Alan Parker chamou atenção da crítica através do seu "O Expresso da Meia-Noite" (1978), filme do subgênero de prisão, mas que fugia de certos clichês já conhecidos na época. Já nos anos oitenta veio a consagração através de títulos como "Pink Floyd - The Wall" (1982) e principalmente "Coração Satânico" (1987). Porém, foi através de "Mississípi em Chamas" (1988) que ele criou o que talvez seja o seu filme mais provocador, mesmo quando se nota estar datado em alguns momentos.
Baseado em um caso real, a trama se passa no Mississípi, 1964. Rupert Anderson (Gene Hackman) e Alan Ward (Willem Dafoe) são dois agentes do FBI que estão investigando a morte de três militantes dos direitos civis. As vítimas viviam em uma pequena cidade onde a segregação divide a população em brancos e negros e a violência contra os últimos é algo constante. Na medida em que a investigação avança, os dois protagonistas conhecem cada vez o lado sombrio daquele estado.
Convenhamos, de todos os países do mundo os EUA é o mais racista, sendo que o país estava dividido quando Abraham Lincoln decidiu libertar os escravos e desencadear o que hoje conhecemos como a grande Guerra Civil Americana. Embora a liberdade tenha prevalecido, as pessoas ainda continuam sofrendo com o preconceito, perseguição e até mesmo morte em alguns estados. O Mississípi talvez tenha sido, ou ainda é, um dos estados mais racistas de sua história, sendo que o ápice dessa insanidade ocorreu em 1964.
Aparentemente, o filme se envereda para o típico filme policial, onde temos dois agentes do FBI com personalidades distintas uma da outra, mas que precisaram deixar as suas diferenças de lado para obter algum resultado durante a investigação. Enquanto Alan Ward é um bom moço que procura trabalhar e agir da forma correta, por outro lado, Rupert Anderson conhece muito mais a realidade em sua volta, pois cresceu e viveu com o preconceito, mas tendo procurado ao longo de sua vida não ser um racista. Se em um primeiro momento achamos que é um, logo percebemos que o seu problema se encontra mais embaixo e é aí que mora o talento de Gene Hackman como um todo.
Sendo um dos grandes talentos que surgiu no início do que chamamos hoje de A Nova Hollywood, Hackman constrói para si um personagem complexo, do qual usa o seu sarcasmo para se defender do lado opressor vindo da realidade, mas escondendo também a sua real fragilidade. Isso, portanto, gera um interessante contraste ao compararmos ao personagem de Willem Dafoe, que jamais se deixa abalar perante a situação do caso, mesmo quando chega ao ponto em que se dá conta que os métodos peculiares do seu parceiro talvez sejam os únicos meios de encarar aquele ambiente hostil. Destaque também para o ótimo desempenho de Frances McDormand, ao dar vida a esposa de um policial racista, ao nos brindar com uma cena digna de nota e sintetiza o quanto é cruel nascer e viver em um estado como Mississípi.
Na medida em que a trama avança ficamos ainda mais com raiva daquele lugar opressor, onde as pessoas negras são silenciadas, casas destruídas e chegando até mesmo a serem enforcadas. Porém, o filme envelheceu um pouco mal com relação ao próprio papel dos negros dentro da história, onde aparentam medo e passividade perante os horrores, sendo que se fosse feito hoje a retratação entre eles seria muito mais forte perante ao racismo branco dentro da história. Talvez o que tenha faltado neste filme foi completado no que Spike Lee queria nos dizer em sua obra prima "Faça a Coisa Certa" (1989).
Tecnicamente é um filme primoroso em termos de reconstituição de época, tendo ganhado Oscar de fotografia, mas sendo pouco para um longa que coloca um pouco o dedo na ferida. Revisto hoje nos damos conta que o fascismo se esconde no racismo atual que se espalha entre as redes sociais e que defende a liberdade de expressão, quando na verdade procura o direito de fazer a saudação nazista sem medo. Ou seja, se as coisas continuarem piorando, irão surgir muito mais Mississipis ao redor do globo.
Mesmo datado em alguns pontos, "Mississípi em Chamas" é um filme corajoso para a sua época e revelando o verdadeiro lado sombrio daqueles que se dizem defender a democracia.
NOTA: Em memoria a Gene Hackman 1930 - 2025
Filmografia:
2004 Uma Eleição Muito Atrapalhada
2003 O Júri
2001 O Assalto
2001 Doce Trapaça
2001 Atrás das Linhas Inimigas
2001 Os Excêntricos Tenenbaums
2000 Virando o Jogo
2000 Sob Suspeita
1998 Inimigo do Estado
1998 Fugindo do Passado
1998 FormiguinhaZ
1997 Poder Absoluto
1996 O Segredo
1996 The Birdcage - A Gaiola das Loucas
1996 Medidas Extremas
1995 Maré Vermelha
1995 O Nome do Jogo
1995 Rápida e Mortal
1994 Wyatt Earp
1993 Gerônimo – Uma Lenda Americana
1993 A Firma
1992 Os Imperdoáveis
1990 Julgamento Final
1990 Lembranças de Hollywood
1990 De Frente para o Perigo
1989 Entrega Mortal
1988 Bat 21 - Missão no Inferno
1988 A Outra
1988 Mississipi em Chamas
1987 Superman 4 - Em Busca da Paz
1987 Sem Saída
1986 Momentos Decisivos
1986 Os Donos do Poder
1985 O Alvo da Morte
1983 Embalos a Dois
1983 De Volta para o Inferno
1983 Sob Fogo Cerrado
1981 Reds
1981 Tudo em Família
1980 Superman 2 - A Aventura Continua
1978 Superman - O Filme
1977 Marcha ou Morre
1977 Uma Ponte Longe Demais
1975 Operação França 2
1975 Um Lance no Escuro
1975 Os Aventureiros do Lucky Lady
1975 O Risco de uma Decisão
1974 A Conversação
1974 O Jovem Frankenstein
1973 Espantalho
1972 O Destino do Poseidon
1971 Caçada Sádica
1971 Operação França
1969 Os Pára-Quedistas Estão Chegando
1969 Os Amantes do Perigo
1967 Bonnie e Clyde - Uma Rajada de Bala
1966 Havaí
1964 Lilith
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