Quando era criança eu sempre aguardava para assistir na tv os especiais de natal, ou especificamente os filmes em que a festa natalina fazia parte da história. Clássicos como "Rudolph, a Rena do Nariz Vermelho" (1964), "Esqueceram de Mim" (1990) e o "Fantástico Mundo de Jack" (1993) fazem parte de uma época em que os anos demoravam a passar e quando o natal chegava esses clássicos faziam com que a data festiva se tornasse ainda mais colorida. Embora eu tenha conhecido tardiamente "A Felicidade Não se Compra" (1946) é um dos maiores clássicos natalinos do cinema norte americano e motivos para isso é o que não faltam.
O diretor Frank Capra era o que melhor da "Era de Ouro do Cinema" em que sabia transitar o gênero comédia para momentos em que a dramaticidade era realmente necessária. Filmes como "Aconteceu Naquela Noite" (1934) e "A Mulher faz o Homem" (1939) são belos exemplos a serem lembrados, sendo que o último rendeu uma das melhores atuações da carreira de James Stewart. Com "A Felicidade Não se Compra" ele retornaria sua parceria com Capra e a decisão foi mais do que acertada.
Baseado em conto natalino de Philip Van Doren Stern, a trama se passa na cidade fictícia de Bedford Falls, na época de natal, onde George Bailey (James Stewart), que sempre ajudou a todos, pensa em se suicidar saltando de uma ponte, em razão das maquinações de Henry Potter (Lionel Barrymore), o homem mais rico da região. Mas tantas pessoas oram por ele que Clarence (Henry Travers), um anjo que espera há 220 anos para ganhar asas é mandado à Terra para tentar fazer George mudar de ideia, demonstrando sua importância através de uma realidade alternativa.
James Stewart quase não embarcou no projeto, pois estava cansado após os horrores da Segunda Guerra Mundial que ele havia testemunhado quando serviu. Porém, ele foi convencido por Lionel Barrymore após muita insistência e dizendo sempre que não haveria outro ator para interpretar o personagem, a não ser ele. Com o astro principal escolhido Frank Capra rodou a produção a todo vapor, mas ninguém imaginava o quanto seria colossal.
Para começar, a cidade Bedford Falls foi toda construída em estúdio e sendo considerada até hoje como um dos maiores cenários cinematográficos da história do cinema. Curiosamente, esse cenário ganha ainda mais brilho na versão colorida que o filme havia ganhando em 1986 e fazendo dela se tornar a favorita para muitos que assistem ao clássico até hoje na tv. Neste último caso, embora o filme não tenha se dado muito bem na bilheteria na época do seu lançamento, o mesmo acabou ganhando fãs através das exibições especais de natal de fim de ano nas tvs norte americanas e ganhando o seu merecido reconhecimento através das décadas.
Ao meu ver, a imagem de bom moço de James Stewart talvez tenha se fortalecido ainda mais através desse filme, pois o seu George é um verdadeiro Samaritano dentro da cidade e sempre disposto em ajudar alguém que precise. O filme é um retrato, mesmo que muito romantizado, do homem contra o sistema capitalista da época e que se empenha em conseguir realizar os seus desejos, mesmo que para isso tenha que adia-los. Ao se casar com sua paixão de infância Mary (Donna Reed), George acredita por um certo momento que ele adquiriu a verdadeira felicidade, mas mal sabendo das adversidades que viriam logo em seguida.
Na realidade, o filme já começa nos dando a informação que ele pretende se suicidar devido aos problemas financeiros. Porém, ele receberá ajuda de um curioso Anjo chamado Clarence (Henry Travers), que o impede de cometer suicídio, mas que ainda não sabe ao certo como ajuda-lo. Porém, George fala que preferia não ter existido e é então que algo imprevisível acontece.
Ao dizer essas palavras Clarence mostra para George uma outra realidade, onde ele não existe e fazendo com que, tanto a cidade em si como os habitantes de lá, tivessem um rumo diferente. Um ato final guardado a sete chaves, pois já sabíamos que o protagonista receberia ajuda de um anjo, mas pegando o público na época desprevenido com essa realidade alternativa inesperada e fazendo com que o filme se torne, mesmo por alguns minutos, algo sufocante, pois atuação de Stewart neste momento se sobressai de forma impressionante. Talvez para o público jovem de hoje que está acostumado com realidade alternativas dos filmes de super-heróis isso não soa uma novidade, mas para a época foi uma incrível surpresa para quem assistia.
Ao final, o filme nos passa a velha lição de valorizar a vida mesmo nos momentos de adversidades, pois elas passam independente do que aconteça. A vida de um afeta a vida de outras, seja de forma positiva ou negativa e se tornando importante para continuar com esse círculo continuo e o que faz de nós sermos humanos. Em 1990, o clássico foi considerado "cultural, histórica ou esteticamente significativa" pela Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos e selecionada para preservação em seu National Film Registry.
Recentemente apontado como o oitavo melhor filme de todos os tempos segundo a revista Variety, "A Felicidade Não Se Compra" ainda é considerado um dos melhores filmes natalinos de todos os tempos e agradecemos a Frank Capra por esse grande feito.
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