Sinopse: Duas mulheres, Janis e Ana, dividem o quarto de hospital onde vão dar à luz. As duas são solteiras e ficaram grávidas acidentalmente.
Pedro Almodóvar possui uma sensibilidade descomunal ao criar uma visão pessoal sobre o universo feminino e ao mesmo entrelaça-lo com a sua vida pessoal em vários aspectos. No meu entendimento, os últimos filmes do realizador que inclui "Julieta" (2016) e "Dor e Glória" (2019) procuram se enveredar até mesmo por questões políticas que o realizador testemunhou ao longo de sua vida, mesmo tendo ficado somente nas entrelinhas. "Madres Paralelas" (2021) talvez seja o filme mais político do cineasta, mesmo quando o tema fica em segundo plano, pois a questão fica explicitamente quando se é destacado.
Em "Madres Paralelas", duas mulheres dão à luz no mesmo dia e no mesmo hospital. Uma delas Janis, de meia idade, não teve a gravidez planejada, mas já se sente preparada para ser mãe. A outra que se chama Ana, adolescente, engravidou por acidente e sente medo do que está por vir. A partir de suas experiências, as duas criam um forte laço unido pela maternidade.
O tema central da trama já é algo visto a bastante tempo por outras mídias, sendo que não é novidade nenhuma para os brasileiros que acompanharam novelas que se explora dilemas semelhantes vistos na trama de Almodóvar. Porém, logo de cara vemos que o drama é todo pincelado com as fórmulas de sucesso do cineasta que faz os cinéfilos reconhecerem de forma imediata, desde a fotografia de cores quentes, como também a tão conhecida cidade de Madri e que sempre foi o cenário preferido para as principais obras do cineasta. E como não poderia ser diferente, Penélope Cruz se encontra novamente em cena, ao se entregar para a sua personagem Janis uma complexidade estupenda e cujo os seus pensamentos são revelados através do seu olhar e cujo o mesmo tem muito a dizer.
O filme fala sobre o que faz de a mulher ser mãe, principalmente em tempos atuais em que cada vez mais as pessoas não querem compromissos uma com a outra, mas cuja algumas mulheres não desejam deixar esse mundo sem ao menos manter ainda vivo as suas raízes familiares. É exatamente nisso em que o filme toca, ao não se desprender do passado, mas sim mantê-lo vivo e para que assim os entes queridos sejam lembrados através das fotos ou na visita dos túmulos onde se encontram. É neste ponto, aliás, que o cineasta adentra as questões políticas, desde ao fato sobre a Guerra Civil Espanhola e cuja muitas vítimas foram enterradas para serem esquecidas.
Acima de tudo, o filme fala que a mentira pode ser colocada sempre em prática, mas que a mesma jamais será infinita e cabe a verdade sempre vir à tona. Esse exemplo não é somente posto à prova na questão política explorada em segundo plano dentro da trama, como também no dilema em que a personagem Janis convive a partir do momento em que ela descobre a dura realidade sobre a sua filha. A situação se torna ainda mais complexa quando a mesma se reencontra com Ana e ao descobrir que ela perdeu a sua filha de uma forma inesperada.
Vale destacar o ótimo desempenho da novata Milena Smit como Ana e cuja a sua interpretação até mesmo se sobressai se formos comparar com a musa veterana de Almodóvar. Os laços fortes de amizade de ambas as personagens vão ainda mais além, mas a partir do momento em que é revelado um grande segredo é então que o filme se torna cada vez mais sufocante e até mesmo fazendo a gente temer pelo destino de uma das personagens. Curiosamente, o filme não se envereda para um suspense, mas é curioso como o cineasta nos conduz para obtermos essa sensação, principalmente graças a sua trilha sonora que remete aos clássicos do mestre Alfred Hitchcock e cujo esse artificio já havia sido usado em "Julieta".
Em seu terceiro ato final, o cineasta nos leva ao lado das protagonistas para testemunharmos que a verdade precisa ser prevalecida. Isso não somente acontece após ser revelado sobre a questão de suas filhas, como também sobre a dura verdade de como o governo Espanhol conduziu de uma maneira tão horrenda a forma de ocultar as vítimas de uma guerra antiga, porém, que jamais deve ser esquecida, pois as vozes dos falecidos clamam por justiça. Uma questão que fica em segundo plano no decorrer da trama, mas se sobressaindo na reta final de uma maneira poderosa.
"Madres Paralelas" fala sobre laços familiares sendo fortalecidos pela força do universo feminino e cujo nenhum poder conseguirá impedi-lo.
Nota: O filme estará também disponível na Netflix a partir do dia 18 de Fevereiro.