Sinopse: O jovem Alex passa as noites com uma gangue de amigos briguentos. Depois que é preso, se submete a uma técnica de modificação de comportamento para poder ganhar sua liberdade.
O fascismo surge através do interesse pelo controle, da propaganda contra o crime e passar o interesse de paz para aqueles que se dizem cidadãos de bem. Se atualmente vivemos em governos autoritários pelo mundo a fora não se surpreenda, pois isso já é coisa velha e da qual nós lutamos contra o mesmo quando a causa parece perdida. O desejo pelo controle vindo do estado serviu de modelo para diversos escritores criarem tramas que retrataram o futuro da humanidade de uma forma nada promissora, ou mais precisamente presos pela coleira.
O clássico literário "1984" de George Orwell foi um dos percursores desse movimento, onde mostrava o povo sendo comandando pelo "grande irmão' e sempre viajado pelo mesmo a todo momento. Não tardou para outros escritores explorarem essa mesma linha de raciocínio e coube um certo escritor inglês explorar isso mais a fundo. Após servir a guerra em prol do país, Anthony Burgess se viu perplexo ao ver a sua terra cada vez tendo um número maior de gangues formada por jovens violentos e que não mediam esforços para transformar as ruas em um verdadeiro inferno.
Essa imagem serviu para estourar a sua mente e elaborando o que talvez seja a sua maior obra prima, "Laranja Mecânica" e lançada em 1962. A trama se passa em um determinado futuro, onde um jovem violento chamado Alex, líder de uma gangue de delinquentes que matam, roubam e estupram, cai nas mãos da polícia. Preso, ele recebe a opção de participar em um programa que pode reduzir o seu tempo na cadeia. Alex vira cobaia de experimentos destinados a refrear os impulsos destrutivos do ser humano, mas acaba se tornando impotente para lidar com a violência que o cerca.
Se tornando um verdadeiro sucesso de vendas na época não tardou para que a obra literária ficasse no radar engravatados de Hollywood, mas fazendo muitos fãs temerem o fato que adaptação não faria jus se fosse comparada a sua fonte original. Coube então a tarefa para Stanley Kubrick, que vinha de grandes sucessos do cinema como, por exemplo, "2001 - Uma Odisseia no Espaço" (1968) que dispensa apresentações. A tarefa não era fácil, mas muitos fãs da época sabiam que a obra estava em boas mãos.
Alex foi vivido pelo jovem ator Malcolm McDowell, que na época já havia chamado atenção da crítica especializada pelo filme "Se.." (1968) de Lindsay Anderson. Ao dar vida ao protagonista McDowell criou para si uma de suas melhores atuações da carreira e que serviu de inspiração para inúmeros atores futuramente, como foi no caso de Heath Ledger que buscou inspiração nele para construir o seu Coringa em "Cavaleiro das Trevas" (2008). Logicamente, o ator sofreu o diabo nas mãos perfeccionistas de Kubrick, ao ponto de quase ficar cego na famosa cena em que o seu personagem está sendo submetido ao experimento.
Perfeccionismo é talvez palavra chave do cineasta ao fazer esse filme, onde cada cena filmada foi muito bem pensada ao ser realizada. Os magníficos planos-sequências que dão uma dimensão maior em cada um dos seus cenários, além de destacar uma edição de arte futurista, porém, familiar e que não envelheceu mesmo nos dias atuais. Aliás, a Inglaterra futurística vista no filme não é muito diferente do que era vista naquela época, sendo que a violência daqueles tempos estava cada vez mais explodindo e tudo indo para o colo de um governo que tinha realmente interesses escusos de controlar a violência através dos jovens detratores.
O filme fez um enorme sucesso em 1971, sendo bem recebido nos EUA, mas sendo perseguido pelo governo inglês, ao ponto de Kubrick e sua família terem sido ameaçados de morte. No Brasil, o filme foi banido durante a ditadura militar até 1978, quando o filme foi lançado em uma versão com pontos pretos cobrindo os genitais e seios dos atores em cenas de nudez. Isso só comprova o lado hipócrita do governo daqueles tempos, já que os nossos cinemas eram tomados pelas nossas pornochandas mas a censura nunca se intrometia.
Não me surpreenderia se os milicos da época que comandavam o país dentro do Palácio do Planalto se viam de uma forma que eles não gostariam de se ver no filme, muito embora o desejo pelo controle era mais do que visível mesmo quando eles diziam ao contrário. Tanto a obra literária como a sua adaptação nasceu para incomodar, para nos dizer que essa sociedade hipócrita cria os seus próprios monstros para depois abandona-los e deixá-los a própria sorte nas mãos do estado autoritário.
Revisto hoje o filme se mantem mais atual do que nunca, onde vemos governos controlando as mentes e opiniões das pessoas, mas não através de técnicas vistas na obra, mas sim através de fake news disparadas por redes sociais e que cada vez mais controlam o público no seu devido tempo. Anthony Burgess talvez não tenha previsto esse tipo de controle, mas a sua previsão com relação aos desejos vindos do estado ainda continua incomodando ao seu modo.
Cinquenta anos já se passaram, mas "Laranja Mecânica" continua como uma obra prima a frente do seu tempo, do qual ainda incomoda poderosos e nós somente agradecemos por isso.
Nota: No sábado, 27 de novembro, às 23h59, a Cinemateca Capitólio de Porto Alegre realiza uma sessão da meia-noite com o filme Laranja Mecânica, obra incontornável de Stanley Kubrick que completa 50 anos em 2021. Os ingressos (R$ 10,00) serão vendidos a partir das 15h30 de sábado, 27 de novembro.
2 comentários:
Gostei do comentário e da análise com Orwell. Assisti Laranja Mecânica em são Carlos SP quando havia uma sessão chamada "maldita", às 10 da noite, era promovida pela UFSCAR. Muitos filmes rolaram por lá, daqueles que vale a pena assistir.Valeu!!!
Digo o mesmo. Continue visitando o meu blog de cinema.
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