segunda-feira, 28 de agosto de 2023

Cine Dica: Em Cartaz - 'O Acidente'

Sinopse: Após um atropelamento jovem sai ilesa e decide esconder o ocorrido da companheira, porém, um vídeo do acidente viraliza na internet e a ciclista se vê obrigada a prestar queixa na polícia. Joana, então, começa aos poucos a se envolver na vida da família da pessoa que a atropelou.  



A cidade de Porto Alegre, com as suas divisões entre prédios históricos e construções recentes sem brilho, é um cenário propicio para a realização de tramas em que exploram a solidão de personagens perdidos em suas vidas. Se "Ponto Zero" (2015) falava dessa nova geração abandonada pelo lado paternal, por outro lado, "Tinta Bruta" (2018) fala da mesma, mas por outra perspectiva, onde não sabem onde se encaixar em uma realidade cada vez mais conservadora. "O Acidente" (2023) fala sobre pessoas confusas ao não saber ao certo sobre o que deseja e buscando entender sobre o mundo real em sua volta.

Dirigido por Bruno Carboni, o filme acompanha a ciclista Joana que se vê envolvida num acidente estranho no meio do trânsito em uma metrópole brasileira. A jovem consegue sair ilesa e decide esconder o acontecido de Cecilia, sua esposa, a qual ela está prestes a começar uma família. Quando um vídeo do acidente surge, Joana é convencida pela esposa a dar queixa e logo recebe a visita da motorista e de seu filho, o autor do vídeo. Aos poucos, Joana é atraída para a vida dessa família disfuncional, principalmente para os vídeos bizarros do jovem Malcon, fazendo mudar o olhar para com sua própria família que está começando.

Por muito tempo Bruno Carboni foi montador de diversos filmes gaúchos, que vai desde aos cultuados como "Beira-Mar" (2015) ao badalado "Castanha" (2014). Com esse currículo era inevitável que ele finalmente aderisse ao posto de diretor e aqui ele mescla a sua visão autoral na realização do filme como também utilizando a sua formação como montador e realizando cenas incomuns. É curioso, por exemplo, determinadas cenas em que há uma certa expectativa com relação aos rostos dos personagens, sendo que em um primeiro momento são apresentados da cintura para baixo, como se houvesse prenuncio sobre as reais intenções dos respectivos personagens através dos seus respectivos rostos.

Neste último caso o filme fala mais através da ação dos mesmos, dos quais se veem perdidos nas consequências das ações de outros e criando assim uma bola de neve que não sabemos ao certo onde tudo isso irá se finalizar. De um atropelamento incomum o realizador cria um estudo sobre o olhar dos personagens com relação a suas realidades, principalmente através do uso das câmeras dentro das histórias e como se elas fossem uma forma dos protagonistas enxergarem um novo mundo, mas do qual se encontram muito mais perto do que eles imaginam. Acima de tudo, é um filme que fala sobre uma sociedade cada vez mais dividida, encravada em suas atividades sem vida e se esquecendo o que fazem realmente se sentirem vivos no seu dia a dia.

Joana, interpretada brilhantemente por Carol Martins, vive acomodada dentro de sua bolha, porém, é arrebentada uma vez que é atropelada e se chocando com uma realidade até então inédita. Porém, para o nosso olhar, a família que ela conhece é uma espécie de síntese de uma sociedade brasileira cada vez mais hipócrita, ao vender a imagem da boa família, quando na verdade não sabem ao certo o que fazem ser realmente humanos. No meio disso o jovem Maicon (Luís Felipe Xavier) se vê perdido entre o atrito dos seu país, mas compreendo muito bem o que acontece através de sua câmera e podendo assim apreciar algo que cada vez mais as pessoas não se dão mais conta.

Ao final, tudo que esses personagens desejam é que sejam ouvidos, mesmo quando os demais em volta não se sentem mais a vontade de ouvir mais ninguém a não ser eles mesmos. Porém, o carinho vindo de um abraço faz a diferença em momentos delicados e ao que tudo indica a humanidade está cada vez mais se lembrando menos disso. Uma vez esticando a mão, quem sabe, podemos sermos todos salvos do marasmo.

Com participação de João Carlos Castanha, "O Acidente" fala de uma geração pronta para explodir, mas que basta ser acolhida pra que a mesma volte a viver. 


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