Certos filmes são necessários uma segunda revisão, para então você compreendê-lo melhor, pois a obra pode possuir tantas camadas que muitas você não consegue digerir à primeira vista. "Pulp Fiction" (1994) é um dos meus filmes preferidos, mas que eu não havia capitado de imediato a sua total dimensão na primeira vez em que eu havia assistido, sendo que isso também vale para a minha mãe que detestou na primeira vez que ela viu. Após uma segunda revisão eis que o filme nos pegou de jeito, onde ele cresceu de tal maneira que comecei a me viciar em assisti-lo diversas vezes e chegando ao ponto de decorar diversas frases que ficariam na memória de qualquer cinéfilo.
Antes de tudo é preciso esclarecer como eu conheci Tarantino, sendo que na época eu era um adolescente que não tinha tanto conhecimento de cinema como agora. Quando eu assisti pela primeira vez o filme foi mais ou menos dois anos depois que a obra ganhou a Palma de Ouro de Cannes e foi exatamente assim que o SBT anunciava o filme quando ele seria exibido na saudosa Cine Belas Artes. Eu deixei o filme gravando em VHS, porém, tentei assisti-lo mesmo com sono, mas mal sabendo que a obra se tornaria uma das minhas favoritas até mesmo nos dias de hoje.
"Pulp Fiction" é o mais importante (e melhor) filme Americano da década de 90 e talvez de toda a história do cinema. O longa não somente se tornaria vencedor no festival de Cannes daqueles tempos, como também receberia um Oscar de melhor roteiro original para Tarantino mais do que merecido. Porém, eu ainda acho pouco para esse filme pop, nervoso, violento, mordaz, verborrágico e na maioria das vezes genial. Começa melhor e termina brilhantemente. Tem atuações perfeitas como de Samuel L. Jackson, Bruce Willis e marcando o retorno de Travolta em especial a uma cena de dança com Uma Thurman.
Se muitos achavam que "Cães de Aluguel" (1992) era o máximo que poderia esperar de Quentin Tarantino, muitos desses devem ter ficado de queixo caído com a revolução na forma de filmar e contar uma história que foi neste longa. Assim como o filme anterior, a trama explora o mundo dos gangsteres, mas de uma forma similar do que já foi visto, onde os diálogos afiados e muito espertos dominam durante todo o filme de uma forma que não tem como cansar deles, pois eles são soberbos e viciantes.
Mas o mundo daquela época não estava preparado para "Pulp Fiction", tanto que muitos conhecidos e amigos meus da época não entenderam a ida e vinda da história, sendo que muitos ficaram confusos, quando um dos personagens centrais da trama, morre repentinamente no meio do filme, para depois surgir ainda vivo perto do final do longa. Essa forma de se contar uma narrativa foi sem sombra de dúvida uma fórmula que Tarantino fez ao fazer o cinéfilo prestar atenção 100% com relação ao que estava vendo, sendo que ao longo dos anos essa forma de apresentar um enredo foi ainda mais aprimorada e atingido o seu auge em filmes como "Amnésia" (2001) e "21 Gramas" (2003). Tarantino ainda por cima não deixa de focar em nenhum momento os seus personagens, onde vemos eles não só falando, mas vendo suas mudanças de expressões no rosto a cada momento de acordo com a situação em que eles estão passando e fazendo das sequências quase uma espécie de filme documentário.
