sexta-feira, 24 de fevereiro de 2023

Cine Especial: Revisitando 'A Hora do Espanto'

Sinopse: Adolescente viciado em programas de terror acredita que seus novos vizinhos são vampiros disfarçados. Ele pede ajuda a um pretenso caçador de vampiros, que se recusa a ajudá-lo por covardia e por não acreditar na história. 

Acredite, mas houve um tempo em que a programação das tvs abertas eram bem diversificadas, sendo que passavam muitos ótimos filmes e gerando uma briga pela audiência de forma ferrenha. Houve, por exemplo, uma briga clássica entre a Globo e o SBT pela audiência através dos dois primeiros filmes do "Rambo", sendo que a emissora Paulistana iria exibir o primeiro filme em uma determinada noite, mas o canal dos irmãos Marinho colocou o segundo filme naquele mesmo horário e fazendo com que Silvio Santos mudasse os seus planos e exibir o seu filme em uma outra ocasião. Mas nada se compara em uma noite de sábado, onde eu não sabia ao certo o que fazer naquele momento, pois dois grandes filmes estavam sendo exibidos pelos canais adversários.

Acredito eu que era em um sábado, pois os meus pais tinham o costume de levar a tv para o quarto neste dia da semana e assistir filmes na sessão "Super Cine" da Globo. No mesmo dia eu iria assistir ao "Cinema em Casa" do SBT, onde seria exibido "Greystoke - A Lenda de Tarzan" (1984), talvez a adaptação mais pé no chão sobre o clássico literário e do qual queria muito assistir, pois afinal eu era uma criança que assistia inúmeros filmes dos personagens em determinadas tardes qualquer. Mas eis que a emissora dos irmãos Marinho exibiu na mesma noite e na mesma hora o clássico "A Hora do Espanto" (1985).

Enquanto eu assistia ao filme do Tarzan no meu quarto os meus pais começaram a ficar eufóricos, gritando e rindo a todo momento. Cheguei ao ponto que tive que ver o que estava acontecendo e foi aí que vi o que estavam assistindo. Sinceramente é uma lembrança que nunca me esquecerei, pois o meu pai, por exemplo, nunca gostou de filmes e tão pouco de filmes de horror, mas havia algo naquela obra que o contagiou ele a tal ponto que no outro dia ele começou a ficar brincando de vampiro comigo a todo momento. Felizmente, o filme do SBT havia terminado mais cedo e decidi assistir ao restante da sessão da Globo com os meus pais.

Só àquela hora final o filme havia me encantando, mesmo eu ainda sendo uma criança covarde e que tinha medo até mesmo da transformação simplista do Hulk da série de tv clássica. Infelizmente nunca mais tive a chance de assistir a uma reprise na tv, sendo que somente assisti a sua continuação, mas o clássico demorei para revê-lo. Anos depois, em uma época que estava me aprofundando ainda mais no cinema através do VHS, decidi alugar o filme para despertar a minha memória, mas infelizmente a situação não foi das melhores. A cópia original que eu havia alugado possuía uma fotografia muito escura e não conseguindo enxergar direito o que acontecia.

Ao menos, a versão do DVD simples que aluguei posteriormente possuía uma qualidade melhor e pude assistir do começo ao fim finalmente. Recentemente, a Star Vídeo lançou a obra em uma edição de colecionador, contendo a continuação e com uma capa luva de alta qualidade. Revendo o filme agora em meus quarenta e dois anos de vida percebo como filme é carregado de simbolismos com relação ao gênero de horror, mas sendo também um interessante representante com relação ao universo oitentista e despertando em mim hoje em dia uma grande nostalgia. "A Hora do Espanto" havia sido lançado em 1985, ano em que muitos dizem ser o ápice do cinema daquela década e não duvido de forma alguma.

Dirigido por Tom Holland, que posteriormente faria o clássico "Brinquedo Assassino" (1987), o filme possui uma trama simples, mas contagiante de se assistir. Para o jovem Charley Webster (William Ragsdale) nada poderia ser melhor que um velho filme de terror bem tarde da noite. Assim, quando novos moradores ocupam a casa vizinha a experiência de Charley não deixa nenhuma dúvida de que o comportamento estranho dos novos vizinhos é explicado pelo fato de eles serem vampiros. Charley pede ajuda a Peter Vincent (Roddy McDowell), o apresentador do programa de terror preferido de Charley, mas acontece que Peter, além de covarde, não acredita em vampiros e está neste negócio apenas por dinheiro. A situação piora quando o vizinho vampiro ao lado se encanta pela sua namorada Emy (Amanda Bearse).

Atualmente por eu ter uma grande bagagem de conhecimento com relação a história do cinema percebo agora o quanto o longa é recheado de referências aos outros clássicos. Para começar, o início do filme é uma clara homenagem ao clássico "Janela Indiscreta" (1954), do mestre Alfred Hitchcock, já que o protagonista Charley desconfia do seu vizinho de estar matando garotas de programa e começa observa-lo pela janela. Porém, as referências não param por aí, já que o filme é uma bela homenagem aos tempos da era de ouro da "Hammer", estúdio Inglês que se dedicou por quase três décadas ao realizar diversos filmes de terror e que consagrou figuras ilustres como Christopher Lee, Peter Cushing, Vincent Price e tanto outros. Aliás, o nome do personagem de Roddy McDowell, Peter Vincent, é uma referência aos dois últimos atores citados, sendo que a sua figura nada mais é do que uma homenagem ao caçador de vampiros Van Helsing e do qual havia sido interpretado várias vezes por Peter Cushing.

