quarta-feira, 14 de setembro de 2022

LUTO: Jean-Luc Godard - 1930 - 2022

Em 2011 eu havia participado do curso de cinema "Poesia e Ensaio na obra de Jean-Luc Godard", criado pelo Cine Um e ministrado pelo jornalista Mario Alves Coutinho. Ao final da atividade o realizador se emocionou ao passar os ensaios visuais que ele havia criado para atividade e fazendo daquele momento dos melhores cursos que eu havia participado até então. Por conta disso acabei tendo um conhecimento melhor sobre o cineasta e do seu papel na mudança do modo de se fazer cinema.

Pode-se dizer que existe um antes e um depois de Jean-Luc Godard. Ao lado de François Truffaut e de outros cineastas franceses eles criaram Nouvelle vague, ou melhor dizendo, "a nova onda do cinema francês", da qual fez com que muitos realizadores saíssem dos seus estúdios convencionais e começassem a realizar os seus filmes nas ruas de Paris e revelando uma realidade que quase nunca eram vistas nas telas até aquele momento. Se por um lado Truffaut havia lançado o seu formidável "Os Incompreendidos" (1959), Godard por sua vez lançaria "Acossado" (1960) e do qual eu considero a sua maior obra prima. Com uma ideia na cabeça e uma câmera na mão, o realizador cria um filme policial alinhado com uma história de amor descontraída e tudo feito de uma forma simples, porém, esplêndida.

Menos plástico e mais realista, a nouvelle vague comandada por Godard, Truffaut e os demais realizadores influenciaram o mundo inteiro e fazendo com que até mesmo Hollywood se desse conta que não poderia viver sempre na fantasia e zero de verossimilhança. Ao meu ver, "A Nova Hollywood", da qual na minha opinião é o melhor período do cinema norte-americano, bebeu muito da fonte da Nouvelle vague, pois é um período de uma sétima arte mais autoral, onde os diretores eram livres em colocar a sua marca nas suas obras e que, infelizmente, não é o que acontece muito hoje em dia. Mais do que um realizador de visão própria, Godard também foi profético com relação as mudanças políticas e os costumes das pessoas.

Se por um lado "A Chinesa" (1967) se tornou profético com relação ao "Maio de 68", do outro, o filme "Desprezo" (1963) estrelado pela bela Brigitte Bardot seria algo a frente do seu tempo, pois mostra o papel da mulher livre tentando se desvencilhar das amarras do machismo e procurando nadar de forma independente como não se houvesse mais nenhum futuro. Por dentro sempre nas questões políticas, Godard não escondia a sua predileção por roteiros, por vezes, não lineares e que cujas as imagens falam mais por si do que meras palavras ditas pelos protagonistas. Belo exemplo disso é "O Demônio das Onze Horas" (1965), protagonizado por até então sua esposa Anna Karina e se tornando uma de suas obras mais pessoais de sua filmografia.

Com o passar dos anos o realizador havia colocado em pratica todas as formas de se fazer cinema, não se importando com que iriam dizer os seus detratores, mas sim fazendo algo que falasse sobre si e sobre sua arte que tanto colocou em pratica no seu bem entender. Se no seu último filme "Imagem e Palavra" (2018) ele falava sobre o mundo através das mais diversas formas de se construir as imagens de hoje em dia, "Adeus a Linguagem" (2014) ele dá uma verdadeira aula de como se devia ser usado o 3D do cinema e da qual a mesma ferramenta foi denegrindo através de grandes estúdios que não souberam utiliza-la. Recluso em sua casa, eu tinha uma grande esperança de vê-lo no documentário "Visages, Villages" (2016) de Agnès Varda e cuja a mesma queria visita-lo em sua casa.

Infelizmente não é isso o que acontece, frustrando não somente ela como voz me aqui presente estava na expectativa de vê-lo como ele se encontrava atualmente. Com mais de noventa anos de idade, ao que tudo indica Jean-Luc Godard já havia feito tudo o que tinha que fazer pelo cinema, ensinado uma geração de cineastas sobre como usar essa arte de contar histórias e dando um exemplo de como essa paixão pode mudar até mesmo os rumos da indústria. Cansado dessa vida, o realizador parte na sua maneira, entrando em definitivo para a história e indo de encontro com os seus velhos amigos cineastas e que começaram juntos como críticos de cinema da revista Cahiers du Cinéma.

Jean-Luc Godard parte nos dando uma importante lição de que o mundo real é muito mais interessante do que qualquer mera ficção e que sendo levada as telas com gosto se torna uma experiencia incrível para dizer o mínimo.  

"Não importa de onde você tira as coisas – importa é para onde você as leva." 

Jean-Luc Godard  


Filmografia: 

2018 Imagem e Palavra 

2014 Adeus à Linguagem 

2013 As Pontes de Sarajevo 

2012 3x3D 

2010 Film Socialisme 

2006 Passaporte Verdadeiramente Falso 

2004 Nossa Música 

2001 Elogio do amor 

2001 Trechos escolhidos de História(s) do cinema 

1998 Histoire(s) du cinema 

1995 Para Sempre Mozart 

1994 JLG por JLG - Auto-Retrato de Dezembro 

1993 As Crianças Brincam de Rússia 

1993 Infelizmente Para Mim 

1991 Alemanha ano 90 

1990 Contre l'oubli 

1990 Nouvelle Vague 

1989 O Relatório Darty 

1987 Atenção à Direita 

1987 Rei Lear 

1987 Ária 

1985 Ascensão e queda de uma pequena produtora de cinema 

1985 Detetive 

1985 Soft and hard 

1984 Eu Vos Saúdo Maria 

1983 Carmen de Godard 

1982 Paixão 

1982 Roteiro do filme Paixão 

1979 Salve-se quem puder (a vida) 

1976 Como vai você? 

1975 Numero deux 

1972 Carta para Jane 

1972 Tudo Vai Bem 

1971 One Parallel Movie 

1970 Aqui e acolá 

1970 Vladimir et Rosa 

1969 Amor e Raiva 

1969 As Lutas Ideológicas na Itália 

1969 British Sounds 

1969 Pravda 

1969 Vento do Leste 

1968 The Rolling Stones - Sympathy for the Devil 

1968 Um Filme Como os Outros 

1967 A Chinesa 

1967 A Gaia Ciência 

1967 Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela 

1967 Longe do Vietnã 

1967 O Amor Através dos Séculos 

1967 Week-end à francesa 

1966 Made in USA 

1966 Masculino, Feminino 

1965 Alphaville 

1965 O Demônio das Onze Horas 

1964 Bando à Parte 

1964 Os Maiores Vigaristas do Mundo 

1964 Uma Mulher Casada 

1963 O Desprezo 

1963 O Pequeno Soldado 

1963 Rogopag – Relações Humanas 

1963 Tempo de Guerra 

1962 Os Sete Pecados Capitais 

1962  Viver a Vida 

1961  Uma Mulher é uma Mulher 

1960  Acossado 

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