sexta-feira, 27 de janeiro de 2023

Cine Especial: Revisitando 'Gata em Teto de Zinco Quente (1958)'

Por mais glamorosa que seja os anos dourados do cinema norte-americano há de se reconhecer que ele é um tanto que conservador para dizer o mínimo. Criado pela própria Igreja e pelos produtores da época, o Código Hays, por exemplo, serviu para censurar tudo aquilo que alguns acreditavam ser impróprio para a época, mas sendo extinguido no final dos anos sessenta quando a realidade já batia muito forte nas portas de Hollywood. Porém, antes disso, nem todos viam isso como um grande obstáculo.

Alfred Hitchcock era um que se divertia com essa censura, pois dava ele a chance de criar inúmeras cenas cujo o teor mais explicito ficava somente nas entrelinhas, mas tendo sido fisgado pelos cinéfilos mais antenados na época. No final do filme "Intriga Internacional" (1959), por exemplo, o casal central se beija na cabine dentro de um trem, sendo que último entra logo em um túnel e se tornando uma representação do ato sexual daquele momento. Mas eu acho que um dos filmes que melhor soube jogar contra a censura na época foi realmente "Gata em Teto de Zinco Quente", talvez um dos filmes mais corajosos daqueles tempos conservadores e até mesmo ousado para o mais puritano diga-se de passagem.

Dirigido por Richard Brooks, o filme conta a história de Brick (Paul Newman), um ex-famoso jogador de futebol americano, agora alcóolico pela vergonha, nega sua bela esposa (Elizabeth Taylor), a quem culpa, por causa de um incidente com seu amigo de campo Skipper, de ter abandonado sua carreira profissional. Brick também não quer saber de seu pai Harvey – ou “Big Daddy”, como todos o chamam, interpretado por Burl Ives -, que está morrendo de câncer, pois ambos nunca tiveram um diálogo aberto e são demasiado orgulhosos para se tornarem amigos nessa altura da vida. Porém, no dia do aniversário de Harvey toda a família está reunida, incluindo seu irmão advogado, e nesse dia segredos serão desenterrados e verdades serão ditas entre todos os presentes à festa.

O filme é baseado na obra do Tennessee Williams e cuja a trama fez grande sucesso nas peças de teatro na época. Com o sucesso monumental da versão cinematográfica de "Uma Rua chamada Pecado" (1951) parecia uma escolha obvia que seria Elia Kazan que fosse dirigir a versão para as telas, já que o mesmo havia dirigido algumas ocasiões a peça. Porém, coube Richard Brooks realizar a façanha e da qual muita gente almejava. Embora não sendo exatamente um diretor autoral, Brooks conseguiu a proeza de alinhar a linguagem teatral da história para o cinema e o resultado é fascinante, principalmente pelo fato de que quase o tempo todo os personagens se encontram no mesmo cenário, ou seja, a grande mansão onde ocorre os principais acontecimentos.

É uma reunião de família onde cada um naquele momento se encontra em um estado de ebulição e que a qualquer momento irá explodir. Isso acaba gerando uma sensação quase claustrofóbica, já que os personagens não tem para onde ir, como se aquela casa fosse a sua prisão e tendo que conviverem entre a mentira e segredos não revelados. Não me admira, por exemplo, que o filme serviu de inspiração para outras obras que vieram décadas depois, onde os realizadores criam tramas em que os personagens ficam em um único ponto do cenário e gerando assim cada vez mais atritos.

Mas o filme funciona graças ao seu grande elenco, sendo que os pilares principais se encontram entre Elizabeth Taylor e Paul Newman. Se o primeiro estava dando os seus primeiros grandes passos na carreira naquela época, Elizabeth, por sua vez, já era uma grande jovem atriz de talento extraordinário, além de uma beleza que encanta até nos dias de hoje. Várias atrizes estavam sendo cotadas na época para interpretar Maggie, mas Elizabeth nasceu para interpreta-la, ao ponto que as suas cenas com o seu belo vestido branco estão entre os momentos mais marcantes da história do cinema.

Tennessee Williams disse certa vez que o filme era desrespeitoso se for comparado a sua versão original e chegando até mesmo fazer propaganda contra a exibição. Mas não tinha como ser diferente, já que os pontos onde é revelado que o personagem de Newman era um homossexual e tinha um caso com o seu falecido amigo foi completamente limado durante a produção. Porém, sabendo do conteúdo, tantos os atores como o diretor souberam passar nas entrelinhas esse teor proibido para época e quem assiste hoje em dia repara facilmente nisso, principalmente no diálogo entre Brick e o seu pai Bi Daddy e que é magistralmente interpretado por Burl Ives.

Aliás, é nesse confronto entre pai e filho que ocorre a melhor parte do filme, já que esse último é colocado na parede pelo seu pai e logo em seguida começa a colocar para fora a sua relação conflituosa entre o seu melhor amigo e que havia se suicidado. Se na versão original o teor homossexual era óbvio, aqui é apenas identificado através do olhar dos interpretes e que contradiz o que eles falam naquele momento. Além disso, se percebe que há uma insinuação de impotência vinda do personagem Brick, sendo que o mesmo não sente prazer mesmo quando a sua esposa insinua de uma forma quase explicita e é nestes momentos em que Elizabeth Taylor enche a tela.

Mas, se por um lado sai de cena a questão homossexual, do outro, se tem um filme cheio de referências com relação aos dilemas vindos do mundo real, onde pessoas poderosas acabam obtendo uma vida tremendamente vazia, pois não realizaram o que realmente queriam em vida. Se por um lado Brick lamenta por não ser mais um jogador em seus tempos dourados, seu pai Daddy, por sua vez, se afogou de inúmeras coisas que comprou ao redor do mundo ao longo da vida, mas não obtendo a mesma felicidade que o seu pobre e falecido pai havia obtido. Essa cena em que ele desabafa para Brick ocorre no porão, sendo que ela me lembra muito ao do clássico final de "Cidadão Kane" (1941), sendo que aqui os personagens ainda tem a chance de encontrar o seu "rosebud" antes que seja tarde demais.

Ao longo das décadas a peça obteve inúmeras outras versões, mas "Gata em Teto de Zinco Quente" de 1958 ainda continua insuperável e caso estivesse vivo o dramaturgo Tennessee Williams não poderia mais negar esse fato. 



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