Sinopse: Um vampiro antigo da Transilvânia persegue uma jovem atormentada na Alemanha do século 19.
Robert Eggers já pode tranquilamente ser apontado como um dos melhores cineastas autorais dos últimos tempos e que ao mesmo tempo deu sangue novo ao gênero de horror como um todo. Títulos como "A Bruxa" (2016), "O Farol" (2020) e "O Homem do Norte" (2022) foram obras que geraram debate, dividiram a opinião do público, mas sendo justamente por isso que os longas continuassem sendo lembrados nestes últimos anos. Em "Nosferatu" (2024) o cineasta não somente cria uma refilmagem do clássico de 1922, como também o molda de sua maneira e fazendo novamente uma obra que gerará debates após a sessão de cinema.
Na trama se passa nos anos de 1800 na Alemanha e testemunhamos a sombria figura do Conde Orlok (Bill Skarsgård) na busca por um novo território. O vendedor de imóveis Thomas Hutter (Nicholas Hoult) fica responsável por conduzir os negócios de Orlok, mas ao mesmo tempo deixando para trás a sua esposa Ellen (Lily-Rose Depp) que começa a ter visões assustadoras sobre o Conde. Não irá demorar muito para que ambos se encontrem e selando o destino de ambas as partes.
Pode-se dizer que a última grande adaptação do livro Drácula para o cinema foi bem lá atrás em 1992 com o título "Drácula de Bram Stoker" e dirigido por Francis Ford Coppola. Após isso nenhuma outra adaptação ganhou o mesmo status e fazendo com que o personagem perdesse o prestígio nestes últimos anos. Porém, Robert Eggers sempre foi grande fã da história, seja vinda do livro ou da primeira e melhor adaptação que havia sido lançada em 1922 e fazendo com que o diretor realizasse até mesmo uma peça teatral antes de ingressar como diretor de cinema.
Tendo a chance de realizar o seu grande sonho de dirigir uma obra sobre esse rico personagem, Robert Eggers aproveita para moldá-la da sua maneira, ao injetar um teor sombrio similar ao que foi visto em "A Bruxa" e ao mesmo tempo um teor psicológico, onde os personagens transitam entre a realidade e delírio, mas cujo essa última observação tem certo fundamento. É interessante, por exemplo, a maneira como Conde Orlok é apresentado aos poucos, sendo visto somente como uma sinistra sombra pelas visões de Ellen, para logo depois ganhar contornos peculiares a partir do momento que Hutter tem o seu primeiro contato com ele. Se no filme "A Bruxa" a entidade demoníaca vista no final daquele longa era apresentada como um vulto que possuía uma voz peculiar, aqui não é muito diferente, pois vemos Conde Orlok como um ser mórbido, cuja a voz parece que foi extraída de tempos bastante antigos e que aos poucos temos uma dimensão de sua real face como um todo.
Com uma pesada maquiagam, Bill Skarsgård simplesmente desapareceu em cena, ao construir para si um Nosferatu, ou Drácula para os íntimos, algo que se difere das outras adaptações, mas se aproximando ainda mais da figura literária criada por Bram Stoker. Com uma edição de arte impressionante, além de uma fotografia sombria e que enche os olhos, o filme é extremamente fiel as passagens da trama vista no clássico de 1922, mas ao mesmo tempo Robert Eggers procura preencher novas lacunas dentro do roteiro, ao dar maior profundidade com relação a ligação entre Ellen e Nosferatu e cujo teor sexual é mais acentuado aqui diga-se de passagem. esta última observação, por exemplo, Lily-Rose Depp constrói uma Ellen inocente superficialmente, mas que não esconde a sua força e desejo interior e culmina em uma cena erótica inesperada com Hutter.
Assim como a versão comandada por Francis Ford Coppola em 1992, o diretor Robert Eggers também opta em fazer uma espécie de conto de fadas gótico, cujo os desejos e a solidão sentida na vida eterna se cruzam para se colocar um ponto final nisso. Até lá, o realizador não poupa esforços, tanto em ser fiel ao clássico do expressionismo alemão, como também fazer um paralelo aos tempos contemporâneos, em que a descrença se torna cada vez mais acentuada na medida em que catástrofes como a pandemia se alastraram pelo mundo. Neste último caso, por exemplo, Robert Eggers presta uma bela homenagem ao realizador alemão Werner Herzog, sendo que ambos retratam a peste de Orlok através de inúmeros ratos em cena e fazendo da cidade de Wismar um verdadeiro inferno na terra.
Curiosamente, o filme também é uma reconstituição fiel com relação aos pensamentos da época, em que certas crenças começam a ficar de lado e dando lugar aos meios científicos. Neste cenário em que o fantástico se fortalece e a lógica fica eclipsada o personagem Prof. Albin Eberhart Von Franz, interpretado brilhantemente por Willem Dafoe, se torna uma figura que usa os dois lados da situação para o seu propósito e fazendo com que o mesmo se encaminhe para descobrir a trágica verdade sobre o que está acontecendo na cidade de Wismar. Se nas adaptações anteriores de "Nosferatu" esse personagem era visto como mero figurante, aqui ele ganha total relevância e se tornando uma das peças centrais da obra.
Se há algumas irregularidades com relação ao ritmo da trama do segundo ato, isso é completamente dissipado em seu ato final, onde o encontro definitivo de Ellen e o Orlok acontece e culminando em um momento surpreendente e até mesmo superior se formos compará-la com as outras versões. É como se Robert Eggers quisesse que não esqueçamos dela tão cedo e conseguindo, enfim, com grande êxito. Quem diria que uma história tantas vezes levada para o cinema pudesse soar tão fresca e renovada nos dias de hoje.
"Nosferatu" é uma história de horror de primeira linha, onde Robert Eggers refilma o clássico com elegância, coragem e puramente cinema.
Leia Também: 'Nosferatu' (1922)', 'Nosferatu' (1979) e 'A Sombra do Vampiro' (2000)
Faça parte:
Facebook: www.facebook.com/ccpa1948