quarta-feira, 1 de maio de 2024

Cine Dica: Em Cartaz - 'A PAIXÃO SEGUNDO GH'

Sinopse: Depois de demitir sua empregada, G. H. precisa arrumar o quarto de serviço. Enquanto limpa, ela reflete sobre sua vida e a possibilidade de ter perdido sua essência. 



Por muito tempo alguns livros clássicos foram consideráveis impossíveis para serem levados para o cinema, já que a linguagem literária, em alguns casos, funciona somente nas páginas Por muito tempo, por exemplo, "Ensaio sobre a Cegueira", de José Saramago, era apontado por muitos especialistas como algo impensável de ser levado para as telas, até chegar Fernando Meirelles e fazer uma ótima adaptação em 2008. "A Paixão Segundo GH" (2024), por sua vez, é algo ainda mais complexo, mas sendo também levado agora para as telas e onde temos uma dimensão do peso da linguagem literária e da responsabilidade dos realizadores em fazer com que desse certo fora das páginas.

Dirigido por Luiz Fernando Carvalho, do filme "Lavoura Arcaica" (2001), o filme é baseado na obra literária escrita por Clarice Lispector. A trama se passa no ano de 1964, onde conhecemos G.H, (Maria Fernanda Cândido), que após o término de um relacionamento ela decide arrumar o seu apartamento, já que a sua empregada havia ido embora no dia anterior. Ao chegar no quarto em que a empregada dormia a protagonista se depara com uma barata e a partir desse encontro se gera um confronto e do qual a protagonista terá que lidar consigo mesma.

De origem Ucraniana, Clarice Lispector viveu boa parte de sua vida no Rio de Janeiro e sendo que por lá testemunhou o mundo mudando, desde ao cenário político como também existencial. Neste último caso, por exemplo, pode-se dizer que ela sempre teve uma predileção pelo papel da mulher daqueles tempos, principalmente em um momento em que o papel do patriarcado disfarçado de democrático estava começando a ruir e fazendo com que o papel da mulher se tornasse cada vez mais relevante. Portanto, "A Paixão Segundo GH" é moldado por diversas camadas, desde a questão de dilemas existenciais como também questões sobre a divisões de classes e sendo moldada de uma forma bem peculiar.

A narrativa é toda moldada pelas palavras da protagonista, da qual ela transita entre a realidade, sonhos, pensamentos e lembranças sobre tempos que possuíam maior brilho. Uma vez que uma relação se termina ela encara uma realidade dura e seca, da qual ela convivia, mas ao mesmo tempo não se dando conta de sua existência. A empregada que partiu, por sua vez, possuía um rosto, mas da qual jamais era notado, mas ganhando vida através do encontro da protagonista com a barata encontrada no quarto.

Deste encontro enigmático podemos tirar diversas interpretações, desde ao fato de a protagonista comparar a pequena criatura com a empregada, como também ao fato dela jamais encarar uma faceta existencial do dia a dia. É como se ela tivesse vivido somente em sua bolha da qual se sentia segura, para então encarar a existência de um simples inseto que a faz enfrentar os seus próprios demônios interiores e dos quais podem estar lhe destruindo. Por mais absurdo que seja, pelo texto isso se tornava até mesmo crível, mas para as telas ninguém tinha coragem de levar esse material para fora das páginas.

Porém, Luiz Fernando Carvalho soube moldurar a narrativa através de uma edição de cenas em que transitam entre o verossímil para o abstrato e moldurado por uma trilha sonora que nos deixa ainda mais desconcertado. É como se as cenas fossem se estilhaçando dentro da protagonista para que assim se criasse um mosaico de informações espalhados pelo longa e sendo todos acolhidos pela mulher cada vez mais a beira da insanidade. Se o material possui tamanha complexidade era preciso ser representado por um grande talento e Maria Fernanda Cândido soube conduzir com grande êxito.

Narrando a trama para nós e para consigo mesma, Maria Fernanda Cândido consegue colocar para fora toda confusão mental e existencial da personagem, fazendo com que vários momentos, por exemplo, se quebrem a quarta parede e chegando ao ponto de o longa possuir uma linguagem quase teatral e fazendo a gente imaginar como seria a trama sendo apresentado ao vivo em um palco para o grande público. O encontro dela com a barata não exige somente uma interpretação convincente, como também um preparo físico onde ela age como se estivesse expulsando um veneno interior que a fizesse se contorcer em cena de uma forma peculiar e enigmática. Um filme de duas horas protagonizado por uma única atriz em cena, mas Maria Fernanda Cândido cumpre com louvor esse grande desafio e se tornando o melhor desempenho de sua carreira.

É claro que não é um filme para aqueles que estão acostumados pelo convencional, principalmente para aqueles que acreditam que cinema somente existe através do cinemão norte americano. Encarar o filme é o mesmo que adentrar um território desconhecido, mas fazendo com que a experiência se torne inesquecível e lhe tirando da zona de conforto. Para saborear algo novo é preciso degustá-lo, nem que para isso o gosto se torne peculiar em um primeiro momento.

"A Paixão Segundo GH" é uma experiência sensorial enigmática e que pegará muitas pessoas que forem ao cinema de forma desprevenida.  

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