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Sapucaia do Sul/Porto Alegre, RS, Brazil
Sócio e divulgador do Clube de Cinema de Porto Alegre, frequentador dos cursos do Cine Um (tendo já mais de 100 certificados) e ministrante do curso Christopher Nolan - A Representação da Realidade. Já fui colaborador de sites como A Hora do Cinema, Cinema Sem Frescura, Cinema e Movimento, Cinesofia e Teoria Geek. Sou uma pessoa fanática pelo cinema, HQ, Livros, música clássica, contemporânea, mas acima de tudo pela 7ª arte. Me acompanhem no meu: Twitter: @cinemaanosluz Facebook: Marcelo Castro Moraes ou me escrevam para marcelojs1@outlook.com ou beniciodeltoroster@gmail.com

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sexta-feira, 24 de julho de 2020

Cine Especial: 'Farenheit 451' - O Conhecimento em Chamas


“— O que faz nas horas de folga, Montag? 
— Muita coisa... corto a grama... 
— E se fosse proibido? 
— Ficaria olhando crescer, senhor. 
— Você tem futuro". 
Diálogo entre Montag e seu superior no esquadrão 

O maior temor dos governos autoritários é o conhecimento, principalmente vindos de pessoas que se posicionam contra as suas regras e que passam os seus pensamentos para as demais pessoas que possam rever os seus posicionamentos políticos. Não é à toa que, por exemplo, Adolf Hitler mandou incinerar diversos livros durante o seu governo ditatorial nos tempos da Alemanha Nazista e gerando assim um temor ao redor do mundo contra aqueles que defendiam o conhecimento a todo custo. Não me surpreenderia, portanto, que o escritor Ray Bradbury tivesse esse grande temor, mas que acabou servindo de inspiração na realização do seu conto "Fahrenheit 451" lançado em 1953.
Muito próximo da ideia já vista no clássico literário "1984" de George Orwell, o romance de Ray Bradbury apresenta um futuro onde todos os livros são proibidos, opiniões próprias são consideradas antissociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. O personagem central, Guy Montag, trabalha como "bombeiro" (o que na história significa "queimador de livro"). O número 451 é a temperatura (em graus Fahrenheit) da queima do papel, equivalente a 233 graus Celsius.
Durante anos o livro já passou por diversas releituras e até hoje se encontra mais atual do que nunca. Certa vez, Bradbury declarou que "Fahrenheit 451" não trata exatamente da censura, mas de como a televisão destrói o interesse pela leitura. Mal ele sabia que hoje a tv estaria obsoleta e perdendo o seu espaço para internet que, infelizmente, se encontra inundada por fake news e que ameaça a verdadeira informação dos fatos sobre o mundo em que nos rodeia. 

Logicamente o livro ganharia mais cedo ou mais tarde alguma adaptação para o cinema e coube essa tarefa para François Truffaut. Ao lado de alguns diretores de cinema, como no caso de Jean-Luc Godard, François Truffaut construiu uma carreira sólida na França ao fazer parte do movimento "Nouvelle vague", do qual não só mudaria a forma de se fazer cinema naquele país, como também serviria como forte influência para o mundo a fora. Em território inglês, François Truffaut realizou adaptação de "Fahrenheit 451" (1966) e que até hoje é apontada como a melhor versão do romance até aqui.
Abertura já começa com uma boa sacada de Truffaut, já que os créditos da direção e dos demais envolvidos não são apresentados de forma escrita na tela, mas sim em off e se casando com perfeição com a proposta principal da obra. Ao mesmo tempo, as imagens dão destaque as antenas externas de televisão e sintetizando com relação ao pensamento do escritor com relação ao papel dos aparelhos naqueles tempos. A partir dali somos apresentados ao protagonista Montag (Oskar Werner), que tem a ingrata tarefa como bombeiro que, ao lado de seus colegas, de queimar qualquer tipo de material impresso, pois foi convencionado que literatura um propagador da infelicidade.
A partir daí, François Truffaut apresenta aquele mundo autoritário, mas que não se encontra muito distante do nosso. Embalado com a trilha do compositor Bernard Herrmann (compositor favorito de Alfred Hitchcock), Truffaut faz questão de realizar a cenas dos livros sendo queimados como se fossem verdadeiras chacinas e dando destaque as capas de grandes clássicos da literatura enquanto são devorados pelas chamas. Curiosamente, a revista Cahiers du Cinéma, revista na qual o diretor escrevia, se encontra em um determinado momento de uma das cenas.
Embora o filme possua uma estética meio que ultrapassada da maneira de como retratavam determinados futuros alternativos naquela época, é notório que alguns pontos até hoje não envelheceram e nos surpreendendo ao revisita-los. Na casa de Montag, por exemplo, vemos como as pessoas daquele futuro se interagem com outras através da televisão, da qual é a única forma de entretenimento, mas sendo uma forma de ferramenta para aliená-los. Revisto hoje, essa cena possui um peso maior, principalmente em tempos em que muitas pessoas se dedicam cada vez mais em assistir somente vídeos pelo Youtube do que ler um bom livro.
Essa alienação, por sua vez, faz com que as pessoas daquele futuro se encontrem cada vez mais em uma espécie de transe, como se os sentimentos, lembranças e sensações começassem a desaparecer aos poucos. Isso é representado muito bem pela esposa de Montag, interpretado pela atriz Julie Christie e conhecida mundialmente pela sua atuação no filme "Doutor Jivago" (1965). Aqui, a sua personagem se encontra consumida pela alienação que ela absorve através da televisão, ao ponto que suas energias são consumidas em um determinado ponto da história.
Ao mesmo tempo, Montag conhece Clarisse sua vizinha e que é também interpretada pela atriz Julie Christie. Clarisse é o oposto da esposa de Montag, ao ponto que sentimos nela uma predileção pelos livros que são caçados naquele mundo, mas não deixando isso explícito em um primeiro momento. Segundo o diretor, o motivo de a atriz fazer as duas personagens e a de que o bombeiro Montag vive seus desafios acompanhados por duas figuras femininas, onde uma é a imagem invertida da outra.

