terça-feira, 23 de junho de 2020

Cine Especial: ‘PSICOSE’ - 60 ANOS DEPOIS



O cinema muda de acordo com o seu mundo envolta, mesmo tendo alguns que demoraram algum tempo para entenderem isso. Durante décadas, o cinema americano sofria com as regras morais do Código Hays (1930 – 1968), do qual havia uma censura que não permitia que muitos realizadores pudessem praticar a sua total liberdade artística e tão pouco mostrando na tela uma realidade que realmente existia fora das telas. Porém, ao final dos anos sessenta a situação mudou, já que as guerras, crise econômica e liberdade de expressão bateram nas portas de hollywood e fazendo com que os seus engravatados de plantão encarasse finalmente o mundo real para realizar, enfim, filmes que falassem um pouco sobre o que realmente acontecia do lado de fora.
Antes disso, o cinema norte americano se sustentava com os seus gêneros de entretenimento, desde aos filmes de faroeste como musicais, mas dos quais alguns não venceram ao teste do tempo. O gênero de terror, por exemplo, foi um que teve diversas mutações, desde aos monstros em preto e branco da Universal dos anos trinta, para os monstros mais violentos e coloridos dos estúdios da Hammer no final dos anos cinquenta. Em meio essas mutações houve um cineasta que lutou por manter a sua visão autoral com relação ao suspense, mas mantendo os pés firmes no chão, pois o horror psicológico era muito mais interessante e esse feito só foi adquirido por Alfred Hitchcock.
Enquanto os outros estúdios sempre brincavam em usar diversos monstros, Alfred Hitchcock, por sua vez, sempre optou em captar o lado mais sombrio do ser humano e para assim criar filmes de suspense que entraram para história do cinema. Antes do final dos anos cinquenta ele já havia criado diversas pérolas, desde ao filme "Interlúdio" (1946), para o "Festim Diabólico" (1948), "Janela Indiscreta" (1954) e "Um Corpo que Cai" (1958) que, aliás, é considerado para muitos atualmente o melhor filme de todos os tempos. Eis que chega então o ano de 1960, época em que alguns duvidavam se a genialidade de Hitchcock ainda estava intacta, mas eis que o mesmo surpreende o mundo com a sua obra prima "Psicose" (1960).
Baseado no livro de Robert Bloch, o filme conta a história de Marion Crane (Janet Leigh) uma secretária que rouba 40 mil dólares da imobiliária onde trabalha para se casar e começar uma nova vida. Durante a fuga à carro, ela enfrenta uma forte tempestade, erra o caminho e chega em um velho hotel. O estabelecimento é administrado por um sujeito atencioso chamado Norman Bates (Anthony Perkins), que nutre um forte respeito e temor por sua mãe. Marion decide passar a noite no local, sem saber o perigo que a cerca.
Alfred Hitchcock fez questão de usar todos os recursos possíveis para que a sua história não vazasse, já que o efeito surpresa seria o seu maior trunfo durante a projeção do filme. Basicamente a obra possui dois atos, sendo que o primeiro termina de uma das maneiras mais imprevisíveis da história do cinema, enquanto o segundo explora as suas consequências. Mesmo que alguém deste mundo ainda não tenha visto o filme por completo, a cena do assassinato no chuveiro é conhecida por todos, entrando para a história como um dos momentos mais chocantes do cinema e dali em diante nada mais seria o mesmo.
Com uma aterrorizante trilha sonora de Bernard Herrmann, a cena do chuveiro teve cada frame criado de uma forma muito bem pensada, onde o perfeccionismo do diretor quase levou atriz Janet Leigh a temer a presença do próprio no set de filmagem. Por possuir um alto-grau de violência nesta cena chave, o filme foi rodado inteiramente em preto e branco para amenizar esse grande momento, mas a trilha de Herrmann fez com que ela se tornasse muito mais angustiante e inesquecível. A cereja do bolo é a sua conclusão, onde a câmera do cineasta faz um giro de trezentos e sessenta graus no olhar sem vida da protagonista e deixando toda a plateia atônica.
O filme inaugurou a nova era do horror, mais precisamente aquele que melhor explorasse o terror psicológico e tornando a presença de um psicopata muito mais aterrorizante do que um Frankenstein e Drácula daqueles tempos. hollywood percebendo o que estava ocorrendo logo correu para elaborar inúmeros filmes que exploram isso e nascendo assim obras como, por exemplo, “O Que Terá Acontecido a Baby Jane?” (1962). Mas, curiosamente, a tendência para esse tipo de terror talvez já estivesse acontecendo até mesmo fora dos EUA, já que em abril do mesmo ano havia sido lançado o filme inglês "A Tortura do Medo" de Michael Powell, mas tendo desempenho ofuscado pelo filme americano e tendo assim reconhecimento somente tardio.
Com relação ao elenco, se Janet Leigh conseguiu criar uma atmosfera interessante sobre as reais atitudes conflituosas de sua Marion, por outro lado, Anthony Perkins nos brinda com um dos personagens mais inesquecíveis da história do cinema que é o seu Norman Bates. Uma vez entrando em cena, Perkins cria para o seu personagem um ar de inocência, mas que não esconde certa ambiguidade e um olhar confuso com relação a sua própria realidade. Mesmo assim, ficamos até mesmo torcendo por ele quando ele toma uma decisão bastante questionável em proteger a sua mãe, mas logo sendo revelado a sua trágica realidade e que deixou os cinéfilos da época estupefatos para o resto de suas vidas.
Houve continuações, refilmagens e até mesmo uma ótima série recente intitulada "Bates Motel". Porém, sessenta anos depois, "Psicose" continua sendo um filme insuperável, ao nos dizer que horror não precisa vir de uma mansão mal assombrada, mas sim de uma mente fragmentada e muito perigosa.  

Onde Assistir: DVD, Blu-Ray e Netflix. 

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