quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

Cine Dica: Em Cartaz - "Pobres Criaturas"

Sinopse: A jovem Bella Baxter é trazida de volta à vida pelo cientista Dr. Godwin Baxter. Querendo ver mais do mundo, ela foge com um advogado e viaja pelos continentes. Livre dos preconceitos de sua época, Bella exige igualdade e libertação.

Quando Mary Shelley estava escrevendo a sua futura obra prima literária "Frankenstein" ela buscou inspiração em sua própria realidade, por vezes, miserável e da qual lutava perante um mundo moldado pelas regras vindas do patriarcado. Com isso, a história de um cientista em dar vida a um ser através de pedaços de outras pessoas é uma análise feroz sobre o comportamento do homem ao enfrentar o sistema religioso que governa o nosso mundo. "Pobres Criaturas" (2023) degusta da fonte desse conto literário, dialogando com os dilemas debatidos no mundo de hoje, mas dos quais alguns não ousam discutir e deixar tudo como está.

Dirigido por Yórgos Lánthimos, realizador de filmes como "O Sacrifício do Cervo Sagrado" (2017) e "A Favorita" (2018), o filme é baseado no livro homônimo de Alasdair Grey, que por sua vez se inspira na fonte do clássico Frankenstein. A trama se passa no que parece ser a Era Vitoriana, onde acompanhamos a protagonista Bella Baxter (interpretada por Stone), que foi trazida de volta a vida após o seu cérebro ser substituído de uma forma inusitada. A realização de tal feito foi orquestrado pelo Dr.Godwin Baxter (Willem Dafoe), um cientista com uma grande mente, porém, peculiar em alguns pontos. Querendo conhecer mais dessa realidade, a jovem foge com um advogado trambiqueiro (Mark Ruffalo ) e juntos viajam pelos continentes, mas no decorrer do tempo ela deseja obter novos planos futuros.

Yórgos Lánthimos cria filmes incômodos, dos quais o realismo transita por situações inusitadas, mas que fazem a gente adentrar a mente da alma humana, por vezes, pouca lucida. Neste filme, nós enxergamos uma realidade da Era Vitoriana não exatamente de acordo como ela poderia ter sido, mas sim através do olhar de um ser que vai aos poucos descobrindo aquele mundo. A personagem de Emma Stone nada mais é do que uma criança recém-nascida, mas que não esconde o seu desejo de aprender e experimentar todos esses elementos perante o que enxerga.

Aliás, essa realidade eu preciso colocar em destaque, já que  Yórgos Lánthimos a molda de uma forma como se estivéssemos assistindo os melhores momentos do expressionismo alemão, mas ao mesmo tempo transitando para os primeiros passos de um cinema colorido e falsamente realístico. Tudo isso moldurado entre a fotografia de Robbie Ryan com o design de produção steampunk realizado por Shona Heath e James Price, exibindo sua estética retrofuturista que combina cenários reais com uso com efeitos digitais. Além disso, temos um trabalho belíssimo da figurinista Holly Waddington, cujo visual colorido dos vestidos da protagonista refletem de forma gradual a sua mudança comportamental.

Tudo no filme gira no conhecimento e na transformação, sendo que a própria fotografia, que inicia com um belíssimo preto e branco, logo dá lugar as cores quentes e que exalam o desejo dos protagonistas cada vez mais acentuado na medida em que a trama avança. Dito isso, todo esse lado técnico se casa com perfeição com atriz Emma Stone, que se entrega de corpo e alma a um ser que não esconde a sua inocência perante aquele mundo implacável, mas sendo justamente isso que a fará sobreviver e começando a compreender os seus desejos. Stone entrega um desempenho extraordinário, onde o seu olhar nos transmite curiosidade, desejo e um fundo sem fim para ser preenchido.

Aliás, é um trabalho que exigiu o seu físico a todo momento, já que a protagonista começa como uma espécie de boneca que ganha vida e que vai aos poucos aprendendo a caminhar e saber comer. Seu desejo pelo conhecimento vai se destacando na medida em que ela adentra ao mundo físico do ser humano e do qual vai experimentando as sensações que a leva ao apetite sexual como um todo. Curiosamente, ela age como se fosse algo comum, mas dando de encontro com o conservadorismo da época e que não é muito diferente de hoje em dia.

Mesmo com uma inocência pontuada, a protagonista inicia uma jornada de emancipação, da qual ela exige ser como ela é e desfrutar tudo no que bem entender. O filme, portanto, vem em um momento em que as mulheres do mundo ainda enfrentam o preconceito e até mesmo autoritarismo que vive por detrás das cortinas dos países Democráticos do mundo. Curiosamente, o sexo visto em abundância no filme é algo sentido como prazer a ser degustado a todo momento pela protagonista e que ao mesmo tempo usufrui disso para sobreviver e caminhar com os seus próprios pés.

Devido a esse comportamento, os personagens masculinos vistos na tela nada podem fazer para conte-la, mas sim ter que enfrentar as suas consequências. O doutor Godwin Baxter, por exemplo, a criou dentro de sua própria casa, mas mesmo com todos os seus recursos ele tem consciência que a sua criação é mais forte do que a sua mente avançada. Como sempre, Willem Dafoe nos brinda com um personagem incrível, cujo seu olhar sarcástico perante o mundo também não esconde as suas limitações e as cicatrizes físicas e psicológicas que obteve em sua história.

E como é bom voltar a ver Mark Ruffalo atuando fora dos padrões corriqueiros e nos brindando com um personagem trambiqueiro e que nada mais é do que uma representação do homem que usa no bem entender a inocência das mulheres como um todo. Porém, essa inocência é que fará ele sair dos trilhos e fazendo encarar o seu lado mais fraco perante um mundo que pode mastigá-lo a qualquer momento e cuspi-lo fora sem nenhum remorso. Uma atuação que nos fará a gente rir das situações em que o personagem irá se meter achando que obteve o controle da protagonista no decorrer da história.

No ato final, testemunhamos a personagem de Stone descobrindo a sua real natureza, mas ao invés de se chocar, ela age com total naturalidade, pois uma vez conhecendo o mundo real ela aprendeu a saber jogar esse grande jogo de xadrez. Portanto, a meu ver, a sua personagem chegou ao estado de mente e espírito que se encontrava a escritora Mary Shelley quando havia lançado o seu "Frankenstein", pois uma vez conhecendo o lado podre do mundo acaba tudo fluindo perfeitamente e sabendo puxar as cordinhas desse teatro de marionetes. Não é somente uma bela sacada criada pelo diretor Yórgos Lánthimos, como também da própria escritora  Alasdair Grey.

"Pobres Criaturas" é um filme que irá incomodar muitos conservadores hipócritas do mundo a fora, mas é justamente por isso que o torna corajoso e desde já um dos melhores filmes desse início de ano.   

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