Porém, ao meu ver, cada um tem a sua interpretação com relação qual das duas influenciou as escolhas dele com relação ao seu posicionamento a favor dos livros que foi logo revelado ao longo da trama. No meu entendimento, Montag passou a cada vez mais se sentir sufocado naquela realidade em que ler e escrever eram proibidos, passando então a ler livros escondidos e assim obter a sua saúde mental intacta. Talvez a sua escolha não precisaria necessariamente da influência das duas personagens, pois aquela realidade já era mais do que o suficiente para ele tomar uma iniciativa de forma independente.
Assim como no livro, o filme também possui passagens poderosas como aquela em que uma senhora decide sucumbir as chamas juntos com os seus livros. Aqui, o conhecimento impresso sendo extinto ao lado de um ser humano nos diz que um não vive sem o outro, sendo que o conhecimento não existe se não houver alguém para obtê-lo, assim como a vida não faz um menor sentido quando se perde o conhecimento.  Porém, a reta final da história nos mostra que ainda há esperança como um todo.
Com simplicidade e sem muita pirotecnia da época, Truffaut adapta com perfeição a mensagem final do livro, do qual nos diz que os governos autoritários podem até destruir ou alienar muitos, mas não significa que serão todos. Testemunhamos então o protagonista se inserindo em uma sociedade clandestina, onde os apaixonados pelos livros decoram os mesmos para serem guardados em suas mentes. Feito isso, os livros são queimados para que o governo autoritário não consiga achá-los, mas suas histórias permaneceram a salvas nas mentes daquelas pessoas.
Curiosamente, há uma rápida cena em que Montag presencia a sua própria execução na televisão através das autoridades. Tanto essa passagem lida no livro, como também vista no filme, sintetiza o fato de que esses governos autoritários alimentam o povo através da mentira e fazendo com que os mesmos não se sintam mais satisfeitos só com a verdade, pois ela acaba não se tornando mais suficiente. Em tempos em que o Brasil e outros países que são governados pela extrema direita, da qual se alimenta através das fake news, essa cena revista hoje em dia tem um peso muito maior.
François Truffaut declarou certa vez que ficou decepcionado com a versão original do filme, pois não gostou de alguns diálogos em inglês. Truffaut declarou ainda que preferia a versão dublada em francês do filme, cuja tradução foi inclusive supervisionada por ele. Polêmicas à parte, tanto o livro como a sua versão cinematográfica faz de "Farenheit 451" uma obra obrigatória para ser vista e revista por todas as gerações e das quais precisam despertar da alienação imposta pelos seus próprios governantes que se acham os donos da verdade.

NOTA: O filme será revisto e analisado pela minha colega Tânia Cardoso em uma live pelo Instagram. Mais informações segue abaixo.  



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