Sinopse: Adelaide e Gabe levam a família para passar um fim de semana na praia e descansar. Eles começam a aproveitar o ensolarado local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna refém de seres com aparências iguais às suas.
Um filme sobrevive ao teste do tempo se ele obter uma nova releitura através do olhar de um novo público. "Bebê de Rosemary" (1968), por exemplo, pode ser simplificado atualmente, tanto como filme de horror sobre o filho do demônio, como também sobre uma mulher que sofre depressão após ter sofrido um possível estupro. Já o "O exorcista" (1973) pode ser simplificado tanto como um filme de possessão, como também sobre as inúmeras possibilidades sobre um possível poder da mente das pessoas e das possibilidades das quais elas podem criar.
Dito isso, os melhores filmes do gênero de horror são aqueles que sintetizam uma ideia que vai muito mais além das cenas grotescas e cheias de sangue. "Corra" (2017), de Peter Jordan Peele usou fórmulas clássicas de sucesso do gênero para falar sobre racismo, perseguição e o medo sobre os tempos contemporâneos. Eis que o cineasta dá mais um passo à frente com "Nós", filme que gerará muitos debates, dúvidas, mas acima de tudo, nos fará pensar sobre qual o lado certo que nos encontramos dentro da trama.
O filme conta a história de Adelaide (Lupita Nyong'o) e Gabe (Winston Duke) casal que decide levar os seus dois filhos para passar um fim de semana na praia e descansar em uma casa de veraneio. Eles viajam principalmente para aproveitar o ensolarado local, mas a chegada de um grupo misterioso muda tudo e a família se torna reféns em uma noite cheia de revelações.
"Nós" é um daqueles filmes que se deve falar muito pouco sobre o conteúdo da sua trama, pois basta uma linha dessa escrita que ela pode muito bem revelar coisas que não se devia. O bom filme é aquele que você vai assisti-lo sem saber muito sobre ele, do qual acaba lhe pegando desprevenido e fazendo refletir sobre o que havia assistido. Se filmes clássicos como, por exemplo, "O Sexto Sentido" (1999), fez a gente pensar sobre o seu revelador final, "Nós" nos faz pensar desde o começo até os seus surpreendentes segundos finais.
Peter Jordan Peele já monta o filme desde o início com inúmeros simbolismo, que vão desde as referências aos clássicos como "Alice no País das Maravilhas"(1951), como também "A Máquina do Tempo" (1960) e até mesmo Metrópolis (1927). Acima de tudo, é um filme que debate sobre uma parte da sociedade que se encontra excluída, que é tachada como minoria e da qual sempre busca um lugar ao sol. Mas no decorrer do filme, novamente, ficamos nos perguntando de qual lado certo nos encontramos dentro da trama?
Assim como "Corra", Peter Jordan Peele novamente usa certos artifícios para se fazer uma metáfora sobre o mundo atual. Porém, é mais precisamente sobre o próprio povo norte americano, que sempre vende uma propaganda de união entre os povos, quando na verdade é uma sociedade hipócrita, dividida e que se esconde por detrás das máscaras. Os minutos inicias, aliás, simbolizam os tempos de utopia que a era Ronald Reagan vendia para o povo norte americano, mas que visto hoje soa hipócrita e sem vida.
Esse lado hipócrita, por sua vez, se nasce uma espécie de oposição, da qual ela é excluída por uma sociedade formada por classes dominantes e que não aceitam pessoas que elas acreditam serem diferentes. Porém, a oposição pode ser justamente os próprios que ergueram os pilares da civilização, mas cujo o prêmio é ter obtido o esquecimento e se tornando assim uma sociedade zumbi que deseja acordar de um terrível pesadelo.
Uma vez que essa oposição se desfaz das amarras ela dá de encontro com a sociedade que acredita ser a verdadeira dominante da terra. É aí que surge o simbolismo do duplo, do qual pode até ser simplificado por uma solução fácil, mas que existe uma complexidade muito maior do que nós imaginamos. Uma vez que os dois lados da mesma moeda se encontram se nasce um duelo físico, verbal e do qual ambas as partes exigem o seu lugar de direito nesse mundo.
Nesse caso, Lupita Nyong'o nos brinda com a sua melhor interpretação de sua carreira, onde ela interpreta a protagonista principal da trama e o seu duplo e onde ambas possuem inúmeros segredos a serem revelados. Do princípio até o seu ápice final, a personagem de Lupita vai desvendando inúmeras camadas de sua pessoa, uma vez que isso acontece quando ela avança contra cada obstáculo, por vezes, perigoso. Porém, tanto ela como a sua família se tornam cada vez mais implacáveis pelo direito da sobrevivência e fazendo despertar em cada um deles um lado que até então cada um desconhecia.
Mas até que ponto sabemos sobre o que realmente está acontecendo na trama? Será que estamos do lado certo da história enquanto assistimos ela? Peter Jordan Peele dá um show de um verdadeiro cineasta autoral, onde a sua câmera desfila pelos cenários e jogando inúmeras informações das quais nem todas serão decifradas em uma primeira sessão. Cada enquadramento é algo revelador, como se o cineasta nos dissesse, somente com as imagens, que os segredos escondidos dentro da trama estão bem mais a nossa frente do que a gente imagina.
Com uma pequena, porém, impactante participação da atriz Elisabeth Moss, da série "The Handmaid's Tale", "Nós" é um filme que facilmente entrará para história do cinema e que sempre passará por novas releituras ao longo das décadas.
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