Como sempre, a trilha sonora é outro grande trunfo da trama, sendo que cada seguimento da história (dividida em quatro partes, mais um prólogo e um epilogo) possui suas músicas que de uma forma bem redondinha faz um belo casamento com as cenas, em especial, dos momentos em que os personagens de John Travolta e Uma Thurman estão conversando juntos na mesa de uma boate enquanto a música fica tocando e se alinhando com diálogos afiados. Aliás o seguimento onde aparece os dois lados a lado, é sem sombra de dúvida o melhor de toda a produção, já que ambos estão à vontade em seus respectivos personagens, onde imediatamente se cria um laço de sintonia de ambas as partes, sendo que os seus diálogos, assim como restante de todo filme, são extraídos dos pensamentos do próprio Tarantino e fazendo dos seus personagens os seus avatares como um todo. Uma Thurman nos brinda aqui com a sua melhor atuação da carreira e que merecia realmente ter levado um Oscar para casa, pois sua imagem de Mia Wallace (dançando com Travolta) ficou registrada para sempre na mente das pessoas. Samuel L. Jackson é outro que saiu ganhando através do seu personagem magistral Jules e fazendo se transformar em um ícone da cultura pop cinematográfica.
As cenas em que ele dispara (literalmente) palavras da bíblia, ou quando tenta buscar redenção quando excita em não matar um casal de assaltantes, são momentos em que até hoje Jackson tenta se superar, muito embora tenha chegado perto em "Jackie Brown"(1997) também de Tarantino. Falando no casal de assaltantes, ambos são vividos por Tim Roth e Amanda Plummer, sendo que quando eu assisti pela primeira vez ao filme eu achava que a história de ambos continuaria a partir daquele ponto, mas somente retornariam no ato final da trama, no mesmo restaurante onde eles haviam sido apresentados e dando de encontro com Jules em um momento de transição após os eventos em que ele e Vincent (Travolta) haviam passado. Curiosamente, se nota nestes momentos finais que há uma mensagem subliminar com relação a fé e redenção para esses personagens, mesmo estando envolvidos em crimes e violência, mas dos quais eles podem obter uma reviravolta em suas vidas.
Vale destacar que ao longo dos anos os fãs do filme levantaram inúmeras teorias sobre as mensagens subliminares, ou até mesmo situações não explicáveis no decorrer da trama, como do porquê de não aparecer o que tem dentro da maleta, ou qual o significado do curativo na nuca Marcelos Wallace e que foi interpretado Ving Rhames. Isso e muito mais serviu para aumentar a aura pop e status de obra prima do cinema que Tarantino lançou com esse filme, fazendo do cinema independente algo tão importante quanto as superproduções, que das quais pipocavam nos anos 90 e que na maioria delas se tornaram dispensáveis. Nada mal para um filme com orçamento modesto (R$12 milhões de dólares), ou seja, vindo do cinema independente norte americano, mas com um grande conteúdo significativo e que merece ser sempre visto e revisto pelo grande público.
Falando no cinema independente, na época do seu lançamento "Pulp Fiction" foi exibido em poucas salas dos EUA, mesmo tendo já ganhado a Palma de Ouro naquele período. Porém, devido ao bate e boca após cada exibição, o filme acabou obtendo um número maior de salas e fazendo da obra se tornar um dos grandes sucessos da época, obtendo mais de R$ 200 milhões de dólares nas bilheterias mundiais e abrindo assim as portas para que o cinema independente obtivesse maior prestígio. A partir de "Pulp Fiction" sempre surgiram nomes que foram chamados como "novo Tarantino", como no caso de Paul Thomas Anderson e Guy Ritchie, pois a linguagem dos seus filmes fazia com que os críticos fizessem essa comparação, pois era inevitável.
"Pulp Fiction" influenciou uma geração inteira de cineastas, seja eles nos EUA ou do mundo a fora. Curiosamente, é interessante observar que Tarantino criou algo através de tudo o que ele havia apreciado ao longo de sua vida, seja através do cinema, da música, livros, HQ e tudo levado para os seus filmes e que revelam a sua visão com relação ao mundo em que vivemos e que até hoje somos envolvidos em uma cultura cinematográfica que começou a partir de 1994. Nada mal para um rato de locadora e que se formou assistindo diversos filmes em VHS enquanto trabalhava.
"Pulp Fiction" é um filme que quebrou as barreiras de sua época, ao levar para as telas diversas tramas interligadas e nos brindando com os melhores diálogos da cultura pop da história do cinema.
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