sexta-feira, 18 de maio de 2018

Cine Dica: Em Cartaz: O Processo



Sinopse: "O Processo" oferece um olhar pelos bastidores do julgamento que culminou no impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 31 de agosto de 2016. O filme testemunha a profunda crise política e o colapso das instituições democráticas no país.



O grande problema de produções brasileiras recentes, vide Justiça para todos, ou a série O Mecanismo, de José Padilha, é que os seus realizadores tentam reconstituir fatos de eventos muito recentes da nossa política, mas que acabam caindo na vala comum ao cruzar ficção com um realismo plástico e do qual querem nos vender a todo custo. A situação piora quando fazemos uma comparação dessas obras com que a gente já tinha visto pela mídia, mesmo quando ela, na maioria das vezes, se posicionou de uma forma parcial com relação aos acontecimentos. O Processo nos recoloca novamente nos eventos que desencadearam na saída da presidente Dilma Rousseff no dia 31 de agosto de 2016, mas através de outro olhar ainda mais revelador e que as câmeras de televisão não mostraram de antemão.
Dirigido pela cineasta Maria Augusta Ramos (Justiça), o filme se inicia na sessão da Câmara dos Deputados, onde foi aprovado o pedido de Impeachment contra até então Presidente Dilma Rousseff. A obra segue revelando eventos que ocorreram durante a Comissão do Senado até o seu julgamento. Em meio a isso, observamos passo a passo de um trabalho árduo, não somente dos aliados da ex-presidente, como também de alguns opositores.
Diferente do que vocês imaginam, principalmente quando forem se lembrar de documentários recentes, Maria Augusta Ramos não opta em fazer entrevistas, mas sim somente usando a sua câmera como observadora e fazendo com que nós que assistimos nos tornemos, então, o observador dos fatos. A câmera da cineasta, aliás, já nos coloca numa situação em que molda o princípio do documentário, onde presenciamos uma imagem panorâmica de Brasília e onde se vê um povo dividido perante uma situação que poderia ter sido evitável. Felizmente a cineasta somente dá um pequeno vislumbre do fatídico dia em que ocorreu aprovação do impeachment, já que, basta somente um discurso falsamente moralista para servir de exemplo sobre tudo o que ocorreu naquele dia.
Aliás, discursos moralistas, mas moldados por uma aura hipócrita, é o que molda desse ponto em diante, já que, enquanto a equipe da ex-presidente Dilma se ocupou em tratar tudo de uma forma politicamente técnica, a sua oposição, por sua vez, optou pela velha fórmula de um discurso moral e sem nenhum sustento. Não que a cineasta tenha optado por ter escolhido um lado para filmar essa história, muito pelo contrário, já que desde o primeiro minuto ela opta em seguir as duas rixas desse teatro político. Logicamente, a maioria da oposição não se permitiu que fossem filmados em situações mais reservadas e, portanto não esperem em ver um Eduardo Cunha caindo sempre a sua mascara.
Porém, surpreendentemente, é justamente a advogada Janaína Paschoal, autora do pedido de impeachment dado a Câmara dos Deputados, que acaba sendo o maior destaque, não somente da oposição, como também simbolizando a tragicômica situação daqueles dias fatídicos vistos no documentário. Em sua primeira cena, por exemplo, Janaína se prepara psicologicamente, como se estivesse indo para um teatro e pronta para dar o sangue para o seu papel. Ao invés de discursar algo que haja algum sustento, ela compra a ideia de soltar palavras moralmente falsas, pausadas, como se quisesse que tudo fosse gravado em primeira mão e ficasse para a posteridade.
Dificilmente se pode compreender o que se passa na mente daquela pessoa naquele momento. É como se ela estivesse numa redoma de vidro e não se dando conta da magnitude da situação da qual está participando e desencadeando eventos que repercutem até hoje. É fácil sentirmos raiva dela quando ela surge em cena, mas também certa pena por essa pessoa em ter participado desse jogo político com cartas marcadas.
Cartas marcadas, aliás, é o que molda todo o trabalho dos dois lados do conflito. Na equipe de Dilma, por exemplo, há uma sensação de desanimo sempre no ar, como se a inevitável queda é praticamente certa, mas sendo preciso até o último segundo se fazer um trabalho coerente e justo. A Presidente do partido do PT, Gleisi Hoffmann, por exemplo, não se ilude com uma possível vitória de Dilma, pois a própria diz que, caso a Presidente seja absolvida, não terá como ela governar em meio a tantas pessoas que querem derrubá-la a todo custo.
Curiosamente, é com Hoffmann que a cineasta Maria Augusta Ramos consegue obter uma representação de um olhar incrédulo perante o circo que esta sendo armado a todo o momento. Ao mesmo tempo, a cineasta consegue através da senadora situações até mesmo que vem do acaso e tornando o documentário ainda mais dinâmico: a cena em que vemos a senadora nervosa, para logo ela descobrir que seu marido havia sido preso durante a investigação da Lava Jato, simbolizam o clima de desconstrução do chão em que ela sempre havia pisado.
Desconstrução, aliás, é a palavra que melhor representa os eventos a seguir. Mesmo não tendo nenhum sustento concreto com relação às benditas acusações das pedaladas fiscais contra a Presidente Dilma, o caso vai adiante e se encaminhando para o julgamento final no Senado. Mesmo com as investigações da lava jato a todo o vapor, tirando Eduardo Cunha de cena, além dos primeiros indícios de provas concretas de corrupção contra o Temer, nada disso impediu para que Dilma fosse tirada do poder e desmontando todas as realizações que o governo do PT havia feito até aquele preciso momento.
Como eu disse acima, a cineasta Maria Augusta Ramos não escolheu um lado dessa história, mas sim optou em ser uma observadora durante toda a realização desse projeto e para que só assim fosse levado ao cinema. Não foi ela, por exemplo, a responsável pelo nascimento de eventos que moldam os minutos finais do documentário, em que simbolizam um retrocesso enorme para o nosso país e que faz ecoar os tempos de golpe de 1964. O que aconteceu ali é real, doa o que doer e que nenhum outro filme parcial que venha a surgir irá conseguir desconstruir.
Assistir ao documentário O Processo é como revisitarmos um pesadelo, do qual nos vemos por detrás de uma nuvem negra inabalável e que faz com que não enxerguemos uma luz no final do túnel. 

Onde assistir: Cinebanários: Rua General Câmara, nº 424, centro de Porto Alegre. Horário: 19horas. Espaço Itaú de Cinema Porto Alegre. Rua Tulio Rose, nº 80, bairro Passos d,Areia. Horários: 15h40min, 18h30min e 21h20min.       

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