quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

Cine Dica: Em Cartaz - 'Triângulo da Tristeza'

 Sinopse: Um cruzeiro para os super-ricos afunda, deixando os sobreviventes, incluindo um casal de celebridades, presos em uma ilha. 

Ruben Östlund tem uma predileção em colocar os seus personagens em situações que os tirem em seus cenários habituais e fazendo com que os mesmos enfrentem situações que eles não possam controlar. Se em "Força Maior" (2015) vemos um pai de família cometer um ato falho durante uma avalanche, por outro lado, "The Square - A Arte da Discórdia" (2018) vemos a elite incapaz de administrar emocionalmente um evento artístico de proporções imprevisíveis. Em seu mais novo filme, "Triângulo da Tristeza" (2022), vemos uma situação parecida, mas em proporções ainda mais elevadas e colocando a elite em situações que os deixam em total impotência.

A história começa acompanhando os jovens modelos Carl (Harris Dickinson) e Yaya (Charlbi Dean), que estão navegando pelo mundo fashionista enquanto tentam se tornar influencers. Eles ganham passagens para viajar num cruzeiro de luxo, sendo os únicos passageiros classe média num grupo de milionários, liderado por um alcóolatra capitão comunista do barco (Woody Harrelson). Porém, uma noite de tormenta e ataques de piratas fazem o navio naufragar, deixando os sobreviventes presos numa ilha deserta.

Ruben Östlund não tem pressa em nos levar ao cenário principal que irá desencadear situações fora do comum e, portanto, ele decide apresentar de forma gradual o casal principal e dos quais são uma representação da classe média atual que tenta de todo custo ser reconhecidos pelos seus trabalhos nas redes sociais. Por conta disso há uma discussão sobre o papel do homem e da mulher atual, dos quais os mesmos buscam igualdade na união, mas que logo são jogados em cenário de atrito e incerteza com relação a união. Não há como não rir dos diálogos entre os dois, principalmente vindos do personagem de Harris Dickinson que se vê confuso, não somente com relação ao seu relacionamento, como também com relação ao universo da moda em que está convivendo.

Uma vez apresentado os dois protagonistas conhecemos no barco os demais personagens que irão elevar o filme em outro patamar. Conhecemos personagens da elite que sempre se entregam ao luxo, mas nunca tendo uma noção de uma realidade que possui muito mais além do que isso. Portanto, em determinado momento por exemplo, há uma curiosidade de um desses da elite em querer saber como a tripulação se diverti, como se realmente acreditassem que realmente teriam achado a felicidade e acreditando que estão dando uma esmola ou dando uma passagem temporária para suas realidades. Isso é apenas um aperitivo do que virá em seguida e fazendo a gente ser pego de forma desprevenida.

É então que surge do nada Woody Harrelson como capitão deste barco cheio de figuras peculiares e nos brindando com uma de suas melhores atuações da carreira. Mas isso somente acontece graças ao personagem que ele contracena, interpretado pelo ator Zlatko Buric e ambos nos brindando com diálogos fantásticos e que nos faz rir a todo momento. Ao mesmo tempo em que a conversa de ambos se eleva em novos patamares o barco onde se encontra a elite poderosa começa a sentir a realidade batendo a sua porta.

É preciso deixar claro que esse momento não é para os estômagos fracos, principalmente para aqueles que comeram algo. Ruben Östlund  surpreende ao nos passar a sensação de que realmente o barco está enfrentando uma grande tempestade lá fora e fazendo com que os passageiros e a tripulação sintam os efeitos de forma imediata. Uma vez sentindo os efeitos não será todo o poder do mundo que irá impedir que eles deixem de serem seres humanos e colocando para fora tudo o que haviam degustado naquele momento.

Ao mesmo tempo, o personagem de Woody Harrelson e seu companheiro começam a soltar frases de Karl Marx, Martin Luther King e outras diversas figuras históricas que lutaram pela igualdade e socialismo e provocando a elite que se encontra no local que sempre defendeu com unhas e dentes o sistema do capitalismo. Sinceramente eu comecei a rir da situação, já que é um humor ácido, sedutor e ao mesmo tempo obrigatório para ser ouvido por todos em tempos atuais em que a divisão de classes se encontra ainda mais acentuado.

Após esse show de máscaras caindo o cenário muda e vemos alguns personagens que restaram estarem presos em uma ilha deserta. Uma vez que os recursos se encontram escassos a divisão de classes já não mais existe e a mão trabalhadora se torna a potência motriz daquele grupo incapaz de acender uma fogueira. Neste último caso, por exemplo, se destaca a camareira que agora se torna a líder do grupo, pois sempre soube se virar em situações corriqueiras, mas que são completamente desconhecidas pela elite. Atriz Dolly de Leon surpreende em cena, ao colocar os demais personagens em sua mão e fazendo com que os mesmos se darem conta que eles sempre foram dependentes dela, mas que nunca haviam se dado conta.

No final das contas, Ruben Östlund fez um filme que dá continuidade ao debate que já havia sido discutido em filmes como no caso de "Parasita" (2019). Porém, diferente do longa de Bong Joon-ho, aqui a trama termina em aberto, pois o próprio assunto segue ainda firme no nosso mundo atual e sem data para término. A meu ver, somente com uma nova pandemia ou tragédias naturais é que fará com que as elites se darem conta que somos todos iguais diante de um obstáculo e que não se pode controlá-lo por mais que tenha recursos neste mundo.

"Triângulo da Tristeza" nos faz rir e refletir sobre os tempos atuais em que vivemos, onde há uma divisão cada vez maior entre as pessoas, quando na verdade são todas iguais perante situações que não se pode dominar com todas as forças. 


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