Acho que o maior problema do norte americano é não aceitar ou entender uma crítica com relação à própria sociedade em que vive. No decorrer da história vários filmes revelaram a faceta escondida por detrás de um país que se diz livre, quando na verdade a própria história revelou que uma das principais potências do mundo se gaba por ser um grande império disposto em enfrentar determinado inimigo. Os EUA é um país que se sustentou através das guerras, ao ponto que não me surpreenderia se inventasse uma como no caso da teoria de conspiração com relação ao nascimento da Guerra do Iraque.
Portanto, é por esse pensamento que eu consigo entender os motivos que levaram a "Tropas Estelares" (1997) não ter sido um sucesso de imediato quando foi lançado em sua época, pois havia uma clara mensagem subliminar nas entrelinhas, mas que por vezes se encontrava até mesmo explícita. Dirigido por Paul Verhoeven, o filme se passa em uma época futura em que o jovem Jonhnny Rico (Casper Van Dien), após graduar-se, quer se alistar nas forças armadas para tornar-se um "cidadão" e deixar de ser um mero civil. Não demora muito para que ele participe de uma grande guerra entre seres humanos e insetos alienígenas.
Quando Paul Verhoeven lançou o seu clássico "Robocop" (1987) alguns críticos o tacharam como uma obra fascista, onde víamos um androide a serviço da polícia e que matava bandidos caso eles não se rendessem. Quem o tachou dessa maneira talvez não tenha compreendido a proposta principal da obra, já que o filme era uma análise com relação a uma sociedade cada vez mais desumana, presa ao sistema cheio de regras e, por vezes, cada vez mais alienada. Mais ou menos isso no que vemos em "Tropas Estelares", longa baseado na obra de Robert A. Heinlein e que criou uma ficção científica de acordo com os desdobramentos das principais guerras do início do século vinte.
Atraído pelo projeto, Paul Verhoeven foi também alguém que conheceu de perto a ascensão Nazista, uma vez que viu o seu país a Holanda ser invadida na época. Por conta disso, o seu primeiro longa do qual obteve reconhecimento foi "Soldado de Laranja" (1977), onde vemos jovens sendo obrigados a decidirem lutar pelo seu país, pelo nazismo, ou entrar pela clandestinidade. A premissa acaba se tornando similar se comparada a "Tropas Estelares", sendo que a mensagem é a mesma, mas de épocas diferentes.
Verdade seja dita, o filme é uma crítica caricata com relação aos próprios EUA caso um dia se torne um governo iniciado pelo fascismo, onde vemos uma sociedade perfeita, onde preza o poderio militar mais do que a ciência e expandindo a sua exploração fora do planeta. Os insetos alienígenas nada mais são do que uma grande piada que o próprio norte americano faz com o inimigo de fora que, por vezes, não enxerga como um ser humano, mas sim um mero inseto para ser esmagado. As propagandas da Federação, governo que comanda todo o globo desta realidade, usa propagandas que aparentam serem hilárias, quando na verdade não estão muito distantes da realidade e da proposta que nos querem passar.
Talvez exista dois pontos fortes que fazem de "Tropas Estelares" ser acusado de ser um filme fascista, sendo que na abertura, por exemplo, há uma forte comparação ao clássico alemão "Triunfo da Vontade" (1935), onde vemos soldados dizendo que estão fazendo a sua parte, incluindo até mesmo crianças. Outro ponto significativo é com relação ao personagem Carl (Neil Patrick Harris), inicialmente sendo mostrado na trama como um grande gênio, para posteriormente ser um comandante a serviço do estado e disposto em mandar o maior número possível de jovens soldados para frente do front. Para o olhar norte americano, o que mais chocou talvez não tenha sido exatamente isso, mas sim por ele estar um usando um uniforme similar a Hitler, quando na verdade foi uma provocação dos realizadores ao dizer até onde o norte americano pode chegar.
Curiosamente, é interessante observar como o primeiro ato é tudo muito inocente, ao vermos jovens bonitos, sonhadores, que mais estão preocupados em perder a virgindade do que adentrar em uma guerra. Uma vez que eles são retirados dessa zona de confronto é então que os personagens vão gradativamente mudando e fazendo parte desse sistema militante que inicialmente parecia uma grande aventura, quando na verdade a história é bem outra. Embora a ficção, o filme toca em assuntos não muito diferentes que já são vistos no subgênero de guerra, mas cuja temática subliminar com relação ao fascismo fez toda a diferença e que até hoje causa polêmica.
Tanto o diretor Paul Verhoeven como o escritor Robert A. Heinlein, talvez tivessem uma ideia sobre o futuro nebuloso com relação a sociedade atual em que estamos vivendo, onde o termo fascismo está sendo direcionado para países que se dizem democráticos, mas que acabam sendo comandados por governos agressivos, seja ele da extrema direita ou esquerda. Ironicamente, tanto o livro quanto o filme foram lançados em épocas em que o mundo não sabia ao certo para onde se iria encaminhar, mas que se tornaram um reflexo do nosso próprio tempo.
Na época do seu lançamento, eu me lembro que os críticos diziam que era um filme de ação louco, com efeitos visuais mais loucos e com atores que mais pareciam que estavam vindo de propaganda de margarina. A violência foi criticada, assim como o humor que ninguém entendeu de imediato a sua proposta. Curiosamente, quando Paul Verhoeven lançou o seu "O Homem Sem Sombra" (2000) alguns críticos ficaram dizendo que era um longa horroroso se for comparado ao maravilhoso "Tropas Estelares". Pelo visto o reconhecimento não tarda para determinados filmes.
Lançado recentemente em uma edição especial em DVD pelo Obras Primas do Cinema, "Tropas Estelares" é um daqueles longas a frente do seu tempo, mas que faz justamente uma análise ácida com relação a época do seu lançamento e se aproximando cada vez mais do mundo em que vivemos.
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