Quando Philip K. Dick escreveu o seu livro "Androides Sonham com Ovelhas Elétricas?" talvez o mesmo nem imaginava que a sua obra chegaria tão longe. O livro deu origem a "Blade Runner" (1982), um dos filmes mais cultuados de todos os tempos e que levantou diversas questões sobre o que nos faz realmente humanos perante a possibilidade da própria inteligência artificial questionar e desejar em querer viver. Curiosamente, no mesmo ano em que o filme de Ridley Scott foi lançado, no Japão o roteirista e desenhista Katsuhiro Otomo lançou o seu mangá "Akira", obra que posteriormente renderia uma incrível adaptação para o cinema em 1988 e que possuía os mesmos questionamentos existencialistas vistos a partir do conceito levantado inicialmente por Philip K. Dick.
Tudo isso gira em torno do conceito Cyberpunk, palavra originada a partir da cibernética, traz uma visão de universo underground da sociedade, ou seja, visão de contracultura, pois foge dos padrões impostos na intenção de obter novos espaços para expressão. Simplificando, uma realidade em que humanos e a inteligência artificial se separam somente através de uma linha muito fina e fazendo a gente questionar em que ponto começa e termina o lado humano deste cenário pessimista. Juntando tudo isso chegamos então a "Ghost in the Shell - O Fantasma do Futuro" (1995), filme que está completando trinta anos e que até hoje nos levanta vários questionamentos.
Dirigido por Mamoru Oshii, e com roteiro de Masamune Shirow que é autor do mangá que deu origem ao projeto, o filme se passa no ano de 2029, onde o mundo se tornou um local altamente informatizado, a ponto de os seres humanos poderem acessar extensas redes de informações com seus ciber.-cérebros. A agente cibernética Major Motoko é a líder da unidade de serviço secreto Esquadrão Shell, combatente do crime. O governo informa ao grupo de que o famoso hacker conhecido "Mestre das Marionetes", especialista em invadir e controlar o ciber-cérebro das pessoas, está no Japão.
Ja na abertura o filme já nos diz que estamos diante de algo diferente, tanto para época do seu lançamento, como até mesmo para os dias de hoje. Alinhado com os melhores técnicos de animação do Japão, Mamoru Oshii criou um longa em que o desenho tradicional se alinhou com uso do CGI em animação que na época ainda era novidade para o grande público, mas que já havia dado sinais de que mudaria o mercado cinematográfico a partir de filmes como "Parque dos Dinossauros" (1993) e "Toy Story" (1995). O que se vê na tela é a união perfeita destes dois mundos, onde um não se sobressai sobre o outro, mas sim colaboram para nos brindar com um grande espetáculo.
Se percebe, por exemplo, como os realizadores buscaram cenários reais para a criação do universo futurístico, onde podemos reconhecer facilmente a cidade de Tóquio, como se ela tivesse transcendido para algo novo e poucas vezes visto no cinema. Assim como "Blade Runner, o longa de Mamoru Oshii é um daqueles tipos de filmes com tantos detalhes visuais que quando você revê a obra mais de uma vez parece que estamos diante de algo que não havia sido captado anteriormente. Se isso é sentido pelo lado visual, o mesmo pode ser dito na questão roteiro que é desde já fantástico.
Durante todo o filme a protagonista Major Motoko fica se questionando até onde ela é humana, se as suas lembranças são verdadeiras e se não existe a possibilidade de estar sendo manipulada por algo maior. Por conta disso, o antagonista o mestre dos Fantoches acaba sendo uma espécie de reflexo de suas dúvidas, já que ele é uma inteligência artificial que vaga livremente por todo o sistema, mas que enxerga limitações a partir do momento em que acredita que seja necessário fazer parte de um corpo humano. O encontro entre os dois personagens culmina em um final antológico e que se casa com a proposta principal da obra em apresentar algo novo a partir da fusão do modo tradicional e computadorizado na realização do longa e ser apresentado para o grande público.
Não posso deixar de mencionar a fantástica trilha sonora do longa composta por Kenji Kawai, que buscou usar elementos da música folclórica Búlgara misturadas com a tradicional japonesa e resultando em outro elemento técnico, porém, bastante orgânico e se tornando uma peça essencial para o longa como um todo. Curiosamente, a primeira vez que eu soube sobre o filme foi exatamente no ano de seu lançamento através de uma matéria da revista semanal Heróis, quando o longa foi exibido na Mostra Internacional de Cinema em São Paulo. Posteriormente a distribuidora FlashStar cogitou exibir Ghost in the Shell nos cinemas antes de lançar direto em vídeo, em 1998, e DVD, em 2001.
Revendo o filme nos damos conta que ele não somente envelheceu muito bem, como também serviu de inspiração para a criação de novos longas metragens. As próprias irmãs Lana Wachowski e Lilly Wachowski disseram que eram grandes fãs do longa japonês e que buscaram inspiração nele para a realização de "Matrix" (1999), sendo que isso é comprovado principalmente nos famosos algoritmos do filme e que são muito semelhantes ao que é visto no longa de Mamoru Oshii. Claro que houve também outros longas metragens, e até mesmo uma versão norte-americana, na tentativa de repetir o mesmo feito, mas nada que supere essa grande obra como um todo.
Trinta anos já se passaram, mas "Ghost in the Shell - O Fantasma do Futuro" ainda é um marco da ficção científica e que mudou a forma de se fazer animes para o cinema.
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