terça-feira, 1 de junho de 2021

Cine Dica: Em Cartaz: 'Cine Marrocos'

Sinopse: Conheça a história de sem-tetos, refugiados africanos e imigrantes latino-americanos que ocuparam o prédio de um antigo cinema do centro de São Paulo e o processo artístico que os transformou em estrelas de cinema.  

Os antigos cinemas de rua brasileiros estão definhando, sendo desativados e reformulados para se tornarem shopping center, ou na pior das hipóteses, palanque para pregação de religiosos cuja a ambição é dominar os meios políticos. O prédio do Cine Imperial de Porto Alegre, por exemplo, há anos está desativado, não sendo refeito e cujo os responsáveis nos passam a desculpa até hoje que há uma enorme pedra embaixo que provocaria a queda do prédio caso fosse removida. Tudo se torna uma representação do descaso do estado perante aos seus patrimônios e dois quais ficam abandonados e esquecidos conforme o tempo vai passando.

Curiosamente, esses prédios se tornam abrigos de moradores sem teto, refugiados de outros países e buscando, enfim, uma forma de recomeçar do zero. Porém, quando acontece isso, não demora muito para que o estado expulse essas pessoas e coloque novamente o prédio em abandono e dando meras justificativas que não convencem nem o mais leigo sobre o assunto. "Cine Marrocos" (2021) é um retrato da resistência desse povo que, curiosamente, abraça por alguns momentos a magia do cinema que em um passado longínquo deixava aquele cenário muito mais dourado.

Dirigido por Ricardo Calil, do filme "Uma Noite em 67" (2010), acompanhamos no documentário a história de sem-tetos, refugiados africanos e imigrantes latino-americanos que ocuparam o prédio de um antigo cinema do centro de São Paulo e o processo artístico que os transformou em estrelas de cinema. Passado e presente transitam naquele cenário e recriando uma verdadeira janela do tempo.

Ícone do meio cinematográfico dos anos 1950, o Cine Marrocos teve um fim triste, sendo desativado e abandonado. Nos tempos ativos, o local serviu de cenário para festivais inesquecíveis e dos quais os cinéfilos veteranos jamais se esquecem. É por esse pensamento que o cineasta Ricardo Calil decide convidar esses moradores a conhecerem os filmes que eram exibidos na época, para que então os mesmos façam encenações dos trechos clássicos como "A Grande Ilusão" (1949), "Crepúsculo dos Deuses" (1950) e "Júlio César" (1953).

A intenção do cineasta não é tornar aquelas pessoas em profissionais da área, mas sim para que eles se misturem com a aura da sétima arte impregnada naquele lugar abandonado, mas contendo grandes histórias que obteve ao longo do tempo. Em meio aos preparos para a criação das cenas ficamos conhecendo um pouco sobre alguns moradores, sendo que cada um deles possuem histórias surpreendentes e os motivos que alguns levaram abandonar os seus país de origem. É pela arte de atuação, portanto, que eles encontram um meio para colocar para fora as suas dores, frustações e tornando as suas atuações quase impecáveis.

Para o deleite do cinéfilo, Ricardo Calil faz um paralelo entre a cenas clássicas e as recriadas pelos moradores. O resultado é surpreendente, principalmente pelo fato da fotografia ser similar a dos clássicos, além do figurino que não faz feio em nenhum momento. Vale destacar, novamente, o bom empenho de cada uma daquelas pessoas que decidiram abraçar essa forma de fazer arte mesmo com o pouco que obtiveram.

Curiosamente, o documentário transita pelos fatos que ocorriam lá dentro com o que era noticiado pelos jornais tradicionais da época. Os moradores eram liderados por um líder do MSTS lá dentro, que era responsável, segundo reportagens da Rede Globo, de esquemas de tráfico de drogas e armas dentro do local. A pergunta que fica no ar é se Ricardo Calil sabia disso tudo ou preferiu ignorar para continuar com o seu projeto lá dentro?

Polêmicas à parte, o documentário fala sobre tempos dourados que não voltam mais, onde vemos pessoas em situação miserável buscando abrigo através de um local que um dia era o glamour do cinema. Ao mesmo tempo, a obra sintetiza que os sonhos não podem morrerem perante a um sistema cheio de regras e dos quais somente existem para aniquilar o que um dia valia a pena. Ao presenciarmos no prólogo e epílogo e cena final clássica de "Crepúsculo dos Deuses" constatamos que não foi colocada ali de forma gratuita, mas sim para nos dizer que precisamos abraçar o que é nosso por direito, mesmo que isso custe a nossa própria identidade perante a esses tempos loucos.

"Cine Marrocos" é sobre um ato de resistência cultural, do qual pessoas comuns tem muito mais a oferecer para nós do que políticos que se acham no direito de tirar o nosso livre arbítrio de ir e vir. 


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