O UNIVERSO INTERIOR DE LUIS BUÑUEL
Não é de hoje que o ser humano
tem certa dificuldade em tentar se expressar, sem se preocupar em ser rotulado
pelos outros, talvez por temer por ser excluído ou até mesmo ser rotulado como louco. Em tempos mais
conservadores a situação era bem pior, porém, houve pessoas que arriscaram o
seu próprio pescoço para dizer o que bem entendesse que na maioria dos casos,
foi através da literatura como do Marques de Sade, que para muitos era um gênio,
outros (como a igreja católica), consideravam subversivo e pagão. Em uma de
suas muitas declarações, Luis Buñuel disse uma vez, que caso não fosse um
cineasta, seria com certeza um escritor. Atualmente fica até difícil imaginar
uma realidade em que ele fosse somente envolvido na literatura, mas acredito que
se houvesse algo que ele quisesse escrever, com certeza ele passou tudo o que
ele queria passar de um livro, para a tela de um cinema.
Todo mundo conhece Buñuel por não
ser somente um cineasta ousado pela criação de seus filmes que fascinam, mas
por suas declarações polemicas, como a tão famosa frase, “sou ateu graças a
Deus”. Mas o buraco é muito mais fundo
do que se possa imaginar, pois acredito que Buñuel não era uma pessoa descrente
com relação a um ser superior, mas que gostava de ter a mais pura liberdade
para se expressar do que pensava e sentia com relação a determinados assuntos e
que com certeza não estava gostando dos rumos que a igreja católica tomava em
sua época até a sua morte. Em seus filmes, ele gostava de expressar o que sentia
no mais fundo do seu consciente, e se por um lado houve pessoas que o rotularam
como louco outros viram que as imagens estranhas (principalmente de filmes como
Cão Andaluz e a Idade Do Ouro), eram uma forma dele se expressar o que ele sentia e
que por mais que possa ser estranho dizer, nada mais era também, do que sentimentos
que ás outras pessoas guardavam para si.
No final do filme a Idade do Ouro,
por exemplo, vemos uma rápida adaptação de um dos contos de Marques de Sade, em
que um Duque sai de um castelo, onde está acontecendo uma orgia que dura há dias e para a surpresa
de muitos na época, o Duque tem a cara de Jesus Cristo. Em Paris, o cinema que
passava esse filme naquele tempo (inicio dos anos 30), foi completamente incendiado
e por vários anos o filme se tornou proibido por lá, mas o que esperaria de um
homem, que até mesmo disse uma vez que sentia atração sexual pela Virgem Maria?
Era de se esperar algo do mesmo nível!
Mas acredito que o que ele quis sempre
passar, não era somente o que ele sentia, mas o que todos nos às vezes sentimos
ao longo da vida, mas que tínhamos medo de dizer publicamente seja com relação
a opiniões ou pensamentos que para muitos é um verdadeiro tabu. Eu por exemplo,
nunca senti o que ele sentiu com relação à imagem a Virgem Maria, mas quando eu
era pequeno, sentia certo medo de ficar olhando, não só para ela, mas como
também a imagem de Jesus Cristo. Com o tempo, essa sensação que tinha logo foi
se dissipando e comecei a seguir sempre a religião dos meus pais (católica),
mas não vejo a imagem da Virgem Maria como algo sagrado e sim há vejo como uma
mulher bem afortunada por ter sido escolhida para a criação do filho de Deus.
Os meus sentimentos internos por fim, dariam um ótimo filme com Buñuel no
controle e imagine então se todos nos tivéssemos tido uma oportunidade de
colocar para fora os sentimentos para ele. Com certeza ele teria grande
material para filmar.
SURREALISMO,
CONSIENCIA E SONHOS
Em Cão Andaluz, o filme começa
com o típico letreiro de “era uma vez”, para então vermos um homem (o próprio Buñuel)
afiando uma lamina. Imediatamente o homem vai para uma sacada, observar uma
nuvem cortando a lua cheia, cuja cena se casa com o homem cortando um olho de
uma mulher. A cena chocante, imediatamente deixa a pessoa, tão acostumada com
começo, meio e fim de uma trama, ficar se perguntado o que exatamente viu
anteriormente. A Trama se segue, em cenas que aparentemente confusas, que a única
coisa que se pode tirar dali e compreender, é de uma relação complicada de um
casal, envolvido em momentos, em que homem vê sua mão se encher de formigas,
para então depois a mesma mão, aparecer cortada no meio da rua.
Com a ajuda do Salvador Dali, um
dos grandes representantes do surrealismo da época, Buñuel quis fazer uma espécie
de conto vindo de um sonho, ou simplesmente expressar os seus sentimos que
tinha em sua consciência em celulóide, mas por mais que tente explicar os significados
das imagens, sempre haverá novas interpretações para serem levantadas, pois Cão
Andaluz é o típico filme que possui tantas camadas de interpretação, que pode
muito bem se escrever um livro sobre o assunto. Imagine então se o filme fosse
um longa metragem, mas em pouco mais de 15 minutos, foram o suficientes para
entrar para historia, sendo que para alguns, é o melhor que expressa a consciência interior do cineasta. Falando em
consciência, não me surpreenderia se ele tivesse a capacidade de nos hipnotizar
e enganar nossa perspectiva, pois é fato que ele aprendeu muito sobre hipnotismo
quando era jovem. No filme Esse obscuro Objeto de Desejo, vemos uma
protagonista, que faz de tudo para manter uma obsessão a um homem mais velho. O
que poderia ser retratado de uma forma simples, Buñuel nos prega uma de suas
maiores peças de sua carreira, onde simplesmente troca a atriz por outra, sem
mais nem mesmo e o que é mais assustador, foi o fato que a maioria do publico
(e eu) não percebeu num primeiro momento a troca das atrizes. Sinceramente, não
me lembro de algo parecido em outro filme e que com certeza jamais acontecera
algo semelhante, nem mesmo com a mais alta das tecnologias atuais, mas que
bastou com simplicidade (com hipnotismo?) para Buñuel passar a perna na gente com maestria.
UMA AULA DIFERENTE DAS OUTRAS
Escrevo tudo isso sobre esse
cineasta, pois ainda estou sobre efeitos dos dois dias do curso sobre ele, que foi criado pelo
CENA UM e ministrado pelo escritor Mario Alves Coutinho. Diferente dos outros
cursos que eu participei a intenção da atividade não era para dissecar cada
filme do cineasta, mas sim, tentar pelo menos chegar perto sobre quem era esse
homem e do porque ele fazia os filmes dessa forma. A minha conclusão, é como eu
disse acima, de que ele era mais humano do que qualquer um, mas tinha mais
coragem do que muitos, para passar na tela o que ele pensava e dizia com relação
ao mundo em que vivia. Buñuel se foi em
1983, mas deixou um legado a muito a ser analisado e discutido, principalmente
hoje, num mundo em que cada vez mais as pessoas têm a mente aberta e que vivem
um pouco mais livres para se expressar e
dizer o que bem entender. Buñuel talvez tenha visto o futuro e já havia um bom
tempo se adiantando. Nos cinéfilos só temos que agradecer.
“O
acaso é o grande mestre de todas as coisas. A necessidade só vem depois, não
tem a mesma pureza."
Luis
Buñuel
Leia também: Especial, o
Cinema Surrealista de Luis Buñuel: Partes 1,2,3,4,5,6 e 7