sexta-feira, 6 de outubro de 2023

Cine Especial: Conhecendo 'Com a Maldade na Alma'

"O que Terá Acontecido com Baby Jane?" (1962) fez parte de uma revolução que o gênero de suspense estava obtendo, sendo que se iniciou com o clássico "Psicose" (1960) e gerando assim cada vez mais filmes de teor tenso e psicológico. O diretor Robert Aldrich queria repetir o feito novamente com as atrizes Bette Davis e Joan Crawford, sendo que o clássico havia revitalizado a carreira de ambas e ao mesmo tempo fortalecendo ainda mais a rivalidade entre elas. Eis que então surgiria "Com a Maldade na Alma" (1964) projeto que tinha tudo para repetir a dobradinha, mas algo aconteceu no meio do percurso.

Joan Crawford chegou a filmar algumas cenas, mas como estava tendo uma fase difícil em sua vida pessoal, além de seus atritos constantes com Bette Davis, ela acabou adoecendo e tendo que se afastar das filmagens permanentemente. Coube então Robert Aldrich viajar até Londres para convencer Olivia de Havilland em substituir Crawford e que, felizmente ou infelizmente. aceitou a tarefa ingrata, pois ao assistir o filme percebo que era um papel realmente moldado para Joan Crawford. Mas do que trata exatamente o filme?

A trama começa em Louisiana, 1927. Samuel Eugene "Big Sam" Hollis (Victor Bueno), um rico proprietário, tem uma discussão com John Mayhew (Bruce Dern), o amante de sua filha, Charlotte Hollis (Bette Davis). John é casado com Jewel Mayhew (Mary Astor) e Sam diz para ele que continuará com a esposa, pois não terá nem Charlotte nem sua propriedade, que tanto sacrifício fez para reerguer. Sam avisa para John que no baile daquela noite romperá com Charlotte. John cumpre a exigência, deixando Charlotte inconformada. Logo depois John tem uma das mãos e a cabeça cortada por um cutelo, com Charlotte surgindo no salão com o vestido sujo de sangue.

Após 37 anos, Charlotte se tornou uma reclusa, que é vista até pelas crianças como uma assassina louca. Quem cuida dela é Velma Cruther (Agnes Moorehead), uma fiel criada. Porém ela enfrenta outro problema com a vinda do progresso, pois para fazerem uma autoestrada querem derrubar sua casa, que pertence à família desde os tempos da Guerra Civil. Ela se recusa a deixar o lugar, apesar dos pedidos do xerife Luke Standish (Wesley Addy), e atirou nos trabalhadores que entraram em suas terras. Charlotte chama a prima Miriam Deering (Olivia de Havilland) para lutar numa batalha pública para salvar seu lar.

O primeiro ato é um primor de filmagem, já que assim como foi visto em "O que Terá Acontecido com Baby Jane?" Robert Aldrich fez uma grande abertura para nos apresentar o início desse grande conflito psicológico que a personagem central estava envolvida. Curiosamente, é a própria Bette Davis que faz a versão mais jovem da personagem, mas cujo seu rosto fica entre as sombras e escondendo o fato de ser uma mulher muito mais velha. Vale destacar as luzes e sombras que moldam a bela fotografia do filme, sendo que ela remete aos bons tempos do cinema noir e ao mesmo tempo sintetizando um clima mórbido na medida em que a trama fica cada vez mais tensa no decorrer do tempo.

Se a trama em si que envolve um misterioso assassinato e herança sendo disputada não soe tão original hoje em dia, ao menos o roteiro colabora para que fiquemos na dúvida a todo o instante sobre o que realmente está acontecendo em cena. Em muitas ocasiões, por exemplo, Charlotte começa a ter diversas alucinações, sendo do amante lhe chamando, ou vendo mesmo sem cabeça em determinados momentos. A loucura impera em diversos pontos da trama, sendo que a governanta também nos transmite certo desiquilíbrio e que é interpretada de forma intensa pela atriz Agnes Moorehead acabou levando um Oscar por esse papel.

Não tenho a menor dúvida que Bette Davis se entregou ao limite no filme "O que Terá Acontecido com Baby Jane?", sendo que ali na minha opinião se encontra uma das atuações mais poderosas da história do cinema. Aqui ela novamente interpreta uma personagem complexa e com sérios problemas mentais, mas que em muitos momentos nos lembra o seu desempenho do filme anterior, o que acaba meio que prejudicando o resultado final. Porém, é de Bette Davis que estamos falando, uma intérprete que se entregava de corpo e alma aos seus personagens e aqui não é diferente mesmo não superando o seu maior desempenho anteriormente.

Porém, é triste constatar que o filme poderia ter sido melhor ainda se Joan Crawford tivesse se mantido no projeto, sendo que quando vemos Olivia de Havilland atuando nos passa uma sensação de incomodo, como se ela estivesse no lugar errado e na hora errada e cujo seu desempenho me pareceu como se ela estivesse imitando o que teria sido atuação de Joan Crawford. Não que eu esteja desmerecendo a grande veterana do cinema e que fez parte de clássicos como "E o Vento Levou" (1939), mas revendo hoje se percebe que ela caiu de paraquedas no projeto de forma involuntária, mas colocando em prática o que precisava ser feito durante o desenvolvimento das cenas.

É preciso reconhecer também que Robert Aldrich precisou tirar leite de pedra na elaboração de um projeto que causou certa dor de cabeça para os envolvidos e constatando que o mesmo criou cenas inesquecíveis para dizer o mínimo. A minha preferida fica mesmo para enigmática cena em que a personagem de Davis tem uma suposta alucinação e novamente se vê em volta do cenário do crime, mas todos os demais em cena estão usando máscaras, como houvesse alguém querendo esconder a verdade perante ela. Como se isso não bastasse, quando acreditamos que a personagem cometeu um ato terrível eis que não é bem assim o que havia acontecido, sendo que é partir daí que conhecemos o outro lado da moeda da personagem de Olivia de Havilland.

Por melhor que seja o filme, ao mesmo tempo eu acredito que ele sofreu da sombra do clássico "O que Terá Acontecido com Baby Jane?". Porém, é um longa-metragem que que revisto hoje reviste ao teste do tempo, sendo algo muito melhor do que é feito em termos de suspense hoje em dia em algumas ocasiões e que merece ser descoberto por essa nova geração de cinéfilos que procura por algo mais de significativo dentro da sétima arte. Atualmente o filme foi lançado em DVD pela Classicline e, portanto, vale aquisição.

"Com a Maldade na Alma" pode não ser um grande clássico do suspense, mas que merece todo o meu respeito ao me surpreender e diversos pontos da obra a serem analisados. 

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