segunda-feira, 30 de setembro de 2024

Cine Dica: Em Cartaz - 'HERE'

Sinopse: Trabalhador da construção Civil entra de férias e decide voltar para a sua cidade natal. Durante o percurso cruza com velhos amigos e conhece novas pessoas que podem lhe mudar de rumo.    

Dois filmes com o mesmo tempo de projeção podem se diferenciar um do outro de acordo com o seu ritmo e do seu modo de ter sido filmado. Dependendo do diretor, há casos de o cinema ser mais contemplativo e fazendo com que determinada cena nos passes a sensação que o tempo acabe se deslocando e fazendo com que adentremos em um outro espaço e tempo. "Here" (2024) é um desses casos que a sua curta duração se difere dos filmes convencionais e fazendo para nós uma experiência incomum sobre o tempo que escorre ao nosso redor.

Dirigido por Bas Devos, de "Ghost Tropic" (2019), acompanhamos a história de Stefan (Stefan Gota), trabalhador da construção civil romeno que mora em Bruxelas e está prestes a voltar para casa. Durante sua despedida, ele prepara uma grande panela de sopa como presente para distribuir entre seus amigos e parentes. Durante o percurso ele conhece Shuxiu (Liyo Gong), uma estudante de doutorado belga-chinesa especializada em musgos que está realizando uma pesquisa na região.

Bas Devos procura nos apresentar um paradoxo entre a cidade grande sempre em movimento com a natureza que surgirá aos poucos. Nota-se, por exemplo, que ele se preocupa em focar uma cidade que nos transmite certa frieza através de suas grandes paredes de pedra e sem vida, mesmo quando há pessoas que vivem por lá, mas não sentimos nenhum calor. O que se difere quando adentramos ao verde em que os personagens centrais adentram e revelando um mosaico cheio de detalhes e fazendo com que o tempo pare, pois não há pressa neste cenário, mas sim somente contemplar o lado natural do mundo.

Para termos maior sensação sobre isso, o diretor usa um enquadramento menos horizontal, mais comum no cinema de antigamente. Essa opção reflete o seu desejo em querer que a nossa visão foque os detalhes que se seguem, desde a movimentação das arvores, como também determinadas passagens de um trem em movimento. O ápice disso se encontra em um restaurante onde o protagonista está sentado e onde vemos cada pingo da chuva cair atrás dele.

Curiosamente, essas passagens me lembraram da pintura "Falcões da Noite", criada em 1942 pelo pintor Edward Hopper. Para muitos críticos da arte, a pintura simbolizava o vazio que os cidadãos norte-americanos estavam vivendo naqueles tempos e fazendo com que, ao mesmo tempo, profetizasse o futuro de uma civilização cada vez mais individualista e com o futuro indefinido. Ao menos aqui ainda há um fio de esperança, principalmente quando nasce a relação entre Stefan e  Shuxiu.

Enquanto o primeiro começa a revisitar o seu passado através da natureza, por outro lado, Shuxiu parece procurar compreender aquele estranho com certo receio, mas da sua curiosidade surge uma forma para que ambos enxerguem o mundo por uma nova perspectiva. Quando achamos que ambos ficaram juntos, eis que o cineasta opta em testar a nossa observação através dos seus enquadramentos de cena e fazendo com essa possibilidade fique somente aberto até o final da trama. No final das contas, os pequenos gestos valem por muitos, principalmente quando temos a chance de desfrutamos de um mundo cada vez mais invisível, pois estamos cada vez nos afogando em uma civilização dominada por um sistema vicioso.

"Here" é sobre a tentativa de fuga do ser humano em tentar se deslocar para outros lugares e fazendo com que o tempo pare e se torne um mero detalhe. 



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