Sinopse: Nikita é condenada por matar um policial, mas recebe uma segunda chance.
O tempo é o melhor juiz com relação ao cinema, pois ele determina quando um filme será lembrado ou esquecido. É curioso, por exemplo, como muitos filmes dos anos setenta envelheceram bem ao longo do tempo, porém, o tempo não foi generoso com muitos filmes dos anos oitenta e noventa, ao ponto dos filmes de ação dessas duas épocas estejam cada vez mais datados a cada nova revisada. Os filmes de ação em que o homem forte representava um exército está desgastado e sendo lembrado somente com alguns títulos que ainda merecem ser lembrados e contados a dedo.
Contudo, os anos oitenta trouxeram alguma ousadia ao quebrar certos paradigmas, principalmente ao colocar mulheres a frente do elenco. Em "Aliens - O Resgate" (1986) Sigourney Weaver interpreta o que talvez seja a primeira grande mulher forte do cinema ao enfrentar alienígenas assassinos em que os homens não foram capazes de derrotá-los. O cenário, portanto, estava pronto para a entrada de "Nikita - Criada Para Matar" (1990) e dando um passo à frente do que seria uma heroína protagonista no futuro no futuro próximo.
Dirigido por Luc Besson, que posteriormente viria dirigir o ótimo "O Profissional" (1994), o filme conta a história de uma jovem viciada (Anne Parillaud) que durante um assalto mal sucedido acaba matando um policial. Condenada à morte, ela tem a sua vida poupada secretamente, pois uma organização secreta do governo acredita que sua tendência suicida possa ser utilizada em missões de grande risco. Assim, o potencial de uma marginal utilizado para missões especiais do Serviço de Inteligência.
O ano é 1990, a porta de entrada para uma nova de década, mas ainda carregando o peso da rebeldia de uma geração que esperava pela chegada de uma era mais colorida, mas que ficou só na promessa. Nikita pertence a essa geração perdida, sombria e cujo o único prazer é vindo da auto destruição até que alguém possa lhe ajuda-la. No momento em que ganha um novo começo nas mãos do agente Bob (Tchéky Karyo) se tem uma desconstrução da personagem.
O grande charme de "Nikita" está no fato do roteiro se encarregar de dar mais profundidade a personagem ao invés de se entregar somente em uma ação constante. Ação está lá, mas sempre em segundo plano, pois a protagonista já é uma peça em movimento constante e do qual desejamos prestar mais atenção nela do que uma mera explosão que possa surgir na tela. Anne Parillaud entrega no que talvez seja o melhor papel de sua carreira e cuja sua personagem serviu de modelo a quase todas heroínas de filmes de ação que viriam a surgir nos anos seguintes.
Sucesso de público e de crítica, o filme foi rapidamente refilmado para uma versão norte americana e estrelada pela atriz Bridget Fonda, além de gerar mais duas séries televisivas. Porém, nenhuma dessas versões obteve o mesmo êxito e não sobrevivendo ao teste do tempo. Se o filme de Luc Besson sobreviveu até aqui se deve graças a sua visão perfeccionista de uma personagem cheia de camadas complexas e da qual nem a própria pode contê-la.
Em termos técnicos, tanto a fotografia como a edição de arte sintetizam a transição de uma geração delinquente a ter que passar por uma reeducação para os novos anos que viriam, mas que nem o próprio governo seria capaz de conte-los por muito tempo. Olhando para trás se percebe que o sistema controlador até dava um pingo de esperança para um novo começo, mas tendo que digerir o fato de que o indivíduo jamais deixará de ser controlado. O final vemos a protagonista sumir do mapa, deixando as possibilidades em aberto e talvez nos dizendo em ter que escolher em ser aceito por um sistema em que nos controla, ou ser livre e seguir uma vida fora do radar do grande irmão que nos observa no dia a dia.
Com participação mais do que especial do ator Jean Reno, "Nikita" é um filme sobrevivente perante o tempo implacável e sabendo dialogar muito bem com o nosso período.
Onde Assistir: A venda em DVD pela distribuidora Classicline