Nota: O texto a seguir eu publiquei em 09 de Agosto de 2018.
Sinopse: O CASO DO HOMEM ERRADO conta a história do jovem operário negro Júlio César de Melo Pinto, que foi executado pela Brigada Militar, em 1987, em Porto Alegre/RS. O crime ganhou notoriedade após a imprensa divulgar fotos de Júlio sendo colocado com vida na viatura e chegar, 37 minutos depois, morto a tiros no hospital.
Embora alguns ainda neguem os fatos, estamos vivendo em tempos de retrocesso, onde pessoas que praticam um lado mais socialista acabam sendo calados por únicamente abraçar um bem maior em ajudar o próximo. O recente caso do assassinato da vereadora Marielle Franco, não é somente uma situação em que sintetiza o estado de calamidade em que o nosso país se encontra como também ele reflete uma realidade que perdura já em décadas. Por coincidência, chega ao cinema O Caso do Homem Errado, onde explora o lado racista e despreparado de uma polícia que ainda carrega resquícios dos tempos da ditadura.
Dirigida por Camila Moraes, o documentário investiga passo a passo, através de depoimentos, sobre o caso do jovem operário negro Júlio César que, durante um confronto entre a brigada militar e bandidos no centro de Porto Alegre, acabou sendo levado pelos primeiros sem ao menos saber do por que. Pouco mais de meia hora depois, Júlio César chega morto ao hospital, sendo que ele nem estava armado e dando a entender que a brigada havia lhe executado. Através dos depoimentos, como de um jornalista da época, por exemplo, acabamos então encarando a trágica e real verdade sobre o corrido.
Diferente da maioria dos documentários, a diretora Camila Moraes não moldou a sua obra com imagens da época sobre o acontecido, mas que, através dos depoimentos de pessoas em cena, obtemos então uma construção de imagens surgindo em nossas mentes e se criando certa tensão de acordo com o andamento das entrevistas. O depoimento emocionado do fotógrafo Ronaldo Bernardi, que havia fotografado Júlio César jaz morto na maca do hospital, sintetiza bem esse clima mórbido e do qual não é preciso de uma representação ou de imagens a todo o momento sobre o que havia acontecido. Bastam então as palavras emocionadas para então termos a dimensão da trágica verdade.
O que indigna mais o caso do assassinato de Júlio César é que ele não estava somente no lugar errado ou na hora errada, mas somente pelo fato de ser negro, foi julgado em poucos minutos e sendo sentenciado à morte de uma forma tão sem sentido. O mais chocante, porém, é do fato dele ter caído nesse olho do tornado de uma forma tão estúpida, moldada pelas palavras de pessoas inconsequentes que se encontravam no local e que o julgaram somente pela sua cor de pele. Um acontecimento criado de uma forma errônea e catastrófica.
Embora Camila Moraes não deixe de uma forma mais explícita, ela foi hábil em nos colocar numa situação que ressoe o clima da época de nosso país. Ouvindo os depoimentos nos colocamos então em 1987, época em que a recém o povo havia reconquistado a democracia, tendo o desmonte final da ditadura, mas ao mesmo tempo, havia ainda aqueles resquícios de um tempo em que a brigada militar ainda se sentia com o direito de fazer o que bem entender contra a vida daqueles que eles acreditavam serem minorias. Rapidamente me veio então na mente o clássico curta metragem O Dia em que Dorival Encarou a Guarda, de Jorge Furtado, obra que havia sido lançada um ano antes da morte de Júlio César e que sintetizava a imagem falida de uma brigada militar dependente de métodos errôneos e tão pouco humanos.
A sensação que passa é que, entre o final dos anos 80, até os dias de hoje, tivemos um grande avanço, mas sendo então freado e nos colocando então na estaca zero. É como se os recursos dos dias de hoje como, por exemplo, as redes sociais da internet, cujo recurso poderia nos dar mais benefício, se tornam então um palco para o nascimento de depoimentos preconceituosos e de até mesmo de alguns manifestando o desejo pelo retorno dos tempos de chumbo. Em um país pós-golpe, onde há um desejo cada vez maior pelo controle do capitalismo, os direitos humanos acabam, infelizmente, se tornando algo secundário pelo olhar dos que se dizem poderosos.
O documentário O Caso do Homem Errado, felizmente, veio para nos dizer que as vozes de Júlio César, assim como a de Marielle Franco e de muitos inocentes jamais se calarão, mas sim soarão fortes e muito além da eternidade.
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