algumas cenas do incompleto It’s All True, também esteve em mais de cem filmes, produções de televisão, palcos e rodas de samba. Na época ainda não havia feito metade do que chegou a fazer, mas foi reconhecido por Welles como o maior ator brasileiro. Existiu, nessa relação, a lenda da promessa de levá-lo para Hollywood para tornar-se estrela, o que nunca se concretizou.

Sganzerla, assim como outros diretores da sua geração, admirava Grande Otelo. Deu à ele destaque nessa intermediação entre o ator brasileiro e o estadunidense. Otelo como personificação de um cinema nacional pulsante, cuja voz remonta à esse passado sempre meio próximo e meio distante demais, de um mundo que explodia numa guerra mundial enquanto o Brasil “crescia” para os padrões imperialistas e os EUA ainda tinham algum interesse em estreitar convenientemente as relações com o povo latino-americano. Mas é sabido que essa presença estadunidense em nossas terras favoreceu uma interferência no campo político, culminando, entre outras coisas, no Golpe Militar, em 1964. O resultado disso em nosso cinema foram os apagamentos, as perseguições, os exílios, as carreiras impossibilitadas. It’s All True nunca foi completado, assim como a promessa de um movimento cinematográfico extremamente rico surgido na geração de Sganzerla, nas décadas de 60 e 70. Dada as proporções, principalmente de orçamento, a frustração de uma possibilidade impossibilitada existe tanto em Sganzerla, quanto em Welles nesse sentido. 

Talvez o Brasil tenha sido arrebatador para os bolsos de seus produtores, assim como foi para Welles; ou talvez esses produtores não tenham se agradado com o olhar desse diretor diplomata voltado à um artista negro, como Grande Otelo, transbordando talento e brasilidade. Esses quatro filmes de Sganzerla investigam essas incompletudes, tendo a figura de Otelo como mediador, e esse novo ciclo da Sala Redenção pretende relembrar essa figura, cujo reconhecimento pode parecer só especulação para aqueles que dependem de mídias que monopolizam o imaginário artístico brasileiro, mas que é completamente real e verdadeiro para a história do nosso cinema. Como reflete Sganzerla sobre esse processo: “há certas verdades que surgem como blasfêmias e terminam como superstições.”

Texto: Victor Souza, bolsista da Sala Redenção e curador da mostra.

Confira a programação completa no site oficial da Sala Redenção clicando aqui.