sexta-feira, 21 de junho de 2024

Cine Especial: Revisitando '9 1/2 Semanas de Amor'

Cada filme que eu assisto pela primeira vez tem a sua curiosa história para ser contada. "9 1/2 Semanas de Amor" (1986) eu conheci da forma mais interessante possível, em tempos em que os meus hormônios estavam em ebulição e buscavam algo picante para assistir na tv. Eram tempos que eu ainda nem pisava em uma locadora, mas para isso serviu a sessão “Sexta Sexy” da Band.

Era uma sessão de filmes eróticos que passavam sempre as sextas e que, curiosamente, passava as 22h, sendo que para muitos de hoje em dia esse horário é bem cedo. Nestas primeiras sessões é que surgiu o filme dirigido por Adrian Lyne e baseado na obra de Ingeborg Day, que escreveu a trama de acordo com as suas memorias de um amor ardente que ela teve no passado. Estrelado por Kim Basinger e Mickey Rourke, o filme foi um fracasso quando estreou nos EUA, mas se tornando um grande sucesso no mundo a fora e faturando mais de R$ 100 milhões ao redor do mundo.

Só para se ter uma ideia o longa ficou cinco anos em cartaz em uma sala de Paris, ficando por dois anos na sala Cine Belas Artes de São Paulo e fazendo com que o filme crescesse cada vez mais entre os cinéfilos. É um daqueles casos que a obra cresce através do tempo e fazendo os críticos reconhecerem que erraram em uma primeira análise quando o filme havia estreado. Hoje o filme é apontado como um verdadeiro cult e elementos para isso é o que não faltam.

Para começar, Adrian Lyne criou um filme que exala o que foi os anos oitenta, onde havia uma sociedade cada vez mais desajustada e cansada de seguir as normas de um sistema cheio de regras e se entregando aos seus desejos até então reprimidos. Eram tempos em que ser sombrio era moda, onde vemos uma Nova York acinzentada, chuvosa e que remete até mesmo os tempos do subgênero noir e que revisto hoje se percebe que não é somente um filme pertencente ao seu tempo, como também podendo ser muito bem visto aos olhos do nosso tempo. Não me surpreenderia, por exemplo, se o longa serviu de inspiração para a E. L. James criar o seu "Cinquenta Tons de Cinza", muito embora aquilo não passe de um conto de fadas masoquista perto desse.

A relação dos personagens de Kim Basinger e Mickey Rourke é instantânea, fazendo com que as cenas se tornem intensas na medida em que a trama avança. Curiosamente, o primeiro beijo entre os dois somente acontece após quarenta e cinco minutos de filme, sendo que antes disso há somente joguinhos de sedução, desde gelo sendo passado no corpo, como também cenas em que a personagem Elizabeth vai comendo diversos alimentos enquanto John vai escolhendo qual será o próximo.

O filme é basicamente isso, sendo que pouco sabemos sobre o passado de John, muito embora nos dê a entender que ele tinha tudo, mas não o suficiente para despertar nele um amor verdadeiro, até conhecer Elizabeth. Pode-se dizer que o filme é até mesmo a frente do seu tempo na questão de relacionamentos que começam com grande fogo, mas que começam a terminar no momento em que se encontram desgastados e não sabendo ao certo como apimenta-lo. Neste último caso, as atitudes de John seriam vistas hoje como politicamente incorretas, muito embora no livro se torne ainda mais violenta e intensa, ao ponto de Elizabeth ser internada.

Tanto Kim Basinger como Mickey Rourke estão ótimos em cena, sendo que a química entre ambos se sente a cada olhar e gestos que os seus personagens fazem um para o outro. Rodado em dez semanas, o diretor decidiu que as filmagens fossem feitas em ordem cronológica para que a relação entre os dois interpretes se tornasse cada vez mais verossímil e intensa na medida do possível. Na realidade, essa intensidade foi mais além do que se imagina.

No momento de filmar a última cena, que posteriormente acabou sendo removida, Basinger deveria estar partida ao meio emocionalmente e fisicamente. Porém, a interprete compareceu nas filmagens com boa aparência e não se parecia em nada como o realizador queria. A cena em questão seria John forçar Elizabeth a tomar diversos medicamentos para dormir para ver até onde o amor dela iria por ele.

“A cena não estava funcionando. Kim tinha uma aparência fresca como uma rosa, adorável demais", contou Lyne, “então tivemos que quebrá-la". Depois de receber as anotações do diretor, Rourke agarrou o braço de Basinger com força fazendo atriz gritar, chorar e bater nele. Rourke soltou o braço de Basinger, mas em seguida lhe deu uma bofetada. Ela sofreu um ataque de pânico. O diretor exclamou: "Vamos filmar a cena agora".

Segundo as próprias palavras da atriz não foi uma das experiências mais agradáveis, sendo que ela não queria ver mais ninguém da produção após a sua conclusão. Porém, ela reconhece que isso tudo havia lhe deixado mais forte e ao mesmo tempo tendo um cuidado maior na escolha dos seus papeis. Claro que muita coisa foi cortada na edição final, desde a cena dos medicamentos para dormir, como também outras cenas de sexo demasiadamente fortes demais.

Vale destacar que o filme também possui uma bela trilha sonora, sendo que as letras são facilmente reconhecidas pelos que apreciam uma boa música. Uma das minhas favoritas é "Slave to Love", de Bryan Ferry, e que sinceramente até havia me esquecido que pertencia a esse filme, até revê-lo recentemente. O longa voltou a ser exibido nos cinemas em comemoração aos setenta anos da Kim Basinger e fazendo que muitos consigam assistir por uma nova perspectiva nos dias de hoje.

"9 1/2 Semanas de Amor" é um filme que não se sustenta somente pela sua relação amorosa complexa e ardente entre os dois protagonistas, como também é um dos filmes que melhor sintetizou a metamorfose que a sociedade passava durante os anos oitenta.


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