Sinopse: Um policial que vive em um mundo idílico e hedonista, onde cidadãos são mortos aos 30 anos de idade, conhece uma mulher e decide fugir com ela.
A distopia é um conceito usado em tramas fictícias, onde retrata uma sociedade diferente da nossa, mas que possui elementos do nosso presente e dos quais serviram de influência para a construção dessa realidade. Clássicos literários como "1984" e "Fahrenheit 451" são exemplos dignos de nota, pois retratam um futuro, por vezes, ditatorial, onde a população convive com um sistema cheio de regras e não conhecendo uma realidade livre como deveria ser. Em ambos os casos a tecnologia se encontra em abundância, mas servindo mais como controle ao invés de ajudar a humanidade.
É curioso observar como esses contos revistos hoje se encontram cada vez mais atuais do que nunca, pois querendo ou não vivemos em uma realidade em que a tecnologia está cada vez mais avançando, mudando cada vez mais os hábitos das pessoas, mas trazendo certos questionamentos sobre até que ponto isso se tornaria um benefício. Em tempos de IA esse pensamento se torna cada vez mais assustador, pois até mesmo os pensamentos de algumas pessoas são facilmente persuadidos pela facilidade da comunicação, mas ao mesmo tempo sendo inundada pela onda das fake news. "Fuga do Século 23" (1976) é uma ficção digna de nota, onde uma população sendo distraída pelos prazeres que a tecnologia trás mal sabendo onde podem parar.
Dirigido por Michael Anderson, do clássico "A Volta ao Mundo em 80 Dias" (1956), o filme é baseado na obra de William F. Nolan e George Clayton Johnson. Na trama, a vida não poderia ser mais perfeita no século 23. Todos têm direito ao bom e ao melhor. Porém, não podem ultrapassar a idade de 30 anos. Logan (Michael York) é a pessoa responsável por repreender os que não cumprem a regra. Até o dia em que ele atinge a idade permitida, decide fugir.
Por eu ter conhecido tarde esse filme eu acabei conhecendo antes longas e livros com temática similar. "O Preço do Amanhã" (2011), por exemplo, possui talvez a trama mais semelhante, onde as pessoas tinham um prazo de vida, mas ao menos tinham uma chance de renová-la através da troca de valores e assim podendo obter mais vida. Não é o que acontece aqui, já que a pessoa chega aos trinta e é condenada a morte, mas tendo a população persuadida com a ideia de que elas são renovadas para uma nova vida.
Além disso é um futuro em que ninguém trabalha, onde as pessoas são entretidas com todos os recursos tecnológicos e ao mesmo tempo tendo a liberdade de fazerem sexo sem restrição alguma. Com essa liberdade ao menos, parece haver uma tremenda alienação, onde a maioria não se importa nem sequer com o que há fora daquela cidade que se encontra dentro de uma grande redoma. Ou seja, há uma referência clara à filosofia de Platão e da qual a mesma serviu de inspiração para diversos livros e longas que viriam posteriormente como "Matrix" (1999).
Visualmente o filme remete o lado colorido e psicodélico que estava incrustado nos anos sessenta e setenta. Ao mesmo tempo, a sua fotografia e edição de arte são tão bem alinhados que faz uma referência ambígua a droga LSD, uma substância sintética pertencente ao grupo dos alucinógenos e que estava na moda naqueles tempos entre os jovens. Se há alguma dúvida com relação a isso, aguarde a cena em que o casal central entra em um local em que as pessoas se entregam aos prazeres em meio a muita substância e cores em abundância.
Em termos de efeitos visuais até que o filme não envelheceu mal, já que a cidade principal da trama é toda moldada por uma grande maquete convincente, sendo que ela me fez relembrar do clássico alemão "Metropolis" (1927). Vale destacar a sequência do carrossel, onde as pessoas ficam flutuando em círculos para logo depois explodirem. Embora perceptível os fios em alguns momentos não me surpreenderiam se a cena serviu de inspiração para a criação da tecnologia de voo da época para o clássico "Superman" (1978).
Tanto Michael York como Jenny Agutter se saem bem nos papéis centrais, mesmo quando me passa a sensação deles estarem presos por demais em termos de fidelidade com relação ao livro. Já Peter Ustinov se sai muito bem como a pessoa idosa que os protagonistas descobrem fora da redoma e se tornando peça principal para a grande virada da história. Curiosamente, Farrah Fawcett, uma das grandes musas dos anos setenta, faz uma pequena participação na trama.
Uma coisa que me surpreendeu e muito foi o cenário Washington descoberto pelo casal central, tendo se tornado uma cidade abandonada e sendo quase toda coberta por plantas que nasceram ao longo dos séculos. A descoberta da estátua de Abraham Lincoln, por exemplo, se torna uma espécie de símbolo de curiosidade para os personagens, pois eles testemunham um retrato de uma pessoa mais velha e da qual nunca haviam conhecido. Uma vez que eles conhecem o idoso que mora sozinho por lá é então que eles descobrem uma realidade em que a vida se estende muito além do sistema imposto contra eles.
Ao final, constatamos que o conto serve como alerta para que a sociedade não caia facilmente nas possibilidades infinitas da tecnologia, pois ela pode facilmente persuadi-la. Em tempos em que vivemos com uma geração z cada vez mais dependente de suas redes sociais, não me admira que o longa esteja mais atual do que nunca, mesmo quando a sua estética pode ter ficado datada em alguns momentos. Acima de tudo, é um filme para ser visto de mente aberta, para que então possamos refletir sobre até que ponto a tecnológica pode se tornar peculiar e nos prender em um sistema cheio de regras e para nos persuadir.
"Fuga do Século 23" foi uma grata surpresa para mim, sendo um longa até mesmo a frente do seu tempo e servindo de alerta até mesmo com relação ao nosso próprio futuro.
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