Sinopse: Em São Paulo, um
morador de rua (Jean-Claude Bernardet), que no passado foi professor
universitário, anda pelas ruas sem rumo. Ele busca água, comida e um pouco de
conversa. Nessas suas caminhadas, o morador conhece uma pesquisadora, que fica
fascinada com sua história de vida.
Em certa ocasião durante a
sua carreira, Betty Davis (A Malvada), disse que o cinema em cores matou os filmes.
Embora a opinião dela possa parecer um tanto que precipitada, é bom salientar
que o cinema em preto e branco sempre teve a proeza de revelar um mundo com muito
mais detalhes e beleza, algo que não se vê muito no colorido, nem mesmo em sua
época mais dourada (o tecnicolor). Em Fome, o preto e branco não está ali para
somente representar uma vida sem cores do protagonista, mas também revelar um
novo olhar da cidade de São Paulo, cuja sua beleza não esconde sua frieza sedutora
entre arranha céus e ruas.
Dirigido por Cristiano
Burlan (Mataram o meu Irmão) acompanhamos o dia a dia de um morador de rua (interpretado
pelo escritor e crítico de cinema Jean-Claude Bernardet) que perambula pelas ruas
de São Paulo. Durante sua cruzada pela sobrevivência, o protagonista dá de
encontro com alguns personagens curiosos, do qual revelam inúmeras facetas diferentes
da cidade. Ao mesmo tempo, o filme explora a fundo, tanto a realidade dessas pessoas,
como também de outras e de como elas enxergam essas primeiras.
Com um orçamento de pouco
mais de dez mil reais, e rodado em apenas seis dias, o filme já abre de uma
forma engenhosa, onde protagonista lava as mãos num lago de uma determinada
praça, mas ao mesmo tempo para por um momento para observar a cidade. É nesse
momento que a câmera de Burlan dá um giro de 360º graus e fazendo a gente ficar
maravilhado com a riqueza dos detalhes. Seja na noite ou no dia, a fotografia
do filme é uma espécie de filtro e revelando o que nós não enxergamos.
Além disso, Burlan ainda tem
a proeza de acompanhar o protagonista em inúmeros planos seqüências e fazendo
da sua câmera (ou nós) uma espécie de acompanhante do personagem e testemunhar sobre
o que acontecerá com ele em seguida. Isso se cria até momentos de tensão, já que
o protagonista vai com o seu carrinho em frente e sem rodeio, como se nada lhe
preocupasse, nem com relação aqueles que o enxergam com um olhar preconceituoso
ou opressor. Aliás, esses últimos surgem representados por pessoas das quais se
dizem solidárias, quando na realidade são pessoas hipócritas, sendo que o próprio
protagonista escancara a verdadeira face deles numa cena chave.
Assim como acontece em inúmeros
filmes brasileiros recentes (como Castanha), Fome oscila entre realidade e
ficção e fazendo uma fusão dos dois gêneros e criando então uma experiência prazerosa
com relação ao lado mais cru visto na tela. Por um momento, o protagonista é
deixado de lado, para então acompanharmos uma pesquisadora fictícia (Ana
Carolina Marinho) de uma universidade, que entrevista alguns moradores de rua reais
para um trabalho a ser apresentado. Curiosamente, os depoimentos dos verdadeiros
moradores de rua acabam sendo tão bons e emocionantes, que quando a jovem
entrevista finalmente o protagonista, acaba então se revelando o momento mais
artificial do filme.
Porém, se Jean-Claude
Bernardet falha por um momento nesse cruzamento entre o seu personagem morador
de rua fictício com os verdadeiros, ele consegue então uma redenção quando dá
de encontro com um personagem que se diz ter sido o seu aluno de cinema no passado.
Durante o diálogo, se percebe que Bernardet está à vontade falando dele mesmo, cujo
passado do personagem oscila entre verdades e ficção de sua própria pessoa e
faz com que não aja uma separação entre personagem e interprete. É nesse
momento que criador e criatura se tornam então um só e fazendo do tropeço
anterior se tornar meio que irrelevante.
Com pouco mais de uma hora
de duração, Fome é um estudo sobre a sociedade contemporânea de hoje, do
qual tratam moradores de rua como seres invisíveis, quando na realidade eles
estão bem ali e cada um com a sua própria história para contar.
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