Sinopse: jovem abandona os estudos para servir ao exército durante a guerra no Iraque.
Vindos da direção de seriados de tv, os irmãos Russo surpreenderam o mundo quando foram dirigir "Capitão América - Soldado Invernal" (2014), sendo que esse é apontado por muitos como o melhor filme solo do personagem. Após o sucesso de público e crítica, ambos foram incumbidos de dirigir "Capitão América - Guerra Civil" (2016), "Vingadores - Guerra Infinita" (2018) e "Vingadores Ultimato" (2019), todos se saindo bem sucedidos e fechando com chave de ouro a última fase recente do estúdio no cinema. Nada mal para dois cineastas que foram convidados logo cedo para dirigir projetos tão grandiosos, mas fazendo a gente se perguntar como chegaram a esse tamanho feito.
Acusada de não dar liberdade criativa para os seus diretores em sua primeira fase, os executivos da Marvel se viram na obrigação de provar ao contrário e começando pelos irmãos Russo, mesmo eles sendo desconhecidos pelo grande público. O segundo filme do Capitão é uma aula de edição frenética, quase um balé e que não deve em nada aos outros filmes de ação que ousam ir além. Tendo carta branca para dirigir qualquer projeto, os irmãos Russo lançam agora "Cherry - Inocência Perdida" (2021), filme que eles demonstram total liberdade criativa, mesmo nos momentos em que eles derrapam na curva.
Baseado no romance de Nico Walker, o filme conta a história de Cherry (Tom Holland), um rapaz que decide se alistar para o exército enquanto a sua namorada Emily (Ciara Bravo) vai estudar no Canada. Após a prestação de serviços, Cherry começa a ter estresse pós-traumático retornar do Iraque. Ao tentar conter a doença, ele vira assaltante de bancos para sustentar seu vício em drogas que o deixa endividado.
Já no prólogo podemos concluir que veremos os irmãos cineastas fazendo o que bem entenderem em sua obra. Nos primeiros minutos, por exemplo, testemunhamos o protagonista quebrar a quarta parede para falar com a gente enquanto os cineastas molduram esses momentos com muita câmera lenta e fotografia que transita entre o lado sombrio e tempos mais dourados do personagem. São elementos que são os suficientes para obter a nossa atenção, já que o filme começa com o protagonista a beira do precipício enquanto nos é apresentado um flashback sobre o seu passado e revelando os motivos que o levaram a ter chegado naquele ponto.
É aí que os cineastas perdem um pouco do seu controle criativo, já que apresentação do personagem, além de explorar a origem da sua relação com a personagem Emily, fazem com que eles se estendam por demais a trama que, ao meu ver, poderia ter sido facilmente encurtada em seu primeiro ato. O ritmo começa a melhorar a partir do momento em que o protagonista embarca para uma guerra a partir de uma decisão tola e encarando os horrores que mal ele imaginava. Para os cinéfilos com olhar atento, é notório que aqui os irmãos Russo prestam homenagens aos filmes como "Soldado Anônimo" (2005) de Sam Mendes e ao clássico "Nascido para Matar" (1987) do mestre Stanley Kubrick, sendo que esse último me veio na memória rapidamente nas cenas em que Cherry passa maus bocados no treinamento básico.
Claro que sempre haverá uma espécie de Déjà vu ao assistirmos a esses momentos, mas é neste ponto que os irmãos Russo se aproveitam para criar uma edição ágil e que sintetize os horrores da guerra, tanto física como mental que o protagonista irá passar. Curiosamente, é como se estivéssemos assistindo a dois filmes, já que após a passagem da guerra o protagonista sucumbe as drogas junto com a sua agora esposa para tentar exorcizar os horrores que ele havia testemunhado no conflito. Para o cinéfilo, é perceptível que os cineastas buscaram inspiração em "Trainspotting - Sem Limites" (1996) e "Réquiem para um Sonho" (2000) para criar o cenário tenebroso do mundo das drogas que os protagonistas sucubem dali em diante.
Se por um lado é notório que haja uma falta de um olhar mais original para elaboração destes momentos, do outro, se percebe também que os cineastas se sentem mais livres em fazer o que bem entender neste projeto e cuja essa liberdade eles não teriam por completo em um estúdio como da Marvel. Falando nisso, Tom Holland nos passa uma total liberdade na construção do seu personagem, já que o mesmo transita entre a dor física e mental perante duas guerras distintas uma da outra, mas das quais o sugam e o transformam como um todo. Embora um tanto jovem para o papel, se percebe que o ator se entregou por completo para o personagem e se distanciando e muito de sua imagem como o Homem Aranha atual do cinema.
A descida o para o inferno que o personagem experimenta não é muito diferente de muitos soldados norte-americanos que foram jogados para uma guerra insana e posteriormente serem jogados na sarjeta. O filme se encaminha para um final perfeito, porém, faltou um pouco de coragem da parte dos cineastas em deixar mais em aberto sobre o destino do protagonista. Ao invés disso, nos é apresentado um epílogo que nos dá certo alívio depois de tudo o que o personagem havia passado, mas também nos passando a sensação de que não era realmente necessário.
"Cherry - Inocência Perdida" é um filme sobre várias guerras, sendo que algumas não anunciadas acabam se tornando até mesmo as mais impiedosas.
Onde Assistir: Apple TV+