segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Cine Especial: Revisitando 'Um Bonde chamado Desejo'

Sinopse: Blanche vai visitar a irmã grávida em Nova Orleans em busca de um lugar para morar, já que, após seduzir um jovem de 17 anos, ela foi expulsa da sua cidade natal. Sua chegada afeta fortemente a vida da irmã, a do cunhado e a sua também. 

Quando eu penso no cinema norte americano dos anos quarenta e cinquenta eu o chamo de realidade plástica, pois os estúdios não retratavam o mundo real dos EUA como realmente era. Um desses motivos se deve ao famigerado Código Hays, que foi um conjunto de normas morais aplicadas aos filmes lançados nos Estados Unidos entre 1930 e 1968 pelos grandes estúdios cinematográficos. Por conta disso assistíamos coisas absurdas, como no caso de nunca vermos um vazo aberto no banheiro ou de um casal nunca dormir na mesma cama.

Em meio a isso, muitos cineastas tentavam driblar o código, ao ponto de alguns filmes levarem mais de um ano para serem lançados. Os anos sessenta vieram e essa censura acabou ficando cada vez mais enfraquecida, principalmente em tempos em que a realidade nua e cura bateu na porta do norte americano, desde a questão do assassinato do Kennedy, guerra do Vietnã e crise financeira. Os anos setenta vieram, com jovens cineastas dando novo sangue e formando assim o melhor período que ficou denominado como a "Nova Hollywood".

Porém, antes disso, houve alguns títulos que, mesmo diante da sombra do Código Hays, surpreenderam ao serem lançados graças a sua temática mais ousada, adulta e realista.  Elia Kazan foi um desses casos que brigava contra os censores para poder lançar o seu filme da sua maneira, mesmo que houvesse a possiblidade de chocar uma sociedade inteira. Se anteriormente ele havia surpreendido em 1947 com "A Luz é para Todos" era uma questão de tempo para que ele rompesse a realidade plástica que o cinema americano sempre vendia e lançar algo que se aproximasse de sua própria realidade. "Um Bonde Chamado Desejo" (1951) é um filme a frente de sua época, corajoso na sua maneira e tendo melhorando cada vez mais na medida em que o tempo passa.

Na trama conhecemos Blanche DuBois (Vivien Leigh), uma mulher frágil e neurótica, que vai visitar sua irmã grávida (Kim Hunter), em Nova Orleans, em busca de um lugar que possa chamar de seu, já que, após seduzir um jovem de 17 anos, ela foi expulsa da sua cidade natal no Mississipi. Sua chegada afetará fortemente a vida da sua irmã, do seu cunhado e a sua própria vida.

Baseado em uma famosa peça da Broadway, o filme possui uma linguagem quase teatral, já que a trama se limita somente no apartamento em que Blanche vai viver com a sua irmã e cunhado. Porém, essas limitações ficam somente na superfície, já que o filme como um todo não esconde o lado nada glamoroso de Nova Orleans, com o direito de vermos sempre pessoas sujas, desarrumadas, desanimadas com o pouco que tem e muito mais próximas de nossa realidade do que a gente poderia imaginar. Em contra partida, vemos Blanche tentando fugir de um passado opressor cheio de culpa, mas descobrindo que o seu novo refúgio somente lhe dará mais dor, sofrimento e nenhuma glória.

Conhecida mundialmente pela sua atuação em "E O Vento Levou" (1939), Vivien Leigh nos brinda, não somente com a melhor atuação de sua carreira, como também uma das melhores atuações femininas da história. Ao interpretar uma personagem tão complexa, Leigh simplesmente desaparece em cena, dando lugar a uma mulher que se consome através da culpa, mas cujo os motivos com relação a isso somente ficam nas entrelinhas. Quem conhece a peça teatral, sabe que neste ponto a verdade não foi explicada com exatidão na adaptação cinematográfica, mas tudo é com relacionado ao desejo reprimido e da pessoa em si em nunca abraçar realmente quem ela é como um todo.

Já Marlon Brando, mesmo em início de carreira, nos prova porque viria a se tornar um dos maiores interpretes da nossa história. Ao interpretar o cunhado da protagonista chamado Stanley, Brando cria para si a imagem do Macho Alpha, do qual não medirá esforços para ser o rei da casa e sempre obrigando a sua esposa Stella (Kim Hunter) a fazer o que ele mandar. Entre uma explosão e outra, a cena em que Brando grita por Stella na frente do apartamento é um marco do cinema. Vale lembrar que Brando foi um dos primeiros atores a se despir da cintura pra cima em cena e provocando o maior escândalo.

Vale lembrar que o filme na época de seu lançado teve três minutos cortados devido ao Código Hays. Talvez o corte mais sentido foi a cena que deu a entender que Blanche foi estuprada por Stanley e cuja a mesma somente foi liberada anos mais tarde. Revisto hoje, o filme é um verdadeiro tapa na cara contra uma sociedade verdadeiramente hipócrita, que esconde embaixo do tapete todos os seus desejos, fracassos e que tentam a todo momento nos vender a família perfeita que já não existe mais.

Mesmo com todas as polêmicas o filme viria a ganhar quatro prêmios no Oscar: Melhor Atriz (Vivien Leigh), Melhor Atriz Coadjuvante (Kim Hunter), Melhor Ator Coadjuvante (Karl Malden) e Melhor Direção de Arte. Recebeu ainda outras 8 indicações: Melhor Filme, Melhor Diretor, Melhor Ator (Marlon Brando), Melhor Fotografia em Preto e Branco, Melhor Figurino em Preto e Branco, Melhor Trilha Sonora, Melhor Som e Melhor Roteiro.Aclamado como um dos grandes filmes norte-americanos de todos os tempos, "Um Bonde Chamado Desejo" é um filme a frente da sua época e que quebrou todas as fantasias banais que Hollywood até então vendia. 

NOTA: O filme será exibido amanhã as 16h30 na Cinemateca Capitólio.



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