Sinopse: Voluntário se torna descartável em um experimento de clonagem fora da terra.
Se há algo que conseguimos identificar em quase toda a filmografia de Bong Joon Ho é no seu interesse em histórias em que se retrata a divisão entre as classes e o consumismo desenfreado que torna a humanidade dependente. Se na primeira questão foi vista em títulos como "Expresso do Amanhã" (2013) e principalmente "Parasita" (2019), por outro lado, o consumo doentio que abastece a humanidade se vê de uma forma hilária e ao mesmo tempo trágica em "Okja" (2017). Em "Mickey 17" (2025) o realizador prova novamente que ele consegue reunir esses ingredientes em um único filme, mesmo quando achamos que o projeto poderia ter ido mais longe.
Baseado no livro de Edward Ashton, o filme conta a história de Mickey Barnes (Robert Pattinson), um cara endividado que decide ser enviado para uma missão em colonizar o planeta gelado de Niflheim. Ele tem o trabalho de ser descartável, sendo que toda vez que ele for morrer em uma espécie de experimento ele logo é substituído por um clone que tem suas memórias a partir de uma máquina de impressão. Porém, as coisas dão errado quando o 17º Mickey não morre e ao mesmo tempo o numero 18º é criado e possuindo uma personalidade um tanto diferente.
Embora seja baseado em um livro publicado em 2022 é curioso observar que a premissa tem muita similaridade com o filme "Lunar" (2009), além de umas pitadas de elementos que me fizeram lembrar também "Tropas Estelares" (1997). Contudo, a trama se sustenta graças a sua crítica ácida entrelaçada com um humor sombrio contagiante e que obtêm a nossa atenção do começo até o final da história. Não espere um filme de ficção de ação costumeiro, já que aqui o foco está mais em criar reflexo sobre o nosso próprio mundo atual em que vivemos.
Bong Joon Ho procura criar uma realidade verossímil, onde os efeitos visuais são usados em prol de uma história coerente ao invés de somente encher a tela e que poderiam se tornar dispensáveis. Se isso já havia dado certo em "Expresso do Amanhã" aqui as coisas novamente fluem, assim como também a sua fotografia e edição de arte que nos enche os olhos com os seus diversos detalhes. Curiosamente, o visual remete aos elementos vistos na HQ francesa "Valerian" de Pierre Christin.
Além disso, o filme deixa da forma mais explicita possível o quanto a humanidade se torna cada vez mais hipócrita e da qual a mesma usa a religião como cortina de fumaça para colocar em prática a sua real ambição e destacando políticos que usam esses métodos a todo custo. Mark Ruffalo dá um show de interpretação ao interpretar um político que se torna o líder desta expedição e que usa a palavra de Deus em meio a maquinações para tentar de todas as formas tornar- se um verdadeiro mito dentro da história. Qualquer semelhança com certos políticos da Extrema Direita do nosso mundo real não é mera coincidência.
Já Mickey é um personagem que facilmente nos identificamos, já que ele é apenas um cara comum sendo mastigado pelo sistema que controla a vida dos humanos e optando ao se entregar em uma experiência em que se explora a questão sobre o que nos faz sermos humanos. Embora a temática sobre a clonagem já tenha sido revisitada no cinema e literatura diversas vezes, é curioso constatarmos o quanto ainda pode-se criar algo novo, desde que seja feita pelas mãos certas. Claro que se o filme funciona não se deve somente ao seu cineasta, como também ao seu astro Robert Pattinson.
Ao interpretar dois personagens em cena, é curioso que o artista procura diferenciá-los até mesmo com o tom de voz, já que o Mickey 17 possui uma voz desengonçada, enquanto numero 18 se distancia de uma forma surpreendente. O protagonista é uma representação de uma humanidade já muito cansada e que procura uma razão de continuar em frente através de suas escolhas. Porém, a partir do momento em que os alienígenas, que mais parecem morsas, surgem em sua vida é então que ele se encontra em um novo jogo de xadrez e que fará com que tenha que decidir sobre o que irá fazer em seguida.
Embora seja um ótimo filme, eu não o colocaria entre os melhores de Bong Joon Ho, já que algumas passagens da trama poderiam ter sido melhor exploradas. Além disso, alguns personagens secundários simplesmente acabam sendo descartados, como no caso daquela vivida pela atriz Anamaria Vartolomei, que rouba a cena na hilária cena do jantar, mas que logo desaparece no decorrer da história. Mas o ponto mais negativo se encontra mesmo em seu ato final da trama.
Tudo se envereda para que ela se encerre de uma forma mais convencional para o público ocidental, já que o mesmo se encontra mais do que acostumado pelo óbvio e não se esforçando em sair de sua zona de conforto. E quando achamos que a trama iria se encerrar de uma forma corajosa, e tendo mais haver com tudo o que tínhamos assistido até ali, eis que o roteiro nos prega uma pegadinha e criando uma sensação mórbida. Ao meu ver Bong Joon Ho precisará lutar ainda mais para manter a sua genialidade na direção caso ainda queira trabalhar em solo americano.
"Mickey 17" nos revela um Bong Joon Ho ainda melhor no que faz, mesmo quando essa última obra não se equipara a sua obra prima "Parasita".
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