O filme foi um refresco para aqueles que tinham na época saudades de um bom filme de vampiros, já que estamos na metade dos anos oitenta e o público preferia na época os assassinos mascarados que perseguiam protagonistas virgens. Isso, aliás, é citado no primeiro encontro entre Peter e Charley, sendo que o primeiro havia sido demitido do seu programa em que eram exibidos filmes de terror, pois o público jovem da época não estava mais dando bola para os filmes de vampiros. Curiosamente, esse formato de programa dos EUA em que exibiam filmes de terror clássicos serviu de inspiração para a criação do "Cine Trash" da Band e do qual foi apresentado por muito tempo por José Mojica Amorim, o eterno Zé do Caixão.

Embora na época tenha sido lançado dois anos antes "Fome de Viver" (1983), filme mais pé no chão com relação ao vampirismo, a obra de Tom Holland segue à risca com relação as fórmulas de sucesso e que havia dado certo, tantos nos tempos dos estúdios Hammer, como também da época dos primeiros filmes sobre vampiros dos anos trinta pela Universal. Está tudo lá, desde o uso de cruzes, estacas, água benta, alho, a não aparição do reflexo no espelho e dentre outros. Não deixa de ser hilário, por exemplo, quando Peter Vincent descobre que o vizinho é realmente e um vampiro através de um pequeno espelho e sendo um dos momentos mais lembrados pelos fãs.

Curiosamente, o filme possui um subtexto gay em sua narrativa, que é constantemente mais adereçado hoje na relação entre Jerry, o vampiro sedutor (Chris Sarandon), e seu “cuidador”, o zumbi Billy (Jonathan Stark). Basta uma segunda olhada no filme para entender um pouco melhor esta dinâmica. Ao mesmo tempo, o melhor amigo do protagonista chamado Ed, brilhantemente interpretado por tephen Geoffreys, ao que tudo indica sofre bullying devido ao seu jeito afetado e sendo facilmente persuadido pelo vampiro em ficar do seu lado, já que em um determinado diálogo ele diz que sabe também o que é sofrer preconceito por ser diferente. Em uma época em que o conservadorismo ainda era muito aflorado em território norte-americano o filme foi até mesmo bem corajoso neste quesito para dizer o mínimo.

Mas o filme funciona também graças ao seu incrível elenco escolhido a dedo, ao começar por William Ragsdale como Charley, que personifica a imagem do garoto comum que era tanto levado ao cinema naqueles tempos e que acaba se metendo uma situação imprevisível. Sua namorada Emy foi interpretada pela atriz Amanda Bearse, que durante a sua carreira trabalhou mais na tv, mas cuja a sua imagem da vampira chocou inúmeros fãs da época. Já Chris Sarandon já era um ator conhecido pelo público, pois ele havia sido indicado a melhor ator coadjuvante pelo seu incrível desempenho em "Um Dia de Cão" (1975) e em "A Hora do Espanto" ele obtêm o seu papel mais popular e lembrado até hoje. Porém, a cereja do bolo foi realmente a escolha de Roddy McDowell como o caçador de vampiros Peter Vincent.

McDowell já era um dos grandes veteranos do universo de Hollywood, tendo atuado desde cedo em clássicos como "Como Era Verde o Meu Vale" (1941). Porém, um dos seus papeis mais lembrados é como o simpático Dr. Cornelius no clássico "O Planeta dos Macacos" (1968), filme que renderia mais quatro continuações e das quais o ator também daria vida a Cesar, personagem que libertaria os macacos da tirania dos humanos. Para os fãs de horror, McDowell é lembrado com bastante carinho ao interpretar o medroso e atrapalhado caçador de vampiros Peter Vincent, mas cuja sua figura serviu até mesmo para que o público se interessasse e procurasse em assistir aos demais clássicos do vampirismo.

Grande sucesso de público e de crítica no ano de 1985, "A Hora do Espanto" ressuscitou a moda dos vampiros no cinema, tanto é que logo em seguida seria lançado outro longa que viria se tornar um grande clássico, "Garotos Perdidos" (1987) e dirigido por Joel Schumacher. Vale destacar que o filme de Tom Holland possui uma das melhores trilhas sonoras dos anos oitenta, cuja as músicas como, por exemplo, "Good Man In A Bad Time" se tornaram um grande sucesso nas paradas. O filme renderia mais uma continuação em 1987, além de uma refilmagem em 2011, mas em nenhum dos casos superou a obra original.

"A Hora do Espanto" é um dos melhores e mais divertidos filmes de vampiros de todos os tempos e cuja a sua primeira exibição em uma longínqua exibição pela tv marcou a minha infância e de uma geração inteira. 


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